sábado, 29 de novembro de 2008

Ciorando (2).

Enfrentar as grandes questões insolúveis não é o mais difícil, antes dirigir a alguém uma palavra delicada, em que tudo é dito, e nada.

(Emil Cioran)

(Des) Conhecer.

Quando de repente mesmo as palavras resolvem me dizer não. Entre as lacunas, um mundo inteiro desaba sobre os meus dias, sobre as minhas horas, minutos, segundos. Um mundo inteiro, completo, vazio. Tudo ainda está ali, intacto. O mesmo espanto, intacto. Nos recuos, nas recusas, havia um mistério. Eu perguntei, pedi até, mas mesmo assim nada aconteceu. Nada além de alguns pontos dispersos. Não eram as pedras do caminho: as pedras eram o caminho. Na verdade o caminho estava sob elas. Timidamente, ainda me recordo quando você colocou um pé para fora. Sentiu algo qualquer como o peso de um alívio, o mesmo alívio que eu senti mesmo sem te enxergar. Não tardou muito, resolveu colocar o outro pé repetindo o ritual, olhando cuidadosamente ao redor. O tronco ainda estava preso à sombra, assim como os braços e o rosto. Havia uma vontade de sair dali, os pés já coçavam, o chão de terra batida já não mais feria. O breu encontrava luz. Aos poucos, era a luz que dominava o breu: um braço, depois o outro e em seguida, quando não havia mais o que temer, os olhos já se arrependiam do enorme tempo de escuridão. Não foi fácil te dar as mãos, afinal, eu estava totalmente preso à minha sombra. A primeira lembrança que me vem a cabeça é de uma risada. Não uma risada qualquer. Tanta coisa simples, tantas coisas simples... Sabe, coisas realmente simples e por isso mesmo difíceis – ainda mais porque eu permanecia no breu. Eu falei sobre tudo, tudo sobre o breu que havia em mim. E você dizia para eu não ter medo, que para sair do breu era preciso antes tirar o breu de dentro da gente. Você de alguma maneira mexia comigo, talvez por conta das mãos que lançava insistentemente em minha direção. Eu pegava nas mãos e tinha contato com um pouco de luz. Era exatamente sobre esse tipo de salvação que eu dizia. Nenhuma salvação fundamental. Apenas mãos, conforto, carinho, esse tipo de coisa: atenção. E você sabe, quando as mãos se tocam, no desenlace algo fica preso e não se solta jamais. Eu olhava para os pontinhos luminosos que reconfiguravam as linhas das palmas das minhas mãos. Pareciam constelações. É impossível não se atrever a encontrar figuras quando se enxerga estrelas perdidas no céu. Essa é a parte engraçada, verdadeiramente poética: acreditar nos desenhos. Chegou um ponto que eu já não mais conseguia separar a constelação de mim mesmo, o que era e o que não era. A certeza da dúvida é a possibilidade da ação. Sem te avisar, no dia seguinte, como eu bem sabia dos seus horários, resolvi que era a hora de sair, de me mostrar, de dizer da constelação, de dizer de tudo que havia dentro, da incapacidade de dizer o que era do que não era. Saí. Saí num ímpeto, como quem escreve a verdade, como quem deseja e não sabe, como quem ama. Antes de abrir a boca, você se assustou. Negou. Não acreditou. Acusou. Tateou na sombra, fingiu haver alguém por lá, conversou consigo mesma. Culpou. Não ouviu. Correu. A resposta? Você saiu do breu, mas o breu não saiu de você: a luz provoca mais medo do que a escuridão.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Diários (IX).

Quando se deseja realmente dizer alguma coisa, as palavras são inúteis. Remexo o cérebro e ela vêm, não rara, mas toneladas. Deixam sempre um gosto de poeira na boca — a poeira do que e tentava expressar, e elas dissolverem. Quanto mais palavras ocorrem para vestir uma idéia, mais essa idéia resiste a ser identificada. As sucessivas roupas sufocam a sua nudez. E todas as palavras são uma grande bolha de sabão, às vezes brilhante, mas circundando o vazio.

Ah, se eu pude se escrever com os olhos, com as mãos, com os cabelos — com todos esses arrepios estranhos que um entardecer de outono, como o de hoje, provoca na gente.

Escrevi isso pensando no passeio que dei hoje à tarde. Fui até a minha praça, na volta do Gasômetro, e é só la que encontro céu e rio à vontade, azuis, imensos, quase fundidos um com o outro. O céu e o rio vistos daqui da cidade são aváros, mostram pedacinhos pequenos, perdidos no meio dos edifícios. Parecem ter vergonha de se mostrar. Lá, não. Quase não há olhos para o verem, e então se expandem sem avareza nenhuma.

Acontecem coisas estranhas quando estou num espaço muito amplo. Uma vontade de voar, parece que bastaria abrir os braços para fundir-me com o céu. Ao mesmo tempo, dá vontade também de ficar na terra, e viver, viver muito, com todas as miudezas do cotidiano. Impressão de ser maior que tudo, sensação de força, certeza de vitória, vitória tão certa e fácil como a coisas da natureza que se mostram ali. E também uma grande humildade, consciência de ser ínfimo em relação ao azul-azul do céu, ao azul-em-cor do rio. Procuro palavra para definir o que sinto e não encontro. Talvez elas nem sequer existam, talvez seja apenas um fluxo mais forte de vida abrindo os sentidos, embrutecendo o raciocínio.

Chorei ao chegar em casa, quando entrei no meu quarto e lembrei daquelas coisas todas, da natureza se oferecendo de um jeito que poderia ser obsceno, não fosse tão puro — e esbarrei com Edu na sala, dormindo, os pés nus e gordos, o jornal no chão. Fiquei perto da janela enquanto escurecia. É domingo, as ruas estão vazias. Não havia ninguém lá embaixo. De vez em quando passavam carros, mas parecia não haver pessoas dentro deles, como se fossem dirigidos por controle remoto. Parecia que estava chovendo.

Depois bateram à porta, chamaram para jantar. Levei muito tempo, de propósito, para lavar o rosto, e quando entrei na sala a mesa estava vazia. Todos me olharam, e não sei se havia susto ou amor ou censura em seus olhares. Sei que de repente me deu um enorme acesso de ternura, daquele jeito que já descrevi aqui uma vez. Pensei que, bons ou maus, eles são meus, me viram nascer, crescer, e me querem de uma maneira completa, como ninguém mais poderia me querer, porque eles me conhecem. Como se soubessem mais de mim do que eu mesmo, e tive a sensação de estar nu.

Fui até a cozinha, mamãe foi atrás, tirou meu prato do forno. Colocou-o na minha frente, tirou um guardanapo da gaveta, arrumou os talheres, perguntou se eu queria do vinho que Edu havia comprado. E de repente decidi ser bom com ela. Eu quis dizer alguma coisa, mas ela voltou para a sala. Enquanto comia, fiquei ouvindo a voz dela contando coisas à tia Clotilde, enquanto Edu ria muito alto.

Agora estou aqui, escrevendo. Continuo a ouvir as vozes deles, não sei se só na imaginação ou se falam ainda, lá na sala.

Quero mudar a minha vida. Tenho dezenove anos, é tempo de fazer alguma coisa. Talvez eu tenha medo demais, e isso chama-se covardia. Fico me perdendo em páginas de diário, em pensamentos e temores, e o tempo vai passando. Covardia é uma palavra feia. Receio de enfrentar a vida cara a cara. Descobri que não me busco ou, se me busco, é sem vontade nenhuma de me achar, mudando de caminho cada vez que percebo uma luz. Fuga, o tempo todo fuga, intercalada por períodos de reconhecimento. Suavizada às vezes, mas sempre fuga.

Quero ser eu mesmo. Será difícil? Com tudo de mau que isso possa trazer. Mesmo não sendo mau, fácil não será, mas estou disposto a correr o risco. É preciso agora concretizar a idéia: tirá-la dos limites do pensamento, arrancá-la apenas do papel e torná-la um pedaço de mim, decisão cravada no corpo. Não sei como fazer, por onde começar, mas sei que o farei. Hoje, amanhã ou depois. De uma vez só ou pouco a pouco, eu o farei.

Parei de escrever, fui até a janela, voltei. A cidade vazia. A ruas lavadas dão a impressão de que vai acontecer alguma coisa. Não sei o que seria. Por isso mesmo me assusta e, ao mesmo tempo, fascina.

Conversam ainda na sala. Não era só imaginação. As minhas pernas doem. Vou dormir.

(Diário IX - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Diários (VIII).

A derrubada dos ídolos. Quatro palavras lidas não sei em que livro, não sei em que tempo, não me saíram da cabeça durante o dia todo. É nisso que me faz pensar a chegada de Edu. Quando vi aquele sujeito gordo e chato não consegui relacioná-lo com o Edu da minha infância. Senti raiva dele — deste de agora, porque o antigo era alguém que eu tinha idealizado. Tinha posto de lado na memória. Pronto: uma meta a alcançar. Era a única coisa a que eu me apegava quando me perguntava vagamente o que queria ser, um dia. Na verdade, o que eu queria ser não chegava a se definir, mais havia o como eu queria ser. Igual a Edu. Era alguma coisa.

A figura gorda que me perguntou “como é que vai a vida” não é mais o Edu de antes, não é o que eu quero ser. Fiquei durante muito tempo trancado no quarto hoje. E tive que lutar várias vezes contra o desejo de chorar. Ainda estou lutando. Não vou chorar. Esse homem gordo em que Edu se transformou não merece ser chorado por mim.

