terça-feira, 30 de junho de 2009

Chamas da vida.

I've said it before,
And I'll say it again.
All fires have to burn alive.

(All Fires, Swan Lake)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

A Viagem.

Embarcamos rumo a terras distantes, ou buscamos o conhecimento de homens, ou questionamos a natureza, ou buscamos a Deus; depois notamos que o fantasma perseguido éramos Nós mesmos.

(Ernesto Sábato)

Adeus.

Acene um pouco mais a mão
Que eu não sei se isso é parte de um adeus
Sempre um pouco mais em vão.

O Drama da Felicidade.

Minha vida em geral é marcada por recorrências. Como eu gosto de brincar, um eterno retorno do eterno retorno, quero dizer, as fôrmas coincidem, os percursos são cíclicos. Nessa infindável sucessão de repetições, vira e mexe o tema da felicidade volta à tona. De fato é impossível fugir do mesmo, até porque o tipo de consciência ocidental do qual faço parte acaba tendendo a conceber a vida enquanto uma incessante procura pela felicidade. E esse detalhe é, com efeito, o mais intrigante: até hoje essa idéia cola, faz sentido. O que quero dizer com isso é que existe uma crença implícita que sustenta toda uma estrutura vital presente em grande parte das pessoas do referido ocidente, qual seja, ‘um dia se encontrará um ponto do percurso em que os problemas serão suspensos e, diante disso, será atingido um estágio de felicidade plena, algo como um retorno a mítica idade do ouro’. Mesmo pessoas que afirmam não acreditar em tal possibilidade acabam por se contradizer: troca-se a palavra felicidade por sua irmã gêmea, a harmonia. Na prática, o que se deseja é a mesma coisa – algo que não existe e que se existisse seria o mais amargo dos remédios. Diante disso, é de se espantar a capacidade das pessoas de, a todo custo, tentarem negar os seus próprios sentimentos, a dor que é correlata e que, inclusive, sustenta a própria noção de felicidade. Essa apologia a felicidade é tão grande, é tão imensa e forte, que muitas vezes as pessoas sequer têm dimensão do que seja realmente tal estado. A felicidade, por definição, é uma inconsciência – não nos ditames psicanalíticos – um não saber, até porque a consciência é sempre posterior ao ato, de modo que jamais se pode afirmar com certeza algo como ‘eu sou feliz’. A felicidade não é, mas na verdade está, e com freqüência, muitas vezes não sabemos onde esteve ao certo. Duas conversas hoje – circulares, para variar – me fizeram novamente pensar sobre este assunto. Na primeira delas, com a querida amiga Desireê, apresentei uma alegoria que expressa bem a supracitada inconsciência da felicidade: ‘se você parar para pensar, quando a gente não está com dor de cabeça, a gente não reflete sobre isso, toma como algo natural que não é digna de uma celebração particular; em compensação, quando se tem dor de cabeça, a gente sabe na hora que não está bem, porque o incômodo provoca reflexão’. Agora à noite, em conversa com o Tio Beto, por ocasião da morte do Michael Jackson, o tema foi novamente retomado: ‘quem vê a vida dele de fora não entende praticamente nada, diz que ele tinha tudo e que não soube aproveitar a felicidade que tinha a disposição’. E ao que me parece, se teve uma coisa que toda a megalomania do Michael Jackson - por quem, aliás, eu tenho alguma admiração, ainda mais em comparação com a farsa chamada Madonna, esta sim muito ‘inteligente’ porém completamente limitada no que me interessa, a música – mostra e reforça é que a crença do ponto G de felicidade – ou GF, ou ainda de forma mais direta F - ainda é enorme. O dinheiro, o sucesso e a fama são as últimas das ilusões. Ter acesso a essa condição apenas serve para esfregar na cara de quem a tem a impossibilidade de tal perpétuo contínuo, o que revela a fragilidade dos seres humanos. Nesse ponto, Michael Jackson novamente é exemplar: tivemos a oportunidade de testemunhar por intermédio da mídia a perfeição da imperfeição, quero dizer, vida de um homem e não de um mito – por mais que as próximas gerações acabarão por vê-lo desta maneira, pois morreu a tempo de conseguir sua tão querida e verdadeira imortalidade. Num esforço generalista, eu me arriscaria a dizer que o saldo da vida de todas as pessoas deste globo terrestre obtido na relação entre a quantidade de felicidade que elas obtiveram e a quantidade de tristeza vivida, acaba sendo igual ou ao menos bem próxima de zero. Em condições especiais como, por exemplo, em estados de pobreza extrema isto talvez não se aplique – ou igualmente se aplique: quando a vida se resume a sobrevivência, não se medita sobre a natureza da felicidade, mas clama-se apenas pela próxima refeição, que por si só é uma concretização absoluta – e inconsciente - da mesma felicidade. Retornando novamente ao saldo nulo, isto não é primordialmente um problema. O problema verdadeiro é saber reconhecer e valorizar a felicidade enquanto esta se desenrola. E isso acontece mesmo nos momentos mais improváveis e, até mesmo, paradoxais. Vide hoje os balanços que tive com a Desireê e o Tio Beto – ainda que naquele momento não me desse totalmente conta, fui feliz, me realizei, por mais que os assuntos tratados não fossem exatamente os mais agradáveis ou felizes. Ter alguém para quem reclamar, alguém que te ouve e gosta de estar ao seu lado é uma felicidade secreta, um privilégio eu diria. Não precisar usar máscaras, não precisar ter pudor ou medir as palavras, quer dizer, ter a liberdade de ser você mesmo – mesmo não sabendo nunca o que realmente se é de fato – não deixa de ser algo louvável. São dessas felicidades ocultas que eu digo, momentos estes que se é feliz sem saber - e que com freqüência escorrem, vão para a lata do lixo. O tudo que é nada: a felicidade é uma mentira / e a mentira é a salvação.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Sobre certas solidões (2).

