domingo, 20 de janeiro de 2008

23:23

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela,
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

(Alberto Caeiro)


Dessa vez foi por pouco!
Mais um tiro na alma. Já falei: isso não se faz!

Eu simplesmente não consigo deixar de pensar um segundo sequer em nada diferente de você, Thais. Tudo o que eu mais precisava nesse momento era que um raio caísse sobre a minha cabeça. E de repente esse raio me acerta. E para meu espanto, longe de me trazer alívio, me traz você. E ai, por consequência, me leva a mim.

Até pouco antes de lhe conhecer não havia nada que me chamasse grande atenção no Alberto Caeiro. Não que ele fosse um heteronimo menor, mas ele simplesmente não fazia sentido em minha vida. De repente, aquelas poucas horas ao seu lado me fizeram perceber a importância de um verso tão definitivo - e nesse caso a palavra é realmente definitivo - quanto 'pensar é estar doente dos olhos'. Passei a minha vida inteira doente dos olhos, tirando esses poucos instantes em que estive vivo. E estou cá eu novamente morto, esperando a morte chegar. Porque morrer, assim como viver, não são puramente condições biológicas: são estados da alma. E a morte a qual eu aguardo é apenas a oficial, uma vez que eu já estou morto há muito tempo. Dá para contar nos dedos os poucos momentos da minha vida em que posso dizer: eu estive vivo! Pensar que amanhã será outro dia longe de me trazer alguma esperança, ao contrário disso, me traz mais e mais tédio e desânimo: a morte não chega... Pode parecer trágico, mas qual é a graça em tentar fazer de tudo para dormir o máximo possível durante um dia? Nesse ponto, se por um lado eu não faço uso de bebidas nem de drogas, o ato de dormir acaba sendo a minha fuga - ineficaz como qualquer fuga. Acordar simplesmente me lembra que eu existo. E nesse ponto, paradoxalmente, dormir acaba sendo 'ruim' pelo simples motivo que ele nos obriga necessariamente a, em algum momento, me fazer acordar. E acordado eu penso em você - o que também acaba sendo frequente quando eu sonho. E pensar em você me faz lembrar de mim. Sempre esse círculo vicioso. Não tenho como mentir para mim mesmo. Unloveable. Sempre erro quando me insiro. E isso dói. Se a dor ao menos anestesiasse... Mas na verdade ela tende a aumentar mais e mais.

De repente, olho para o relógio. Se eu estava em dúvida quanto ao título deste e-mail, a mesma dúvida cessou exatamente nesse instante. Vinte e três e vinte e três sem ponto. Não apenas pelo fato de ser um horário "Thaístico", por assim dizer, mas por 23:23 especificamente ser um horário um tanto quanto simbólico para mim. Lembro-me de que foi a primeira vez que você falou para mim a respeito do fato de que quando os ponteiros do relógio se tocam, alguém naquele momento está pensando em você. Fiquei com essa 'mania' sua de presente. E sem nem me esforçar, pimba: costumo ver os ponteiros do relógio sempre se tocarem. E isso me faz imediatamente pensar em você. E, por consequência me faz lembrar de mim e de como eu fui incapaz de te fazer se apaixonar por mim.

Na primeira sessão com a minha psicóloga - quem diria que um dia eu me renderia a fazer terapia não é mesmo? - ela me perguntou o que eu esperaria de um relacionamento ideal. Na hora me veio esse outro poema do Caeiro que, inclusive, eu já fiz questão de lhe mandar tão rápido quanto pude, num ímpeto, enquanto eu ainda achava que minhas palavras faziam algum sentido em sua vida. E eu devo dizer que esse poema continua me perturbando tanto quanto no dia que lhe enviei. Eu gostaria de aprender a me desapaixonar de você, Thais. Eu preciso que um raio caia sobre a minha cabeça imediatamente. Um raio de verdade. E rápido.

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

(Alberto Caeiro)

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