Então me vem o medo, a dúvida, a pergunta: será que eu também ficarei assim? Edu era revoltado, achava ridículas as reuniõezinhas familiares, falava em “burguesia decadente” que eu não sabia direito o que era, mas gostava porque fazia tio Pedro ficar furioso. Nas férias, quando ele vinha, lia livro em língua estrangeira — francês, acho. Um dia, some, mas permanece intacto na minha memória: lendo seu livro estrangeiro, repetindo suas palavras bonitas. Agora volta. E volta desse jeito, falando na mulher, nos filhos “geniais” falando em bois e marcas de cigarro com papai, discutindo futebol: igual a todos. Me pergunto o que poderá ter acontecido para modificá-lo assim. Forjo desculpas melodramáticas, lugares comuns — “a luta pela sobrevivência”, “o peso do cotidiano”, “a carga das responsabilidades”. Mas não me satisfazem. Nenhuma luta haverá jamais de me embrutecer, nenhum cotidiano será tão pesado a ponto de me esmagar, nenhuma carga me fará baixar a cabeça.

Quero ser diferente. Eu sou. E se não for, me farei. Não vejo sentido em viver uma vida dessas: uma mulher provavelmente chata como ele, dois filhos iguais a milhões de crianças pelo mundo afora — e todas vaticinadas: “Esta será um gênio.” Crianças que depois crescem, e enquanto crescem os pais vão limitando seus sonhos: “Não será um gênio, mas será milionário. Não será milionário, mas viverá com facilidade. Não viverá com facilidade, mas será um homem de bem.” Dificilmente chegam a admitir esta última frase, mas na maioria dos casos ela serviria: “Não será um homem de bem, será um medíocre.” E essa turba de genialidades frustradas gerará outros geniozinhos que passarão pelo mesmo processo, para darem origem a mais uma série de medíocres. E assim pela vida afora, que são isso as gerações.

Meus pais decerto me vêem do mesmo modo. Em que grau estarei? Já terei caído na sua escala de valores até o ponto de ser chamado de medíocre? Talvez, mas isso não me importa. Não deve me importar. Eu é que tenho que me fazer, eu é que devo saber se sou medíocre ou não. A opinião alheia não importa. Se por enquanto ainda me debato com isso, e às vezes ajo de maneira contrária a meu pensamento, um dia me libertarei de tudo isso. Mas não depende só de mim. Posso assumir atitudes na frente dos outros, tentar passar a impressão de “evoluído”, de “moderno sem preconceito”. Quando fico sozinho, e o meu rosto que me olha do fundo do espelho. Antes de ficar só, me livro de todos os outros rostos, fico apenas com o meu — um rosto indefinido, de traços ainda vagos, como aqueles fantoches que eu fazia com papier mâché, sentindo prazer em desenhar-lhes feições com a espátula, fazê-los homens ou mulheres, feios ou bonitos, corajosos ou covardes.

É tempo de me fazer, eu sei. E sei que é bom ser ainda indefinido. Pelo menos as deformações não calaram fundo, não se afirmaram em feições. É bom, sim, mas ao mesmo tempo é terrível. Porque me vem o medo de estar agindo errado, de estar gerando feições horríveis, que mais tarde não sairão com facilidade. Não, não é fácil ser a gente mesmo da cabeça aos pés, da unha do dedo mindinho até o último fio de cabelo. Por isso, não posso condenar Edu, não posso condenar meu pai nem minha mãe, nem qualquer outro pessoa. São apenas seres que ficaram no meio do caminho, que não tiveram força suficiente para ir até o fim. Não tiveram, quem sabe, consciência de que estava em suas mãos fazer a si próprios. E se deixaram esmagar pelo tempo, pelos outros, pela sociedade, como meu pai e minha mãe. Como Edu. Mas eu terei força, essa força e essa lucidez que faltaram a eles. Terei vontade. Consciência já tenho, e esse é o primeiro passo. Não sei quais serão os outros, mas saberei dá-los.

Parei um pouco, reli o que escrevi. Uma confusão. Não consigo expressar direito o que sinto, e sinto em forma de calor por dentro, irritação, mal-estar quase físico. Estou perturbado. Foi a chegada de Edu, de tia Clotilde e Maria Lúcia. Várias coisas me despertam esses sentimentos, essa vontade de lutar contra alguma coisa que ainda não veio, ou que talvez veio, veio já, mas eu não a sinto porque ela não e mostra. Seu método de luta subterrâneo, entrincheirado. Ah, alerta, preciso estar alerta para que não me aconteça o que aconteceu a Edu.

Maria Lúcia me surpreende. Não digo que seja uma surpresa agradável. É uma surpresa sem adjetivos, porque ela simplesmente não corresponde ao que eu havia imaginado. Fica calada o tempo todo, lendo, enrolando nos dedos as pontas dos cabelos, olhando pela janela. Quase não nos falamos, não sei como ela é. Fiquei arrependido de mentir que ia estudar latim para não precisar sair com ela. Pensei em pedir desculpas, mas desisti. Deve ser mesmo uma chata, não tenho porque me preocupar com ela.

E, no entanto, me preocupo. Com ela, com Edu, com tia Clotilde, me preocupo com todos, me vem uma vontade louca de “salvá-los”. Salvá-los de quê? Tirar-lhes essa personalidade que vestem, feito roupa, e dar-lhes o que em troca? Ah, essa vontade idiota de fazer os outros antes sequer de ter feito a mim próprio. Vontade que não leva a nada, não traz nada, a não ser, mais uma vez, a vontade lenta de chorar. Chorar porque tudo é errado, porque a pessoas não querem ver dentro de si mesmas, e eu não posso fazer nada por elas, e provavelmente nem por mim mesmo.

(Diário VIII - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Diários (VII).

Ontem eu estava tão deprimido que consegui escrever apenas meia página aqui. Mas acho que disse tudo que eu sentia, tudo que me fazia triste. Escrever mais não teria sido um consolo, porque sei que o motivo deste diário é unicamente solidão e, quando ela não mais existir, o diário também não mais existirá. Escrever, ontem, teria sido como se a solidão ficasse ainda mais clara. Cada linha que eu vencesse, cada página branca seria essa solidão gritada em todas as palavras escritas, fossem elas quais fossem: “Tu estás só, tu estás só. “Hoje não me sinto menos só, apenas menos triste. Por isso tenho vontade de escrever. Escrever muito.

Sexo. Preciso escrever sobre isso. É verdade que hesito, a própria palavra sugere coisas escondidas, vergonhosas, parece que o diário vai-se tornar ainda mais secreto. Sei que isso é uma grande bobagem, e me envergonho, e luto. Mas ainda tenho na memória tudo que ouvi na infância. Sexo era coisa suja, parece fazer somente à noite, de preferência pela madrugada, quando o silêncio é maior, e sempre debaixo das cobertas, no escuro. Não tive nenhuma orientação, nenhuma educação nesse sentido. O que aprendi foi através da boca não muito limpo dos colegas de aula, dos livros de anatomia folheados na biblioteca. Mesmo quando vi Laurinda e Zeca, não consegui compreender exatamente o que era aquilo. Parecia engraçado e, ao mesmo tempo, terrivelmente excitante. Agora, depois de tanto tempo, lendo e pensando sobre isso, fui desmistificando um pouco o negócio. Mesmo assim, a palavra ainda me deixa de ouvidos em pé — uma coisa independente de minha vontade. Acho que são sobras da infância, da educação (ou falta de) que recebi. Mas continuo sem saber como lidar com isso.

Marlene diz que sexo é urna coisa natural, e deve ser feito como se troca um beijo, e aperta a mão de alguém ou se dá um abraço. Duas pessoas gozando uma com o corpo da outra. Cada uma toma emprestado da outra aquilo que lhe falta para a satisfação, e por um instante se completam. Eu gostaria de pensar assim. No mínimo, é uma boa maneira de não sofrer por causa disso. Mas não consigo, não sei se pela minha formação, ou se por estreiteza de pensamento. Acho animalesco demais que uma pessoa sirva apenas de receptáculo ao esperma de outra. Talvez eu esteja me libertando do “mito do vergonhoso” para passar ao “mito do sublime”, pode ser. Mas acho que deveria haver outras coisas além do desejo nu e simples, o desejo apenas da carne de outra pessoa. Se não há nada afora isso, satisfeita a carne, vem o nojo. Tive duas experiências. Desastrosas. A primeira, fiquei completamente indiferente. Longe. Decepcionado. Provavelmente porque havia cercado aquilo de um enorme mistério. Na aula, ficava olhando com ar maravilhado para os colegas que “já sabiam o que era”. Eu os dividia em dois grupos — o do que “já sabiam” e o dos que “ainda não sabia”. Claro, eu fazia parte desses últimos. Queria sair do meio dele. Os outros pareciam muito seguros em tudo que diziam ou faziam. Fumavam, diziam coisas que eu não entendia bem, mas que admirava porque partiam deles, e na segunda-feira sempre chegavam ao colégio ainda mais inatingíveis, contando a experiência da “caçada” do fim de semana. Fiz amizade com um deles e, a partir de um sábado passei a integrar a turma dos sabidos. Às vezes, agora, penso que nem eles mesmos confessavam a si próprios a decepção que sentiam. A mulher era limpa, mas meio velha, mostrava a falha de um dente quando sorria e tinha um cachorrinho de pelúcia cor-de-rosa em cima da cama. Na hora de deitar, ela atirou num canto o cachorrinho, e foi isso que fiquei olhando. O jeito dele, atirado, as perna viradas para o ar, orelhas caídas. Eu tentei fechar os olhos e imaginar Anna Karina, mas não consegui. Foi uma coisa seca, ardida.