E de repente, sem mais nem menos, a bomba disparada à queima roupa:

- Você não tem medo da solidão?

***

E ninguém é eu. Ninguém é você. Esta é a solidão.

(Clarice Lispector)

terça-feira, 23 de junho de 2009

Um pleonasmo.

A morte realmente mata.

Oi, Freud! (2)

Subo a escadaria do meu prédio e chego à porta de entrada. Estou sem chave. Márcio, o zelador, me recepciona. Está um pouco mais efusivo do que o normal. Não bastasse a fisionomia estranhamente risonha, tinha as unhas pintadas de vermelho – vale lembrar que ele é evangélico. No salão que dá acesso direto ao elevador ‘social’ há uma festa. Antes que eu pudesse falar qualquer coisa um homem pergunta a Marcio como estava o rapaz que havia passado mal de tanto beber. Este, por sua vez, disse que depois que o levaram para o hospital não havia recebido nenhuma notícia. Logo depois disso Márcio me dá um maço de correspondências e eu o pergunto se minha mãe está em casa ou se ao menos tinha lembrado de deixar as chaves na portaria. Ele diz: ‘sua mãe saiu, mas mandou avisar que X está aí e ela será sua nova tutora (?!); você sabe, Guilherme, ultimamente X não tem mais gostado de sair de casa (?!)'. Para tomar o elevador pego um atalho pela entrada lateral, de modo que não precisei entrar na festa. O elevador estava no térreo. Entrei e fui pensando num inusitado encontro com X a que,m há muito eu não via e que sem explicação alguma tinha virado minha tutora. O elevador sobe e começa a trepidar. E trepida cada vez mais forte. Fico ansioso porque ele não chega no meu andar. E de fato não chegou. Um dos meus maiores medos se confirmou: o cabo de sustentação arrebentou e fiquei gravitando enquanto o elevador entrava em queda livre.

Pessimista, o otimista.

Já que, dada a índole do mundo, temos esperanças em acontecimentos que, ao produzir-se, só nos proporcionam frustrações e amarguras; motivo pelo qual os pessimistas se recrutam entre os ex-esperançados, pois para ter uma visão negra do mundo é necessário primeiro ter acreditado nele e em suas possibilidades. E resulta ainda mais curioso e paradoxal que os pessimistas, uma vez desiludidos, não são constante e sistematicamente desesperançados, senão que, de certo modo, parecem dispostos a renovar sua esperança a cada momento, embora a dissimulem sob sua negra envoltura de amargurados universais, em virtude de uma espécie de pudor metafísico; como se o pessimismo, para manter-se forte e sempre vigoroso, necessitasse de vez em quando de um novo impulso produzido por uma nova e brutal desilusão.

E o mesmo Martín (pensava-o, ali, diante dele), o mesmo Martín, pessimista desde o cerne como sói a todo ser puríssimo e preparado a esperar Grandes Coisas dos homens em particular e da Humanidade em geral, não teria já tentado suicidar-se por causa dessa espécie de esgoto que era sua mãe? Isso já não revelava que havia esperado algo diferente e certamente maravilhoso daquela mulher? Mas (e isso era ainda mais assombroso) não havia voltado, depois de tal desastre, a ter fé nas mulheres ao encontrar-se com Alejandra?

(Sobre Heróis e Tumbas, Ernesto Sábato)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Alejandra.

- Me fascinava - disse Martín - como um abismo tenebroso, e se me desesperava era precisamente porque a queria e a necessitava. Como irá nos desesperar algo que nos deixa indiferentes?

(Sobre Heróis e Tumbas, Ernesto Sábato)

Um túnel.

Foi uma espera interminável. Não sei quanto tempo passou nos relógios, desse tempo anônimo e universal dos relógios, que é alheio aos nossos sentimentos, aos nossos destinos, a formação ou ao desmoronamento de um amor, à espera de uma morte. Mas de meu próprio tempo foi uma quantidade imensa e complicada, cheio de coisas e voltas atrás, um rio obscuro e às vezes tumultuoso, outras vezes estranhamente calmo e quase mar imóvel e perpétuo onde Maria e eu estávamos frente a frente nos contemplando estaticamente, e outras vezes voltava a ser rio e nos arrastava como em um sonho aos tempos de infância e eu a via correr desenfreadamente em seu cavalo, com os cabelos ao vento e os olhos alucinados, e eu me via em meu vilarejo do sul, em meu quarto de doente, com o rosto colado ao vidro da janela, olhando a neve com os olhos também alucinados. E era como se nós dois houvéssemos estado vivendo em dois corredores ou túneis paralelos, sem saber que caminhávamos um ao lado do outro, como almas semelhantes em tempos semelhantes, para nos encontrarmos ao final daqueles corredores, diante de uma cena pintada por mim, como chave destinada tão somente a ela, como um secreto anúncio de que eu já estava ali e que os corredores haviam por fim se unido e que a hora do encontro havia chegado.

A hora do encontro havia chegado! Mas... os corredores haviam realmente se unido e nossas almas haviam se comunicado? Que estúpida ilusão minha havia sido tudo aquilo! Não, os corredores continuavam paralelos como antes, embora agora o muro que os separasse fossem como um muro de vidro, e eu pudesse ver Maria como uma figura silenciosa e intocável... Não, nem sequer aquele muro era sempre assim: às vezes voltava a ser de pedra negra e, então, eu não sabia o que estava acontecem do outro lado, que era feito dela naqueles intervalos anônimos, que estranhas coisas estariam acontecendo; e até pensava que naqueles momentos seu rosto mudava e que um esgar de escárnio o deformava e que talvez houvesse risinhos cruzados com um outro e que toda a história dos corredores era uma ridícula invenção ou crença minha e que em todo caso havia um só túnel, obscuro e solitário: o meu, o túnel em que havia transcorrido minha infância, minha juventude, toda minha vida. E, em um daqueles trechos transparentes do muro de pedra, eu havia visto aquela mulher e havia acreditado ingenuamente que vinha por outro túnel paralelo ao meu, quando na verdade pertencia ao vasto mundo, ao mundo sem limites dos que não vivem em túneis; e talvez havia se aproximado por curiosidade de uma de minhas estranhas janelas e havia entrevisto o espetáculo de minha irremediável solidão, ou a havia intrigado a linguagem muda, a chave de meu quadro. E então, enquanto eu avançava sempre por meu corredor, ela vivia lá fora sua vida norma, a vida agitada que levam essas pessoas que vivem lá fora, essa vida curiosa e absurda na qual há bailes e festas, alegria e frivolidade. E ás vezes acontecia que, quando eu passava frente a uma as minhas janelas, ela estava me esperando muda e ansiosa (por que me esperando? por que muda e ansiosa?); mas às vezes acontecia que ela não chegava a tempo ou se esquecia deste pode ser encaixotado, e então eu, com o rosto apertado contra o muro de vidro, a via ao longe sorrir ou dançar despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto e a imaginava em lugares inacessíveis ou absurdos. E então sentia que o meu destino era infinitamente mais solitário do que eu havia imaginado.