Na segunda vez, tive nojo. Quando abri os olhos, era um quartinho sórdido, um cheiro estranho, de esperma antigo, flutuando no ar, uma mulher que eu não conhecia falando com voz rouca e pedindo um cigarro que eu não tinha. Vomitei, depois. E ainda não houve uma terceira vez.

E quando houver— eu queria tanto conhecer alguém. Talvez o tempo traga uma pessoa, uma pessoa especial. Talvez eu resolva isso ao poucos, sem sentir, depois de resolver a mim mesmo. Talvez eu esteja demasiado perto da adolescência ainda — dentro dela, até — e seja difícil, por enquanto, me libertar de todas as idiotices que ouvi. Me masturbo, às vezes, mas sempre sinto culpa, depois. E imagino certas coisas que não me atrevo a escrever aqui. Faz frio hoje. O inverno está chegando. Estranho, o inverno sempre me deixa um pouco mais profundo. Me volto para dentro de mim mesmo, tenho a impressão exata de que me pareço com um dos plátanos da praça aí de baixo: hirto, seco, mas guardando alguma coisa por dentro. Quem sabe se essa tristeza que tenho, tão parecida com esse frio envergonhado de não ser frio — quem sabe, se não é apenas o derrubar das folhas? Os plátanos também as perdem, uma por uma, e o chão em volta fica todo dourado, até ficarem completamente nus. Depois, em setembro, as folhas começam a voltar. Mais novas, mais verdes. Gosto de plátanos, gosto de folhas. Gosto de tudo o que ameaça morrer e de repente se levanta, mais vivo ainda, surpreendendo a todos. Papai está na fazenda. Não é difícil imaginá-lo lá, é seu ambiente natural. Ele só fica ele mesmo quando está no meio do campo, ou dentro daquele casarão branco enorme. Gosta das salas quase vazias de móveis, da camas rústicas, da luz dos lampiões — daquele silêncio quase angustiante que o anoitecer traz, quando os bois começam a mugir e a voltar para perto da casa. Aqui ele se sente como se sentiria uma bota velha e gasta numa vitrine, ao lado de sapatos finos. Para estarem paz precisa ter ao redor dele coisas também um pouco velhas, um pouco gastas e usadas da fazenda. A fazenda é um sapateiro que periodicamente conserta a bota. E ela torna a voltar à vitrine, mais uma vez tenta adaptar-se, mas precisa sempre voltar ao sapateiro. Talvez esteja velha demais, inconcertável. Jamais fará parte da vitrine.

De repente senti vontade de fumar. Já fumei durante algum tempo, depois deixei. O que eu mais gostava não era do cigarro, era do gesto. Eu me sentia mais seguro, mais adulto, quando fumava. Não sei bem porque deixei. Agora o que me falta é novamente o gesto. Um gesto qualquer para encher este momento. Um gesto ou uma palavra. Posso cantar, mas não vai adiantar nada. A voz é minha e me irrita, as palavras são de canções que já conheço, e me aborrecem. E gesto — só o de abrir um livro e ler, ou o de fechar este caderno. Falta, falta alguma coisa que não sei o que é.

(Diário V - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

domingo, 23 de novembro de 2008

Magnólia.

Sem o pálido corpo que me prende ao vento
Eu ando louco no limite do tempo
Eu sei que o mundo não comporta mais deuses
E sei que o amor não me suporta mais vezes
Mas eu assumo o que suas preces pedem
E eu consumo o que seus lábios cedem

Que sirva de exemplo o primeiro fracasso
e sirva de exemplo o meu olho inchado
e sirva pra te elevar o ânimo enfim

Eu prefiro correr sob céu aberto
Em campo aberto sob a chuva de sapos
Prefiro morrer sob o sol do cerrado
A ter que dizer o que eu tinha pensado
Sobre os murros que seus olhos pedem
e sobre as rugas que você me tece

Que sirva de exemplo o primeiro fracasso
e sirva de exemplo o meu corpo malhado
e sirva pra te elevar o ânimo enfim

(Glória, Violins)

Uma Análise.

belzonte diz (11:33):
moço
belzonte diz (11:33):
honestamente
belzonte diz (11:33):
sexo faz falta.
belzonte diz (11:33):
então...
belzonte diz (11:33):
você pode ser mais feliz se achar alguém bacana mais perto
belzonte diz (11:33):
o que eu acho que você sente por pessoas de longe é tipo
belzonte diz (11:34):
uma distancia segura

Ciorando.

Detestar alguém é querer que ele seja qualquer um, menos o que é. T. escreve-me que sou o homem que mais ele ama no mundo... mas ao mesmo tempo adjura-me ao abandono das minhas obsessões, a mudar de rota, tornar-me outro, de romper com a pessoa que sou. O mesmo é dizer que ele recusa meu ser.

(Emil Cioran)

Diários (VI).

Não sei como me defender dessa ternura que cresce escondido e, de repente, salta para fora de mim, querendo atingir todo mundo. Tão inesperada quanto a vontade de ferir, e com o mesmo ímpeto, a mesma densidade. Mas é mais frustrante. Sempre encontro a quem magoar com uma palavra ou um gesto. Mas nunca alguém que eu possa acariciar os cabelos, apertar a mão ou deitar a cabeça no ombro. Sempre o mesmo círculo vicioso: da solidão nasce a ternura, da ternura frustrada a agressão, e da agressividade torna a surgir a solidão. Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim.

(Diário IV - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

sábado, 22 de novembro de 2008

Diários (V).

Hoje voltei devagar para casa, com Marlene. Era meio-dia, estava quase frio. Nunca vi um outono tão outono como este. Passamos por uma praça que eu gosto muito. Está bonita, cheia de folhas amareladas caída no chão. Sempre me desvio delas, fico com pena de pisá-las. Disse isso à Marlene. Ela me olhou surpresa e disse: Mas elas já estão mortas, compreende?”.

Marlene é minha única amiga. Mesmo assim, não é ainda aquilo que eu buscava. Ela também parece perdida. Tenho a impressão de que se busca tão freneticamente quanto eu. Não pode ajudar-me. Seria como dois náufragos prestes a afundar quererem dar a mão um ao outro. Acabariam afundando juntos. Além disso, tem seus amigos, tem sua pintura, tem já seu jeito de viver. Eu, nem isso.

Desviei-me do caminho, fomos até o apartamento dela. Está quase vazio de móveis e, fora os quadros nas paredes, no chão, por toda parte, pouca coisa resta. Mesmo assim, é um lugar só dela, e eu a invejo. Mostrou-me o que está pintando atualmente: um rosto muito vago, cheio de sombras acinzentadas por trás, onde se destaca, mais nítido, um cavalo branco. Me senti estranhamente preso ao quadro, mas na hora não compreendi porque. Mais tarde lembrei — em nossa casa antiga, no interior, havia na sala o retrato de um parente morto, que me causava a mesma impressão estranha. Havia também um outro quadro, este no quarto de Edu. Três quadros, estranho. Mas não é rara essa sensação de já ter visto uma coisa da qual estou na frente pela primeira vez. Isso acontece com pessoas, ruas, filmes, livros, paisagens, até mesmo certas palavras parecem já terem sido ditas antes, numa outra dimensão, numa outra camada, num outro tempo. Eu me interrompo e pergunto: “Quando? Onde? Em que lugar? Em que tempo?” A resposta nunca vem, e eu fico pensando se não será uma espécie de aviso, de revelação. Depois acho graça, esqueço. Mas há certos momentos brancos, quando caio dentro de mim mesmo e tudo e torna brilhante, claro demais, e por isso mesmo ofusca e eu não posso ver o que há ao redor.

Hoje aconteceu uma coisa engraçada, que atestou mais uma vez a minha incoerência comigo mesmo. Vivo imaginando que de repente vão aparecer fadas ou gênios na minha frente para perguntar o que eu desejo. Hoje pensei sério: se me perguntassem o que mais desejo na vida, não saberia responder. Quero tudo. Mas esse “tudo” é tão grande, tão vago, que me sinto estonteado. É preciso ir limitando meu sonho, apagando a linha supérflua, corrigindo as arestas, até restar somente o centro, o âmago, a essência. Mas qual será esse centro, meu Deus, que não encontro?

Sinto-me terrivelmente vazio. Há pouco estive chorando, sem saber exatamente por quê. À vezes odeio esta vida, estas paredes, essas caminhadas de casa para a aula, da aula para casa, esses diálogos vazios, odeio até este diário, que não existiria se eu não me sentisse tão só. O que eu queria mesmo era um ombro amigo onde pudesse encostar a cabeça, uma mão passando na minha testa, uma outra mão perdida dentro da minha. O que eu queria era alguém que me recolhesse como um menino desorientado numa noite de tempestade, me colocasse numa cama quente e fofa, me desse um chá de laranjeira e me contasse uma história. Uma história longa sobre um menino só e triste que achou, uma vez, durante uma noite de tempestade, alguém que cuidasse dele.