(O Túnel, Ernesto Sábato)

Oi, Freud!

Cena 1

Depois de um atentado mortal – um velho louco queria colocar abaixo a casa onde estávamos eu, meu irmão e um primo -, exatamente no momento seguinte outro – igualmente ou mais ainda mortal:

- ‘X, é você?!’, digo espantado com seu rosto notadamente envelhecido e maltratado.
- Sim, sou eu Guilherme. Eu posso usar a internet? É que eu preciso fazer uma encomenda de doces para meu casamento.

Penso comigo: bingo! Ganhei a aposta!


Cena 2


Ganho um presente de um primo – duas mini traves de futebol e uma bola de plástico. Quando vou retirá-lo, avisam-me – não faço a mínima idéia de quem seja tal pessoa: cuidado apenas para não cair no buraco. Bem, não cai, de fato: o buraco me engoliu. Junto com o presente, um bilhete de X.

Corte-Fluxo.

No telefone X diz que morou por 11 meses com um rapaz de Santo André (?!) e que ele dizia muitas coisas que eu a havia dito antes. ‘Por conta disso’ - uma ótima causalidade sem causa -, ela tinha colocado uma carta no último domingo contendo um poema que tinha escrito para mim.


Cena 3


- Não tá vendo que ele ainda gosta de você? Olha a cara fechada dele.
- É verdade?
- Você pode até não gostar de mim, X, mas isso não me faz deixar de gostar de você mesmo assim. Pelo menos esse direito eu tenho!


Cena 4


- Dizem que ela mora num lugar todo cagado.
- O que ela cagou foi o meu coração (risos).

domingo, 21 de junho de 2009

Notas sobre a trajetória.

Depois de sair da minha casa, me limitei apenas a seguir em linha reta e, sem mais nem menos, pouco tempo depois me deparei com... minha casa?!

A luz.

Em 1935, a mãe de Cioran teria dito a ele que se soubesse que seria tão infeliz teria-o abortado.

Frase incidental.

O meu fracasso é prova incontestável do meu êxito: extirpei até o último mal - eu mesmo.

sábado, 20 de junho de 2009

A gente se acostuma, mas não devia (2).

- Tenho uma idéia para uma história - dise ele, sem nem mesmo cumprimentá-la.
- Que tipo de história?
- Uma história de amor.
- De novo? - protestou Margot. - Isso já existe em excesso.
- Eu não acho - disse Elias segurando-a pelo braço.
- Então você quer falar sobre uma história de amor verdadeira.
- Quero.
- Isso é original - admitiu Margot. - Mas é preciso ter bons personagens.
- Você poderia me ajudar.
- Tudo bem - disse ela sorrindo. - Já imagino perfeitamente a mulher: ela inventou para si mesma um monte de histórias achando que aquilo era amor.
- Já o homem nunca tinha realimente vivido - encadeou Elias. - Passou muito tempo com uma mulher, mas não a amava.
- Então ele é duro na queda - disse Margot. - É muito difícil não se apaixonar.
- Parece que as coisas começaram mal entre os dois.
- Você tem razão. Não está começando muito bem.

Margot e Elias se sentaram lado a lado nos degraus, à entrada do prédio. Aproveitaram este momento anterior. Anterior a darem as mãos e anterior a se beijarem. Eles o protelaram, pois sabiam que isso tudo viria depois. Dali a um minuto, um dia ou uma semana.

(A gente se acostuma com o fim do mundo, Martin Page)

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Despedida.

Durante um único e último abraço, uma derradeira frase:

- Diz que vai sentir saudade.

Sobre escrever...

A gente se mete a escrever porque não foi capaz de bater num motorista que nos afrontou na rua, porque não quebrou pratos num restaurante, porque não enfrentou um policial louco que xingou sua namorada, porque não disse à mãe o muito que a amava e detestava, porque não cuspiu num professor que dizia que a Terra é redonda, porque deixou que pegassem seu lugar na fila do cinema, porque não tem ofício nem benefício, porque pensa que é uma forma fácil de fazer fama e dinheiro, porque se paspalhos como García Marquez e Mutis fazem isso, a gente também pode fazer, porque não é bom em matemática, porque não quer ser médico nem advogado, porque está irado, porque odeia as pessoas e quer insultá-las.

A gente se mete a escrever porque uma garota linda lhe disse que gostava de escritores, porque precisa de um álibi para não trabalhar, porque isso o faz sentir-se superior, porque leu um romance de caubóis e que entrar na concorrência, porque é um caubói sem Oeste, porque escriturários como Vargas Llosa o fazem, porque não tem voz, porque não tem ritmo, porque está farto de bater punheta, porque quer trepar com uma mulher mas não sabe como, porque penas que tem alguma coisa a dizer, porque descobre que as garotas bonitas dizem que os escritores são ternos mas saem com os mafiosos, porque não o deixam da um amasso na ganhadora do concurso nacional de beleza, porque é magro e não tem remédio, porque tem medo de morrer sem ter metido numa garota linda, porque se um puxa-saco hipócrita como Vargas Llosa escreve qualquer um pode fazê-lo, porque sabe que o cinema é tempo perdido, porque tem inveja dos micos que aparecem na tela e ganham milhões, porque na falta de melhores oportunidades quer ser como Bukowski.

A gente se mete a escrever porque não sabe lutar boxe nem tem colhões para isso, porque tem os dentes tortos e não pode sorrir como gostaria, porque para os impotentes de todo tipo não há outro caminho, porque todos os feios escrevem ou assassinam e a gente não é capaz de matar nem uma mosca, porque escrever dá importância, porque para chamarem alguém de escritor não é preciso escrever bem mas para chamarem alguém de filho-da-puta não importa se sua mãe é uma santa, porque tem medo de ficar à deriva sem fazer nada, porque não pode beber toda noite, porque ama a Deus mas odeia as sociedades sem fins lucrativos, porque não tem namorada, porque não há emoções mas insultos, porque na sua casa não tem televisão e o rádio quebrou, porque a mulher do vizinho é gostosa, porque tem medo de ficar careca e por isso evita os espelhos. A gente se mete a escrever porque não se atreve a assaltar um supermercado, porque ama uma mulher e ela é namorada do garoto esperto da rua, porque não há revistas pornográficas suficientes, porque quer fazer alguma coisa além de cagar e se masturbar, porque não é o garoto esperto da rua nem o garoto forte nem o engraçado, porque é o garoto nada, porque não vale um tostão furado, porque apanha lá fora, porque sua mãe grita o tempo todo, porque não há ilusões nem luz no fim do túnel, porque sua mente voa baixo e nunca será outro Cioran, porque não tem coragem para saltar, porque não quer a esposa feia que merece, porque tem medo de morre sem ter comido um belo cuzinho, porque não tem pai, amigos nem fortuna, porque não tem o jeito de cuspir do Clint Eastwood, porque se paralisa entre uma e outra intenção, porque era uma vez o amor mais tive que matá-lo.

O bom é que escrever não serve para nada daquilo que a gente quer. Escrever é um limite, uma dor, um defeito a mais. O bom é que depois de escrever a gente se sente péssimo. Nada mudou, tudo continua no seu lugar (menos você, maldito cabelo), Pelé não volta para o campo. O ruim é que você escreve e o Pambelé cai na lona espancado por um gringo, um maldito gringo que esteve preso por bater na mãe. O ruim é que Pambelé não é a mãe do gringo e – por mais que você escreva – continua caído. O bom é que você escreve e continua sonhando com a mulher do vizinho,sonha que a agarra pelas orelhas e crava-lhe a rola. O ruim é que escrever não cura os seus desejos assassinos, que assaltar um supermercado continua sendo o seu objetivo impossível. O ruim é que ainda deseja um amor inesquecível. O bom é que escrever é outra forma de cagar e se masturbar. O ruim é que você lê os grande autores mas só Bukowski lhe diz alguma coisa. O ruim é que um dia a garota bonita toma conhecimento que você escreve e não deixa que lhe meta fundo, até o outro lado da morte. O ruim é que escrever serve para tudo aquilo que você não quer.

(Era uma vez o amor mas tive que matá-lo, Efraim Medina-Reyes)

A gente se acostuma, mas não devia.

Um de meus amigos e colega, Victor Malène, disse-me um dia, e acredito que estava falando sério, que a única coisa que faltou para Deus foi um produtor. Ou seja, alguém que lhe dissesse: 'Fique tranquilo, você pode criar o mundo em quinze dias se quiser, até mesmo um ano. O que você criou até agora foi um rascunho, tem boas idéias, mas você há de convir comigo que há um excesso de regiões desérticas, e esses vulcões, tudo bem, é bonito, mas já pensou nas consequências? E eu lhe peço, Deus, faça uma revisão na cópia do seu homem, porque certas coisas realmente não vão dar certo'. Acredito que, se Deus tivesse tido um produtor, o mundo não seria assim, tão a ferro e fogo. Não haveria tanta dor e tanta miséria.