Mas gosto, gosto das pessoas. Não sei me comunicar com elas, mas gosto de vê-las, de estar a seu lado, saber suas tristezas, suas esperas, suas vidas. Às vezes também me dá uma bruta raiva delas, de sua tristeza, sua mesquinhez. Depois penso que não tenho o direito de julgar ninguém, que cada um pode — e deve — ser o que é, ninguém tem nada com isso. Em seguida, minha outra parte sussurra em meus ouvidos que aí, justamente aí, está o grande mal das pessoas: o fato de serem como são e ninguém poder fazer nada. Só elas poderiam fazer alguma coisa por si próprias, mas não fazem porque não se vêem, não sabem como são. Ou, se sabem, fecham os olhos e continuam fingindo, a vida inteira fingindo que não sabem.

Eu gostaria de ir embora para uma cidade qualquer, bem longe daqui, onde ninguém me conhecesse, onde não me tratassem com consideração apenas por eu ser “o filho de fulano” ou “o neto de beltrano”. Onde eu pudesse experimentar por mim mesmo as minhas asas para descobrir, enfim, se elas são realmente fortes como imagino. E se não forem, mesmo que quebrassem ao primeiro vôo, mesmo que após um certo tempo eu voltasse derrotado, ferido, humilhado — mesmo assim restaria o consolo de ter descoberto que valho o que sou. É muito confortável bancar o infeliz e angustiado quando se vive num bom apartamento, quando se tem um copo de leite quente toda noite antes de dormir, uma mesada no fim do mês e uma mãe que basta estalar os dedos para dobrar-se a meus pés como uma escrava oriental. Ter demais é o meu mal. Se tivesse que batucar numa máquina de escrever todos os dias num escritório cheio de gente preocupada demais consigo mesma para dar atenção aos meus problemas, e tivesse que andar em ônibus superlotados, usar roupas velhas e sapatos furados, então poderia saber se existe ou não essa força que em vão tento encontrar em meu corpo.

Tem sido tudo muito fácil para mim, fácil demais. Às vezes desejo ardentemente que aconteça urna desgraça, uma catástrofe que me jogue ao nível do chão, para me obrigar a despir as máscaras, o falsos gestos, as falsas palavras. Uma coisa que me torne ínfimo, ainda mais confuso e só do que sou, que me deixe a sós comigo mesmo, nu, na frente de um espelho, a investigar a minha verdadeira condição. Então eu saberia, pela primeira vez eu poderia saber. Então viria a solução final, definitiva. Levantar-me aos poucos, como um pó-de-vento, lentamente crescendo, incorporando outros seres a mim, e girando, girando sempre, tornar-me tormenta, furacão, vendaval, terremoto, cataclismo. Ou me dissolveria em poeira à primeira brisa que soprasse — quem sabe?

Fico pensando se viver não será sinônimo de perguntar. A gente se debate, busca, segura o fato com duas mãos sedentas e pensa: “Achei! Achei!”, mas ele escorrega, e espatifa em mil pedaços, como um vaso de barro coberto apenas por uma leve camada de louça. A gente fica só, outra vez, e tem que começar do nada, correndo loucamente em busca dos outros vasos que vê. Cada um que surge parece o último. Mas todos são de barro, quebram-se antes que possamos reformular as perguntas. E começamos de novo, mais uma vez, dia após dia, ano após ano. Um dia a gente chega na frente do espelho e descobre: “Envelheci”. Então a busca termina. As perguntas calam no fundo da garganta, e vem a morte. Que talvez seja a grande resposta. A única.

Parei um pouco de escrever, reli as páginas anteriores até a frase acima. Às vezes, relendo coisas que eu mesmo escrevo, tenho a impressão de que nasceram de um outro Maurício. Um Maurício muito velho, desiludido, amargo. Levanto, vou até o espelho, investigo meu rosto. Ele não tem rugas, nem sulcos, nem mesmo a sombra de uma tristeza ou dor muito fundas. É um rosto de animal jovem, um rosto de dezenove anos, que ainda não viu nada, não sentiu nada e, principalmente, que não sabe nada. Mas por trás dele, sinto o outro. O outro que um dia vira a tona, talvez sem sequer anunciar a própria chegada. Nesse dia, levantarei bem cedo e, olhando meus traços refletidos nesse mesmo vidro, descobrirei uma luz nova no fundo dos olhos amassados pelo sono. Haverá como uma aura brilhante em torno dos cabelos despenteados. Na face que de alguma forma não será mais a minha, e será definitivamente a minha. “Chegou” pensarei. E tudo será diferente. Ou não?

Mas enquanto ele não chega, vou pingar um ponto final, fechar o caderno, a porta do quarto, chamar o elevador, descer e ficar caminhando horas pelas ruas, ou então me enfiar dentro de um cinema, sem sequer olhar os cartazes ou o nome do filme. Quero ver outras pessoas, outros corpos, outras caras, mesmo que sejam inexpressivos, desconhecidos. Eu também serei inexpressivo e desconhecido para elas, e nesse desconhecimento e nessa inexpressividade mergulharemos todos juntos num filme qualquer, de mãos dadas no escuro, como um bando de meninos dançando a cirandinha.

(Diário III - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Ônibus.

- Eu não estava preparada para ouvir isso que você me falou.

Diários (IV).

Deus. Eu acho que o problema maior em relação a Deus não é o crer ou descrer — é sentir ou não sentir. Não há uma crença sem o sentimento profundo, enraizado, de que ele existe e está em nós. Ou se há, é uma crença completamente falsa, como quase todas que conheço. E eu não sei se creio ou não porque ainda não senti.

Ontem isso quase aconteceu. Foi na hora que a chuva parou, à tardinha. De repente parei de ler o livro que tinha nas mãos e senti vontade de me aproximar da janela. Vi então as árvores da praça, ainda pesadas de gotas d’água, vi o asfalto que parecia novo, o céu lavado, algumas pessoas ainda com guarda-chuva, um arco-íris lá no fundo, atrás dos morros. O sol estava se pondo também, e embora eu não pudesse vê-lo, enxergava os caminhos coloridos que seus raios pintavam nas paredes dos edifícios. E — de repente — senti. Estava tudo muito bonito, e muitas vezes eu choro quando tudo está assim, bonito. Mas não foi isso.

Comecei a olhar as coisas desde os detalhes da janela até lá onde estava o arco-íris. Olhei o vidro quebrado, o carros estacionados lá embaixo, o asfalto, as pessoas, as árvores, a praça — meu olhar subindo cada vez mais. À medida que subia, eu ia esquecendo de meu corpo, esquecendo de mim. Quando olhei o arco-íris, me desprendi quase totalmente. Não adianta, não, sei explicar. As palavras traem o que a gente sente. Mas sei que, por um instante, quase senti. Como se eu soubesse que havia uma pessoa atrás de mim, mas fingisse não ver, embora conservasse o corpo tenso, à espera de que me tocasse o ombro. Tive uma consciência muito grande de meu corpo e, ao mesmo tempo, um esquecimento total. Fechei os olhos, cruzei os braços apertando a mão contra a camisa, pensando com força: “É agora, é agora, é agora.” Como um conhecimento que vinha e, quando eu abria as mãos para segurá-lo, escapava. Eu precisava me concentrar de novo, pensar muito fundo, em nada, quase sem respirar, para que ele e aproximasse de novo. Aos poucos fui-me desligando do que havia em volta, fixado somente naquela espécie de onda que crescia, crescia dentro de mim, mas nunca quebrava. Em certo momento, senti que tudo tinha se tornado mais intenso. Subiu uma espécie de arrepio pelas pernas, um calor como se alguém pousasse a mão sobre a minha cabeça. Foi então que me entreguei. Alguma coisa ia ser definida, uma coisa que eu nunca vira antes e não sabia exatamente o que era. Quando ela quis desenrolar-se para atingir não sei se meu cérebro ou meu coração, veio um barulho de bonde gritando nos trilhos lá embaixo.

Abri os olhos. E percebi que tinha ficado muito tempo ali, pois tinha escurecido. Fechei os olhos de novo, tornei a cruzar o braços, esperei, repeti baixinho: “É agora, é agora...” Mas nada mais aconteceu. Depois fiquei pensando: por que, afinal, relacionar isso com Deus? Poderia ser simplesmente uma emoção estética, qualquer coisa assim. Não sei explicar por que escrevo isso, mas sei que não era. Não foi, também, um sentimento passageiro. Tanto não foi que estou ate agora envolvido nele. Parece que me deu mais profundidade, um pouco mais de fé, de certeza, como se eu tivesse vivido uma vida inteira naqueles minutos e soubesse, então, que existe algo por trás.

Não sei dizer se tenho necessidade de Deus. Acho que sim, senão não existiriam estas indagações, estas dúvidas, senão não haveria esta página neste caderno. Já passei pela fase do automatismo, quando Deus se resumia a umas rezas apressadas antes de dormi, ou a uma lembrança mais ardente em véspera de prova difícil. Já passei também pelo ateísmo, embora fosse só de fachada. “Deus está morto”— eu repetia, citando frases de livros que não lera. Mamãe e papai se escandalizavam, eu me achava o máximo da intelectualização. Depois fui vendo que não podia resolver o problema assim da mão para o pé; que eu, Maurício, pouco mais que uma criança, não era ninguém para tentar resolvê-lo. Achei que seria melhor esquecer. Foi o que tentei fazer. O que estou tentando. Mas de vez em quando acontecem essas ameaças de revelações, e as dúvidas voltam.