***

No amor e no trabalho, acreditamos estar no reino das novidades, quando, na verdade, seja na cama seja no escritório, somos apenas épocas que se sucedem umas às outras.

***

Não se deve confiar nas pessoas que têm medo da solidão, pois elas, na verdade, nunca estão realmente sós. Usam de vários expedientes para preencher com homens, mulheres ou álcool o vazio de sua imaginação. Ignoram que, na verdade, a solidão não pode ser preenchida. Ela não tem fundo. De nada serve fugir dela. A solidão é uma amante que precisa que lhe sejamos infiéis.

***

Não nos libertamos daquilo que é suave: uma vez envolvidos, é tarde demais para se opor.

***

- Ela foi embora.
- Claro - disse a Dra. Ansermet cruzando os braços sobre o ventre - Martial me contou. Você esperava outra coisa?
- Talvez.
- Ela já está curada, Elias. Não precisa mais de você.
- Clarisse não é assim - murmurou Elias, indignado.
- Clarisse não tem nada a ver com isso. Você salvou a vida dela. Durante seis anos você foi, mais do que enfermeiro, o próprio remédio dela. Agora que se curou, você não serve para mais nada. Acho totalmente compreensível que ela tenha ido embora.
- (...)
- Você está bebendo demais. Agora que Clarisse parou, alguém tem de conduzir a tocha. Sempre achei que há uma espécie de transferência de doenças. Quando alguém se cura, outra pessoa adoece. Há um equilíbrio.
- É uma idéia original e ela deve fazer o seu sofrimento ficar mais interessante.

(A gente se acostuma com o fim do mundo, Martin Page)

Paraquedas.

Sem máquina do tempo sou transportado para um tempo imemorial – ou, na verdade, mui memorial. Não, eu não fui transportado. Permaneci. O tempo que deu um jeito de se desdobrar aos meus pés – ou não. Não. Um truque, apenas. Que truque!

A mesma voz ao celular.
A mesma gargalhada solta, debochada.
A mesma falta de pudor.
A mesma proximidade.
A mesma moleza.
A mesma necessidade.
A mesma circunstância.
A mesma casualidade.

Ela tinha um nome.
Ela tinha um espírito.
Eu tinha um nome.
Eu tinha um espírito.

Tínhamos, tivemos.

Restou-me um paraquedas paraguaio.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Pontos Cegos.

Todas as pessoas, todos os tempos, em todos os tempos, um verbo. Quero, quiseste, queria, quiséramos, querereis, queriam. Vontade, desejo. Se até então há o incômodo por uma sintaxe pouso usual, isso apenas demonstra a existência do meu querer, que nem sempre bate com o seu querer. É daí que emergem os conflitos; é desse embate entre nós que, paradoxalmente, também surgem as soluções. Mas e quando não se sabe o que deseja? Bingo! Aí está o meu grande problema. Tateio vagamente o futuro em busca de algo que não sei se sequer existe. Hesito, coloco algo na cabeça, procuro, corro atrás. E chegando lá paro e me deparo com uma sensação avessa à esperada. Apenas mais um pouco de insatisfação, o tal combustível que me move. Falta, falta, falta... De repente, nesse movimento, nessa incessante busca por tocar o intangível acontece. No meio da trilha, um ponto cego. Algo tão sutil, tão pequeno que por pouco não passa despercebido. Sorte ou azar, os detalhes me fascinam, não escapam aos meus olhares. Em seguida, misteriosamente, esse ponto se converte em espanto e enquanto se consuma por inteiro, me consome. Um palito pegando fogo até que no instante final, a chama toca a mão que segura a haste: surge então a plenitude, ainda que por um breve instante. Não, a plenitude não pode ser encontrada; é ela quem precisa te encontrar. No desencontro entre quereres, o que mais quero são os pontos cegos.

Obliterar.

Obliterate the memory of coming to at dawn
Knowing only that the night was someplace that you had gone
And the amber waves on the showboat of laughter
And you cannot change the way you slid down railings in the lobby
And then again down the gangway shortly after

Obliterate the memory of coming to at dawn
Knowing only that the night has gone
Obliterate the grass stains from the cloth
You were only in the grassy fields to pick a hollyhock
You want to stick it to the stem again
By fusing up the atoms and then believe that it will live again
Just from the power of your refusing to believe it cannot happen

Obliterate the memory of coming to at dawn
Knowing only that the night has gone
Obliterate the memory of coming to at dawn
Knowing only that the night has gone

Obliterate the cherry and the wild berry juices
That you trailed along the hallways of the whorehouse that you used
As a store room for your fox furs and the harvest from the orchard
Full of hollyhocks and cherry trees and other flowery images
Of course you wanted everything cold
But when you opened up the door everything got old
I said of course you wanted everything cold
But when you opened up the door all the flower petals folded

Obliterate your speech so you cannot ask forgiveness
For hanging with the vampires when there was no one to witness
The submission of the skin upon your neck
All they wanted was a dance you gave your peace of mind instead
There is a tower with a winding set of stairs
You will descend into the absolute light
Into the absoluteness of light
And come aware
And become aware

(Coming to at Dawn, Sunset Rubdown)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Coming to at Dawn.

Porque não basta escrever o disco do ano. Porque não basta escrever o(s) disco(s) internacional(is) da década. Porque não basta escrever as canções da minha vida. Porque não basta. Porque nunca basta - a chama ainda continua acesa.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O círculo dos sentimentos humanos.

Os japoneses consideram o supremo empreendimento da vida o cumprimento das próprias obrigações. Aceitam inteiramente o fato de que o cumprimento do on implica em sacrificar os desejos e os prazeres pessoais. A idéia de que a busca da felicidade seja uma finalidade séria na vida é para eles uma doutrina imoral, de causar estupefação. A felicidade é uma distração a que a pessoa se entrega quando pode, sendo, no entanto, de todo inconcebível dignificá-la como algo através do qual o Estado e a família devam ser julgados. O fato de que um homem muito sofra para atender às suas obrigações de chu, ko e giri está bem dentro de suas expectativas. Torna a vida dura, mas estão preparados para isso. Constantemente renunciam a prazeres que de modo algum consideram perversos. O que exige força de vontade vem a ser a mais admirada virtude no Japão.

(O Crisântemo e a Espada, Ruth Benedict)

sábado, 13 de junho de 2009

Seus problemas acabaram (2).

Depois dos estrondoso sucesso de Alegran 1850mg, a sua dose diária de felicidade, já chegou às farmácias Enganol 2000mg, a 'verdade-em-si-mesma'. Não espere mais! Prepare já o seu delicioso coquetel! A sua vida nunca mais será a mesma!

A Odisséia do Rancor (4).

O conhecimento arruína o amor: à medida que desvendamos nossos próprios segredos detestamos nossos semelhantes, precisamente porque se assemelham a nós. Quando já não se tem ilusões sobre si mesmo, também não se tem sobre os outros; o inominável, que se descobre por introspecção, estende-se, por uma generalização legítima, ao resto dos mortais; depravados em sua essência, não nos equivocamos ao atribuir-lhes todos os vícios. Curiosamente, a maioria dos mortais se revelam inaptos ou renitentes a detectar os vícios, a constatá-los em si mesmos ou nos outros. É fácil fazer o mal: todo mundo consegue; assumi-lo explicitamente, reconhecer sua inexorável realidade é, por outro lado, uma proeza insólita. Na prática, qualquer um pode rivalizar com o diabo; na teoria não ocorre o mesmo. Cometer horrores e conceber o horror são dois atos irredutíveis um ao outro: não há nada em comum entre o cinismo vivido e o cinismo abstrato. Desconfiemos dos que aderem a uma filosofia tranqüilizadora, dos que crêem no Bem e o erigem em ídolo; não teriam chegado a isso se, debruçados honestamente sobre si mesmos, tivessem sondado suas profundezas ou seus miasmas; mas aqueles poucos que tiveram a indiscrição ou a infelicidade de mergulhar até as profundezas de seu ser, conhecem bem o que é o homem: não poderão mais amá-lo, pois não amam mais a si próprios, embora continuem - e esse é seu castigo - mais apegados a seu eu do que antes...