De qualquer maneira, acho que se não existe Deus — ou qualquer outra força cósmica a que se possa dar esse nome — tudo é um grande caos. Uma grande merda, para ser bem claro. Todas essas filosofagens e angústias, essa procura de uma definição, de um caminho — tudo isso seria tão ridículo sem Deus. E são tudo hipóteses. Ninguém pode saber nada sobre Deus antes de morrer. Ou talvez possa — quem sabe? Os santos os iluminados? Talvez existam mesmo “os escolhidos”.

Mas este é um problema que não vou resolver em três ou quatro páginas de caderno, embora goste de pensar sobre ele. Inútil, portanto forçar o cérebro. E além do mais, fico muito etéreo quando escrevo sobre isso. Subo a tais alturas que depois é quase impossível descer. E eu quero descer para falar sobre algo bem concreto: a minha solidão.

Acho que o fato de ser só é inevitável, independe de fatos externos. Há pessoas que nascem para serem sós a vida inteira. Eu, por exemplo. Acho que mesmo que um dia case e tenha uns dez filhos (coisa que não me atrai nem um pouco, diga-se de passagem), ou mesmo que consiga encontrar a amizade que sonho — e de cuja existência a cada dia mais e mais duvido — acho que mesmo que aconteçam essas coisas, continuarei só. Claro que há a minha própria companhia, este diário, o livro que leio, as drogas que escrevo de vez em quando — mas tudo como que circunscrito a um círculo completamente fechado. Freqüentemente me assusto, pensando que a vida vai acabar sem que eu encontre um grande amor ou uma grande amizade, ou mesmo uma grande vocação que justifique esse isolamento. Mas nada posso fazer, estas coisas acontecem sem que a gente a procure. O melhor a fazer é deixar “lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar”, como disse o poeta. E mesmo assim, talvez eu continue a fazer as refeições sozinho durante toda a vida.

Muitas vezes tentei dizer essas coisas às pessoas. É tão difícil. Se elas são adultas, o que fazem é sorrir meio de lado, como quem diz: “Mas isso faz parte do jogo.” E se são da minha idade, me olham com um olhar onde se reflete o meu próprio desamparo, dizendo palavras que a minha voz também poderia pronunciar. É assim com Marlene. Foi assim com Bruno. Só agora eu sinto que a minhas asas eram maiores que as dele, e que ele se contentava com ares baixos: eu queria grandes espaços, amplitudes azuis onde meus olhos pudessem se perder e meu corpo pudesse se espojar sem medo nenhum. Queria e quero — ainda. Voar junto com alguém, não sozinho. Mas todos me parecem tão fracos, tão assustados e incapazes de ir muito longe. Talvez eu me engane, e minhas asas sejam bem mais frágeis que meu ímpeto. Mas se forem como imagino, talvez esteja fadado à solidão.

Quando escrevo poesia, é sobre isso que escrevo: o medo da solidão como sina. E vivo a lavrar o campo, a limpar a casa, a colocar as coisas nos seus lugares certos; só que o que eu espero é a Desejada, não a Indesejada. Eu espero a Vida, não a Morte. Não sei se ela virá. E não sei se apenas por estar dentro dela, isso significa que ela esteja em nós, em mim.

Estou me repetindo, dizendo mil vezes a mesma coisa. No fundo, há só uma verdade: me sinto só. Talvez seja essa a causa dos meus males. Ou será o desconhecimento do que sou, como escrevi ontem? O que sei é que a coisas que preocupam podem ser resumidas em poucas palavras: Deus, solidão. E no fundo, o que existe sou eu. Como um grande ponto de interrogação sem resposta. Bruno. Às vezes me lembro dele. Sem rancor, sem saudade, sem tristeza. Sem nenhum sentimento especial a não ser a certeza de que, afinal, o tempo passou. Nunca mais o vi, depois que foi embora. Nunca nos escrevemos. Não havia mesmo o que dizer. Ou havia? Ah, como não sei responder as minhas próprias perguntas! É possível que, no fundo, sempre restem algumas coisas para serem ditas. É possível também que o afastamento total só aconteça quando não mais restam essas coisas e a gente continua a buscar, a investigar — e principalmente a fingir. Fingir que encontra. Acho que, se tornasse a vê-lo, custaria a reconhecê-lo.

Mamãe está nos últimos meses de gravidez, talvez no último. Nem sei bem, porque não falo com eles, evito ao máximo olhar para ela. Tia Clotilde está por chegar do Rio, com Maria Lúcia. Mamãe queria que tia Violeta e tia Mariazinha viessem do interior, mas elas praticamente se enterraram vivas depois que o tio Pedro morreu. São nossos únicos parentes vivos, além de Edu. Mas Edu é como se estivesse morto, também. Depois que se formou, foi embora e nunca mais apareceu por aqui. Tia Clotilde é que de vez em quando sabe dele e escreve à mamãe, contando. Sabemos que casou e está, como eles dizem, “muito bem de vida”. Talvez seja o único de nossos parentes que não me deprime e a quem eu gostaria mesmo de rever. Mas faz uns bons dez anos que não no encontramos. Admiro a coragem que ele teve de romper com tudo e ir viver a sua vida.

Ridículo em mamãe esse desejo de se ver rodeada de parentes na hora de parir a criança. Ridículo esse vago sorriso de garanhão orgulhoso que parece colado à boca de papai. E ridículo em mim estar escrevendo essas coisas. Confesso que estou um pouco curioso para rever Maria Lúcia. Era uma guriazinha implicante, manhosa, cheia de dengues, terrivelmente chata. Pode ser que tenha melhorado, embora eu não acredite muito nisso. Ainda mais agora, que está na idade das frescurinhas, bailes, namorados, primeiras pinturas no rosto. Ela era uns dois ou três anos mais moça que eu, deve estar com uns quinze, dezesseis. Eu gostaria de ignorá-la, se for besta mesmo como penso. Gostaria de fazê-la sentir (e não só ela, mais todo mundo) que não preciso de ninguém. Mas não adianta: um dos meu males é ter medo de magoar as pessoas.

Não precisar de ninguém... E há pouco me queixava de solidão. Eu não me entendo mesmo.

Cansei de ficar escrevendo. Tem um sol muito bonito lá fora. Queria aproveitá-lo junto com alguém. Como esse alguém não existe, vou ter que aproveitar sozinho. Vou até a minha praça, na beira do rio. Ver o pôr-do-sol e, por um segundo, sentir uma alegria enorme. Depois, uma espécie de medo sem pergunta e a tristeza crescendo fazendo nascer a vontade de morrer. Ou de viver ainda mais, com muito mais intensidade.

(Diário II - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Diários (III).

Há pouco fiquei me olhando durante muito tempo no espelho. Tenho a impressão de que meus traços mudam todo dia. Ou não são bem os traços que mudam, porque o olho, o nariz, a boca continuam o mesmo. É uma coisa que está em todos os traços ao mesmo tempo, e ao mesmo tempo em nenhum. Ontem eu estava com raiva, olhei meu rosto e achei que ele tinha uma expressão meio diabólica. Me senti mal só de olhar. Outro dia, estava com uma bruta vontade de abraçar todo mundo, até as pessoas que eu não conhecia. Minha cara estava mansa, quase bonita.

Hoje estou com uma moleza por dentro, uma coisa que não sei bem explicar como é, parece um imenso tapete de algodão embranquecendo tudo. Papai me provocou à hora do almoço, como sempre, mas não reagi. Baixei a cabeça, continuei comendo sem dizer nada. Aí ele parou com a agressão, começou a ser muito gentil e tudo. Então me deu muita raiva. Porque não pode me tratar bem sempre? Será preciso que eu baixe constantemente os olhos para que ele não me magoe? Se for assim, vai me magoar a vida inteira, porque não quero — nunca — baixar os olhos para ninguém.

Está chovendo. Pela janela posso ver, lá embaixo, as pessoas correndo, de capas e guarda-chuvas. As árvores do parque estão todas molhadas, mais verdes. Engraçado, não gosto do meu quarto — das paredes, do móveis —, mas gosto demais das coisas que posso ver pela janela. Das coisas que estão fora dele, porque o que está aqui dentro eu acho muito parecido comigo. E eu não gosto de mim. Ou gosto? Não sei. Talvez pareça não gostar justamente porque gosto muito, então exijo demais de meu corpo, e as coisas erradas que ele faz — são tantas! — me fazem detestá-lo. A gente sempre exige mais das pessoas e das coisas que quer bem, as que queremos mal ou simplesmente não queremos nos são indiferentes.

A chuva serviu de pretexto para não ir à aula. De qualquer maneira, mesmo que não estivesse chovendo, eu não iria. Só que teria que mentir. Pegar os livros, ficar caminhando durante horas pela beira do rio, pela minha praça ou pelas ruas do centro. Tenho faltado muito. E papai e mamãe vão descobrir de qualquer jeito. Mas não me importa. Quero, um dia, não me importar com elas, nem com o que possam pensar ou dizer, nem com qualquer outra pessoa. Ah, como eu queria ser eu mesmo, por um dia, uma hora que fosse. Mas como é difícil, meu Deus, como é difícil.

Invejo a coragem de Marlene, que abandonou os pais e foi viver sozinha num apartamento. Não consigo me imaginar morando longe deles, numa mesma cidade. Eles tomaram conta de mim, dos meus pensamentos, tenho a impressão de que são mais do que eu mesmo. Seria necessário um esforço muito grande para me libertar deles. Seria como arrancar um braço, uma perna. Porque a coisas e a pessoas que fazem parte da minha vida vão aos poucos entrando em mim, depois de algum tempo já não sei dizer o que é meu e o que é delas. Mesmo assim, bem no fundo, há coisas que são só minhas. E embora me assustem às vezes, é delas que mais gosto. Como essa vontade de acabar com tudo, que me dá de vez em quando.

Ontem, caminhando pela beira do rio, eu pensei que, se desse dois passos e um impulso no corpo, em breve tudo estaria terminado. Olhei para a rua também, e aquelas automóveis que passavam zunindo ofereciam uma morte fácil e rápida. Aqui no meu quarto também existem coisas que podem matar — a lâmina no aparelho de barbear, a própria janela de que gosto tanto. No quarto de meus pais há o revólver na gaveta, o vidro de comprimidos para dormir. Na cozinha, gás. No banheiro, aqueles vidros escuros de veneno. É fácil morrer. A toda hora, em todos os lugares, a morte está se oferecendo. Mais difícil é continuar vivendo. Eu continuo. Não sei se gosto, mas tenho uma curiosidade imensa pelo que vai me acontecer, pelas pessoas que vou conhecer, por tudo que vou dizer e fazer e ainda não sei o que será. Ontem, foi com dificuldade que consegui sair de perto do rio. Hoje parece impossível que eu tenha pensado aquilo.

Eu não me conheço. E tenho medo de me conhecer. Tenho medo de me esforçar para ver o que há dentro de mim e acabar surpreendendo uma porção de coisas feias, sujas. O que aconteceria, então? O orgulho de ter conseguido chegar perto de meu coração? Ou uma grande humildade, uma humildade de cão faminto, rabo entre as pernas, costelas aparecendo? Não sei, não sei — minha cabeça quase estala quando faço perguntas, meu pensamento escorrega, se desvia, foge para longe, como se ele também tivesse medo da resposta. E talvez nem seja preciso coragem. Talvez seja necessário apenas um breve impulso, como aquele que me fazia mergulhar de repente na água gelada do açude da fazenda. E eu nem era corajoso por fazer isso, apenas tinha as esquecido por um instante de mim, do meu corpo.

A fazenda. Muitas vezes me dá uma grande saudade daquilo, daquele tempo, de Edu, que só nas férias vinha da faculdade de direito, de vovó com seus álbuns de fotografias, tia Violeta com o seus moranguinhos, Luciana com suas histórias. Principalmente, saudade daquilo que fui e, sei, não sou mais e nunca mais voltarei a ser. Mais logo afasto essas coisas da cabeça. Só trazem tristeza, reavivam coisas que eu não queria mais sentir. Essas lembranças passam pela cabeça sem se deter. São humildes, parecem esperar um aceno para caírem sobre mim. Quase nunca faço esse aceno; ela desaparecem, deixando um gosto e um cheiro muito leves de poeira, armário aberto depois de muito tempo, lençol limpo, café preto com broa de milho. Gosto de tempo, elas deixam.

Tempo. O tempo que faz que estou aqui, escrevendo. Não importa, eu gosto. Até essa dor nas costas que está começando é gostosa, diferente da que me da quando sento para estudar. Mamãe há pouco bateu na porta, depois abriu e perguntou se eu estava bem. Achei engraçado. “Eu nunca estou bem” tive vontade de responder. Ou então: “O que é estar bem?” Preferi dizer que sim: "Sim, mamãe, estou bem." Ela se foi. Não consigo olhar de frente para ela. Aquela barriga enorme me faz baixar os olhos. Não posso aceitar a idéia de que ela vai ter um filho. Sei que é ridículo pensar assim, mas isso me parece — não sei — obsceno, indecente. E não é ciúme da criança que vai nascer. Bom, é melhor parar de escrever essas coisas. Vou riscá-las. Me sinto mal só de pensar nelas.

(Diário I - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Diários (II).

Hoje, sem motivo, lembrei de Edu. Do tempo em que eu era criança e só o via durante as férias. Como ele era superior aos outros, como era mais puro. Tenho a impressão que Edu poderia me ajudar — e muito — se morasse aqui. Mas não mora, eu tenho de me arranjar sozinho.

Fui ao cinema à tarde. Entrei sem olhar os cartazes, sem saber o nome do filme. Era um western, um bangue-bangue horrível. Detesto. Acho tão idiota aquele bando de homens a correr o tempo todo, trocando tiro, num tempo que já não existe mais, num outro país, sem nada a ver com a nossa realidade. Mas o pior não foi isso: encontrei um colega de aula e fui obrigado a suportá-lo durante duas horas. Uma dupla tortura, não sei qual a pior. Roberto, chama-se ele.

Odeio pessoas ignorantes. Me sinto mau por não conseguir gostar de todo mundo, mas é o que sinto. Os ignorantes, os vaidosos, os usurários, os pedantes. Detesto tudo que é afetado, detesto quem não se busca. Quem se acostuma a viver, da mesma maneira como se acostuma a dormir ou comer. Viver fica uma coisa automática, pouco importante boa ou má, vazia ou não. Basta viver, como uma obrigação da qual não se pode fugir.

Por isso admiro os suicidas. São pessoas que conseguiram descobrir alguma coisa de si mesmas, apenas não tiveram coragem de enfrentar essa descoberta. E, como se ela lhes desse vertigens, deixaram-se despencar no abismo. Mas são mais dignos do que esses que simplesmente se amoldam, em exigências, em perspectivas, mas também em queixa. Lógico, se não pedem nada, queixas de quê? Roberto me deixou pensando que não é possível amar toda as pessoas, se pensarmos em cada uma delas como uma individualidade. Pode-se amar as massas, a grandes massas humanas sem feições, nem formas, nem cheiros — sem as palavras vazias de quem sequer tem a consciência de ser uma pessoa.

Fico me debatendo entre essa idéia e a de que todas as pessoas são iguais, sem conseguir me decidir por nenhuma delas. Pois se cada pessoa faz a si mesma, se é ela quem escolhe entre ser um rebelde ou um medíocre, entre ser culto e um ignorante a vida inteira — se é assim, então não vejo possibilidade de “amar” todos. Cada um é plenamente responsável por aquilo que é? Mas sei, há os problemas sociais, existem oportunidades diferentes para quem nasce numa favela e para quem nasce numa família burguesa. Fiquei com certo sentimento de culpa por ter tratado mal o Roberto. Fui frio com ele, respondi por monossílabos ao que me perguntou. E só mesmo por ser tão idiota não percebeu que eu estava fazendo tudo para que me deixasse em paz.

Sei que tudo isso é tremendamente confuso, incoerente. São sentimentos que absolutamente não combinam entre si, é preciso optar por uma ou outra forma de pensar. Não sei, dependendo do momento e da pessoa, penso de uma maneira diferente. Tenho vontade de viver só, ser auto-suficiente, dispensar o auxílio de qualquer pessoa — e também vontade de conhecer todo mundo, ajudar, ser ajudado. Dividir.

Não há uma verdade única. Há uma verdade por dia, ou pior ainda, mais complicado: uma verdade por hora, a vezes até mil verdades num minuto. Quando a gente hesita em fazer e não fazer determinada coisa, esse debate no meio de conceitos encravados no cérebro, no meio de idéias próprias e alheias, recusa-se aceitações — labirintos de verdades que não mostram as faces mesmo depois do ato feito.

Não sei se será possível a gente escolher as próprias verdades, elas mudam tanto. Não só por isso, nossas verdades quase nunca são iguais às dos outros, e é isso que gera o que chamamos de solidão, desencontro, incomunicabilidade. Talvez a maneira como me debato seja natural, e até positiva. É possível que eu parta daí para um conhecimento maior de mim mesmo. Então estarei livre. Acho que meu mal sou eu mesmo, esses círculos concêntricos envolvendo o centro do que devo ser. Mas só poderei me aproximar dos outros depois que começar a desvendar a mim mesmo. Antes de estender os braços, preciso saber o que há dentro desses braços, porque não quero dar somente o vazio. Também não quero me buscar nos outros, me amoldar ao que eles pensam, e no fim não saber distinguir o pensar deles do meu.

Criar alguma coisa, como eu queria. Novos mundos, outras vidas. Não para fugir dos meus, mas para projetá-los em outros, para enriquecê-los e descobri-los. Mas quando sento em frente ao papel em branco o que aparece na palavras é só eu, eu e mais nada. E o papel em branco parece uma boca escancarada, mostrando os dentes, rindo da minha pretensão. Ao mesmo tempo alguma coisa em mim não consegue desistir, mesmo depois de todos os fracassos. E tento, tento. Falta gosto de carne, cheiro de suor nos personagens que invento. Não desisto. Um dia, um dia, quem sabe? Pode ser que esteja no escrever a resposta de tudo o que persigo.

Acreditar, só preciso acreditar um pouco mais em mim.

(Diário VII - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

Música por música.

Surprise, sometimes, will come around
Surprise, sometimes, will come around
I will surprise you sometime.
I'll come around
Oh, I will surprise you sometime.
I'll come around when you're down...


(Untitled, Interpol)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Diários (I).

Minha lâmpada de cabeceira está estragada. Não sei o que é, não entendo dessas coisas. Ela acende e, sem a gente esperar, apaga. Depois acende de novo, para em seguida tornar a apagar. Me sinto igual a ela: também só acendo de vez em quando, sem ninguém esperar, sem motivo aparente. Para a lâmpada pode-se chamar um eletricista. Ele dará um jeito, mexerá nos fios e em breve ela voltará a ser normal, previsível. Mas e eu? Quem desvendará meu interior para consertar meu defeitos?

Puxa, se já acordo de manhã com essas interrogações, imagine o que estarei penando logo à noite... Engraçado, vou-me adensando à medida que o dia avança. Quando chega a hora de dormir estou um poço de profundidade, sinto-me capaz de resolver qualquer problema... Acontece que é hora de dormir, e eu não vou escapar às facilidades da cama para resolver problemas. Nunca escapo das facilidades, aliás, sejam elas quais forem.

Fico imaginando o meu futuro. Não consigo me ver de bigode na cara, barrigudo, uma mulher ao lado mais meia dúzia de filhos. Mas também não consigo me ver de outra maneira. Enfim, não consigo me ver de nenhuma maneira, seja ela qual for. Nem minha cara, nem meu corpo, nem minha vida. Talvez eu não tenha futuro, o que afinal não é tão desesperador assim. Pode ser até um consolo.

Acordei muito cedo hoje. Ainda não lavei o rosto, estou escrevendo de pijama mesmo. Tenho a impressão de que este diário é como um espelho. Ele me reflete todas as vezes que o tomo para escrever. A diferença é que o espelho não me guarda: basta sair da frente dele para que minha imagem se apague. O diário, não, o diário é fiel. Ele me guarda mesmo quando não estou escrevendo: basta abri-lo para que ele me mostre a mim mesmo.

Mamãe passou mal ontem à noite. Eu estava com insônia e lia, quando ouvi seus gemidos. Meu pai levantou-se, deve ter acendido a luz, caminhava, abria gavetas, foi até o banheiro. Depois ouvi que mamãe vomitava. Continuei deitado, lendo ou só olhando as letras porque elas se embaralhavam sem formar sentido. O meu dever seria levantar e ao menos perguntar o que estava acontecendo. “O meu dever”... merda para ele, que não tenho dever nenhum. Ah, se eu pudesse ao menos saber se o que faço é certo, ou e ao menos faço, seja lá o que for, com convicção, mesmo não sendo correto. Certo... dever... — só palavras, rótulos, ordens preestabelecidas, grudadas como cartazes em todas as paredes, para que todo mundo veja. Quem não as segue é apontado e criticado por todos. Nojo, nojo é o que tenho disso, e de todos, e de mim principalmente.

Mas não posso perdoá-los, nem agir de outra maneira. Perdoar de quê? Porque não há nada de que perdoá-los realmente. Eles não fizeram nada. Não, fizeram isto: me criaram com tudo na mãos, um inútil, são os culpados dessa confusão em que estou, dessa vontade só de dormir, dormir muito, para nunca mais acordar. E agir de outra maneira... meu Deus... seria tão fácil. Pensando bem, simplesmente não ajo. Não faço nada. Vez que outra, assisto uma aula ou duas, volto para casa, desvio o olhos da barriga de mamãe, escrevo essa idiotice aqui, caminho à toa, penso em coisas que não têm solução. Essa é a minha “maneira de agir”.

Só tenho passado, o presente é esta viscosidade o futuro não existe. Ah, eu queria ter um objetivo na vida, uma coisa que sugasse todas as minhas forças, conduzisse todos os meus gestos e todas as minhas palavras. Não tenho nada, só este vazio. Tão grande que freqüentemente, duvido até dele próprio. Se tivesse um objetivo — uma vocação, como será uma vocação? — tudo seria diferente. Marlene não sabe a inveja que tenho dela. Quando se queixa da falta de tempo, dos dias que faltam para a exposição, dos quadros que ainda não acabou, quando diz “Maurício, eu já nem sei mais porque entrei nisso, compreende?” Eu fico olhando, olhando, e tenho vontade de responder: “Mas tu ao menos tens com que te preocupar. Eu, nem isso. Nem isso, Marlene.”

Uma viagem bem longa, para bem longe daqui, talvez resolvesse, se é que há mesmo algo para ser resolvido. Mas talvez a solução esteja na paisagem interna, não na externa. Talvez eu possa modificar aquela sem modificar esta. O que eu queria era modificar a duas, de uma só vez. Queria ter o que ver, quando olhasse dentro ou fora de mim.

Tenho lido muito. Quando leio certas coisas, me vem certo alento, nem chega a ser uma esperança, um sopro leve que logo se desfaz. Penso: “Talvez eu pudesse...se outros puderam, afinal... talvez eu pudesse também...” Por alguns segundos, quase tenho certeza de que eu poderia tombem criar outras vidas, inventar histórias, enredar-me em outros problemas além dos meus. É só um instante. Para escrever, eu acho, é necessário um desligamento muito grande, um distanciamento enorme de si próprio e das coisas que rodeiam a gente. Não consigo fazer isso. Escrevo, às vezes, mas são coisas medíocres. Uma casca de palavras ocas, coloridas, porque dentro não há absolutamente nada. Afinal, e eu mesmo sou vazio, como poderia criar coisas cheias? Criar. Um dia, quem sabe, depois de muito amar e desamar, querer e não querer, depois de quedas e voltas, avanços e saltos, talvez depois disso tudo reste alguma coisa. E isso, essa sobra, talvez possa ser transformada em outra a que darei o nome de criação, quem sabe.

Tia Clotilde e Maria Lúcia ainda não apareceram. É provável que cheguem hoje. Papai deve estar na cozinha tomando chimarrão. O homem de duas faces. Ou que tenta ter duas faces, porque a de homem da cidade é muito fina, transparente. Por baixo dela sempre aparece a outra, a de homem do campo, acostumado a lidar com bois, ovelhas e cavalos, não com gente. Só o vejo realmente alegre quando é tempo de ir para a fazenda, coisa que faz de dois em dois meses. Quando volta, torna-se ainda mais carrancudo, mais sombrio, mais implicante. E mamãe é “a mulher que acompanha”. Só isso. Casou num tempo em que as mulheres tinham que abaixar a cabeça para seu amo e senhor, sem o direito de questionar se quer a própria escravidão. Ela se submete. Sem interrogações, sem dúvidas, sem nada. E eu talvez traga em mim o germe dessa covardia milenar, estéril. Talvez passe a vida a me interrogar, sem nunca tomar nenhuma decisão. Seria só dizer: “Pronto. É hoje. De agora em diante vai ser diferente.” E começar.

Da cozinha vem o cheiro de café novo. Tenho sorte. Lá fora começa a passar gente que talvez nem saiba o que é isso. Demagogias...

Faz frio. Estou frio por dentro também. Acabei me entristecendo com as coisas que escrevi. As verdades, porque as mentiras não entristecem. Vou à aula, hoje. Não suporto a idéia de ficar trancado aqui durante a manhã toda, sem ter se quer um pensamento dentro da cabeça.

(Diário VI - Limite Branco, Caio Fernando Abreu)

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Pequeno diálogo.

- Sabe, no meio de todas essas suas histórias existe uma coisa muito nítida que ou você ainda não viu ou então não quer admitir.
- O que?
- Isso é você quem precisa descobrir por si mesma. Se eu te dissesse aqui, agora, com certeza você não iria acreditar.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Hoje.

Hoje eu acordei com uma idéia idiota na cabeça. Com uma idéia que não me sai da cabeça. Eu pensei em tantas coisas, em tantos detalhes, em tantas nuances que até achei que fosse capaz de te convencer da validade do que eu sinto. Eu sempre me pergunto: se errar uma vez é humano, se errar duas vezes é burrice, o que significa errar três vezes?

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Singularidade...

Todas as relações com os outros são, ao fim e ao cabo, apenas estações no meio do caminho em busca de si mesmo, seja porque se sente igual aos outros e sozinho com suas próprias forças, precisando do apoio desse tipo de consciência, seja porque, com a capacidade de encarar a solidão de frente, os outros existem para permitir a cada indivíduo a comparação e a visão da própria singularidade e individualidade do próprio mundo.

(O Indivíduo e a Liberdade, Georg Simmel)

sábado, 8 de novembro de 2008

Roda Gigante, Chuva, Etc.

Sim, deve ter havido uma primeira vez, embora eu não lembre dela, assim como não lembro das outras vezes, também primeiras, logo depois dessa em que nos encontramos completamente despreparados para esse encontro. E digo despreparados porque sei que você não me esperava, da mesma forma como eu não esperava você. Certamente houve, porque tenho a vaga lembrança - e todas as lembranças são vagas, agora -, houve um tempo em que não nos conhecíamos, e esse tempo em que passávamos desconhecidos e insuspeitados um pelo outro, esse tempo sem você eu lembro. Depois, aquela primeira vez e logo após outras e mais outras, tudo nos conduzindo apenas para aquele momento.

Às vezes me espanto e me pergunto como pudemos a tal ponto mergulhar naquilo que estava acontecendo, sem a menor tentativa de resistência. Não porque aquilo fosse terrível, ou porque nos marcasse profundamente ou nos dilacerasse - e talvez tenha sido terrível, sim, é possível, talvez tenha nos marcado profundamente ou nos dilacerado - a verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou. E foi essa coisa que me levou há pouco até a janela onde percebi que chovia e, difusamente, através das gotas de chuva, fiquei vendo uma roda-gigante. Absurdamente. Uma roda-gigante. Porque não se vive mais em lugares onde existam rodas-gigantes. Porque também as rodas-gigantes talvez nem existam mais. Mas foram essas duas coisas - a chuva e a roda-gigante -, foram essas duas coisas que de repente fizeram com que algum mecanismo se desarticulasse dentro de mim para que eu não conseguisse ultrapassar aquele momento.

De repente, eu não consegui ir adiante. E precisava: sempre se precisa ir além de qualquer palavra ou de qualquer gesto. Mas de repente não havia depois: eu estava parado à beira da janela enquanto lembranças obscuras começavam a se desenrolar. Era dessas lembranças que eu queria te dizer. Tentei organizá-las, imaginando que construindo uma organização conseguisse, de certa forma, amenizar o que acontecia, e que eu não sabia se terminaria amargamente - tentei organizá-las para evitar o amargo, digamos assim. Então tentei dar uma ordem cronológica aos fatos: primeiro, quando e como nos conhecemos - logo a seguir, a maneira como esse conhecimento se desenrolou até chegar no ponto em que eu queria, e que era o fim, embora até hoje eu me pergunte se foi realmente um fim. Mas não consegui. Não era possível organizar aqueles fatos, assim como não era possível evitar por mais tempo uma onda que crescia, barrando todos os outros gestos e todos os outros pensamentos.

Durante todo o tempo em que pensei, sabia apenas que você vinha todas as tardes, antes. Era tão natural você vir que eu nem sequer esperava ou construía pequenas surpresas para te receber. Não construía nada - sabia o tempo todo disso -, assim como sabia que você vinha completamente em branco para qualquer palavra que fosse dita ou qualquer ato que fosse feito. E muitas vezes, nada era dito ou feito, e nós não nos frustrávamos porque não esperávamos mesmo, realmente, nada. Disso eu sabia o tempo todo.

E era sempre de tarde quando nos encontrávamos. Até aquela vez que fomos ao parque de diversões, e também disso eu lembro difusamente. O pensamento só começa a tornar-se claro quando subimos na roda-gigante: desde a infância que não andávamos de roda-gigante. Tanto tempo, suponho, que chegamos a comprar pipocas ou coisas assim. Éramos só nós depois na roda gigante. Você tinha medo: quando chegávamos lá em cima, você tinha um medo engraçado e subitamente agarrava meu braço como se eu não estivesse tão desamparado quanto você. Conversávamos pouco, ou não conversávamos nada - pelo menos antes disso nenhuma frase minha ou sua ficou: bastavam coisas assim como o seu medo ou o meu medo, o meu braço ou o seu braço. Coisas assim.

Foi então que, bem lá em cima, a roda-gigante parou. Havia uma porção de luzes que de repente se apagaram - e a roda-gigante parou. Ouvimos lá de baixo uma voz dizer que as luzes tinham apagado. Esperamos. Acho que comemos pipocas enquanto esperamos. Mas de repente começou a chover: lembro que seu cabelo ficou todo molhado, e as gotas escorriam pelo seu rosto exatamente como se você chorasse. Você jogou fora as pipocas e ficamos lá em cima: o seu cabelo molhado, a chuva fina, as luzes apagadas.

Não sei se chegamos a nos abraçar, mas sei que falamos. Não havia nada para fazer lá em cima, a não ser falar. E nós tínhamos tão pouca experiência disso que falamos e falamos durante muito e muito tempo, e entre inúmeras coisas sem importância você disse que me amava, ou eu disse que te amava - ou talvez os dois tivéssemos dito, da mesma forma como falamos da chuva e de outras coisas pequenas, bobas, insiginificantes. Porque nada modificaria os nossos roteiros. Talvez você tenha me chamado de fatalista, porque eu disse todas as coisas, assim como acredito que você tenha dito todas as coisas - ou pelo menos as que tínhamos no momento.

Depois de não sei quanto tempo, as luzes se acenderam, a roda-gigante concluiu a volta e um homem abriu um portãozinho de ferro para que saíssemos. Lembro tão bem, e é tão fácil lembrar: a mão do homem abrindo o portãozinho de ferro para que nós saíssemos. Depois eu vi o seu cabelo molhado, e ao mesmo tempo você viu o meu cabelo molhado, e ao mesmo tempo ainda dissemos um para o outro que precisávamos ter muito cuidado com cabelos molhados, e pensamos vagamente em secá-los, mas continuava a chover. Estávamos tão molhados que era absurdo pensar em sairmos da chuva. Às vezes, penso se não cheguei a estender uma das mãos para afastar o cabelo molhado da sua testa, mas depois acho que não cheguei a fazer nenhum movimento, embora talvez tenha pensado.

Não consigo ver mais que isso: essa é a lembrança. Além dela, nós conversamos durante muito tempo na chuva, até que ela parasse, e quando ela parou, você foi embora. Além disso, não consigo lembrar mais nada, embora tente desesperadamente acrescentar mais um detalhe, mas sei perfeitamente quando uma lembrança começa a deixar de ser uma lembrança para se tornar uma imaginação. Talvez se eu contasse a alguém acrescentasse ou valorizasse algum detalhe, assim como quem escreve uma história e procura ser interessante - seria bonito dizer, por exemplo, que eu sequei lentamente seus cabelos. Ou que as ruas e as árvores ficaram novas, lavadas depois da chuva. Mas não direi nada a ninguém. E quando penso, não consigo pensar construidamente, acho que ninguém consegue. Mas nada disso tem nenhuma importância, o que eu queria te dizer é que chegando na janela, há pouco, vi a chuva caindo e, atrás da chuva, difusamente, uma roda-gigante. E que então pensei numas tardes em que você sempre vinha, e numa tarde em especial, não sei quanto tempo faz, e que depois de pensar nessa tarde e nessa chuva e nessa roda-gigante, uma frase ficou rodando nítida e quase dura no meu pensamento. Qualquer coisa assim: depois daquela nossa conversa - depois daquela nossa conversa na chuva, você nunca mais me procurou.

(Do Outro Lado da Tarde, Caio Fernando Abreu)

Os Dragões Conhecem o Paraíso.

I'm sorry that I late.

Relembrando.

Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo...
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.

(Tu Tens um Medo, Cecília Meireles)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Pessoando.

Quando, do meio destes amigos que não conheço,
Do meio destas maneiras de compreender que não compreendo,
Do meio destas vontades involuntariamente
Tão contrárias à minha, tão contrárias a mim?!

Que eu sou daqueles que sofrem sem sofrimento,
Que têm realidade na alma,
Que não são mitos, são a realidade
Que não têm alegria do corpo ou da alma, daqueles
Que vivem pedindo esmola com a vontade de perdê-la...

Eu quero partir, como quem exemplarmente parte.
Para que hei-de estar onde estou se é só onde estou?
Para que hei-de ser eu sempre eu se eu não posso ser quem sou.
Mas isto tudo é como uma realidade longínqua
Daqueles que não partiram ou daqueles
Cujo lar é nenhum e de memória
Quando, navio naufragado, deixaremos o lar que não temos?

Navio, quem quer que seja, não quero ser eu! Afasta-me
A remo ou vela ou máquina, afasta-me de mim!
Vá. Veja eu o abismo abrir-se entre mim e a costa,
O rio entre mim e a margem,
O mar entre mim e o cais,
A morte, a morte, a morte, entre mim e a vida!

Porque é sempre de nós que nos separamos quando deixamos alguém,
É sempre de nós que partimos quando deixamos a costa,
A casa, o campo, a margem, a gare, ou o cais.
Tudo que vimos é nós, vivemos só nós no mundo.
Não temos senão nós dentro e fora de nós,
Não temos nada, não temos nada, não temos nada...

(Álvaro de Campos)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Vida.

Em uma quadra esportiva deserta, um rapaz tenta fazer cestas com seus pés usando uma bola de futebol de salão.

Não!

One, two, three…

They took his kids,
He was right
They took his ears,
They took his eyes,
They said a ride
Is never free,
He couldn’t hear
He couldn’t see.
Well there are things
That have to die
So other things
Can stay alive
The fire burns,
It burns to give,
It has to burn, alive,
To live.

The other men spoke low;
They took a vote and said no.
They turned around real slow
Where did they go? Where did they go?

Is the question of the question
Can the kids shoot their sides?
If the fire hasn’t died, say NO!!!
Say NO!!!
Say, “You don’t know what king we serve, boy.
You don’t know what things we employ.”

The other men spoke low;
They took a vote and said no.
They turned around real slow
Where did they go? Where did they go?

Is the question of the question
Can the kid keep his eyes?
If the fire doesn’t die
Can the kid keep his eyes?
On the question of the question
Can the kid keep his eyes?
If the fire doesn’t die
I said be CAREFUL
Of what you wish for
Oh be CAREFUL
Of what you wish for
And be CAREFUL
Around the fire-light
And be CAREFUL
Around the bright, bright, light
‘Cause the fire never dies
So the kid hurts his eyes
Oh, that’s how it goes, Baby
That’s how it goes, Baby
That’s how it goes, Baby
That’s how it goes.

(They Took A Vote And Said No, Sunset Rubdown)