Para que pudéssemos conservar a fé em nós e nos outros, e para que não percebêssemos o caráter ilusório, a nulidade de todo ato, a natureza nos fez opacos a nós mesmos, sujeitos a uma cegueira que gera o mundo e o governa. Se realizássemos uma investigação exaustiva sobre nós mesmos, o nojo nos paralisaria e nos condenaria a uma existência sem proveito. A incompatibilidade entre o ato e o conhecimento de si mesmo parece ter escapado a Sócrates; sem isto, na sua qualidade de pedagogo, de cúmplice do homem, teria ousado adotar o lema do oráculo com todos os abismos de renúncia que supõe e aos quais nos convida?

(História e Utopia, Emil Cioran)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Deus (4).

O Deus Selvagem.

Só existe uma liberdade: a de aceitar a morte. Depois disso, tudo é possível.

(Albert Camus)


A vida é, de fato, uma batalha. O mal é insolente e forte; a beleza, encantadora mas rara; a bondade tende a ser fraca; a loucura tende a ser rebelde; a perversidade, a levar a melhor; os imbecis, a ocupar as posições superiores; as pessoas de bom senso, a ocupar posições inferiores, e a humanidade, a ser, no geral, infeliz. Mas o mundo como ele é não é uma ilusão, não é um fantasma, não é um pesadelo de uma noite; acordamos para ele novamente para todo e todo o sempre; não podemos esquecê-lo, nem negá-lo, nem renunciar a ele.

(Henry James)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Olhos.

que foi Hillé?
o olho dos bichos, mãe
que é que tem o olho dos bichos?
o olho dos bichos é uma pergunta morta.
E depois vi os olhos dos homens, fúria e pompa, e mil perguntas mortas e pombas rodeando um oco e vi um túnel extenso forrado de penugem, asas e olhos, caminhei dentro do olho dos homens, um mugido de medo garras sangrentas segurando ouro, geografias do nada, frias, álgidas, vórtice de gentes, os beiços secos, as costelas à mostra, e rodeando o vórtice homens engalanados fraque e cartola, de seus peitos duros saíam palavras Mentira, Engodo, Morte, Hipocrisia, vi o Porco-Menino estremecendo de gozo vendo o Todo, suas mãozinhas moles reverberavam no cinza oleoso, ele estendia os dedos miúdos para o alto, procurava quem? Seu irmão gêmeo, estático, os olhos cegos em direção ao próprio peito, a cabeça pendida, o corpo perolado, excrescência e nácar.

(A Obscena Senhora D, Hilda Hilst)

A Odisséia do Rancor (3).

A capacidade de desistir constitui o único critério do progresso espiritual: não é quando as coisas nos abandonam, mas quando nós as abandonamos que atingimos a nudez interior, esse extremo em que já não pertencemos mais nem ao mundo nem a nós mesmos, extremo no qual vitória significa demitir-se, renunciar com serenidade, sem remorsos e, sobretudo, sem melancolia; pois a melancolia, por discretas e etéreas que sejam suas aparências, implica ainda ressentimento; é um devaneio carregado de agrura, uma inveja disfarçada de languidez, um rancor vaporoso.

(História e Utopia, Emil Cioran)

Dicioranário.

Viver - enganar, ser enganado e enganar-se o tempo todo.

Deus (3).


A Odisséia do Rancor (2).

Em vez de pôr a culpa em nós mesmos pela fragilidade de nossa compleição, responsabilizamos os outros pelo menor incômodo, até por uma enxaqueca; os acusamos de fazer-nos pagar por sua saúde, de estar pregados na cama para que eles possam mover-se e agitar-se à vontade.

(História e Utopia, Emil Cioran)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Odisséia do Rancor.

Criar é legar seus sofrimentos, é querer que os outros mergulhem nele e os assumam, impregnem-se deles e os revivam. Isso é verdade para um poema e pode ser verdade para o cosmos. Sem a hipótese de um deus febril, obcecado, sujeito a convulsões, embriagado de epilepsia, não poderíamos explicar este universo que em tudo traz as marcas de uma baba original. E adivinhamos a essência desse deus quando nós mesmos experimentamos um tremor semelhante ao que ele deve ter sentido nos momentos em que lutava contra o caos. Pensemos nele com tudo o que em nós é contrário à forma ou ao bom senso; nos aproximamos dele através de súplicas que nos deslocam, pois ele fica próximo de nós toda vez que algo, em nós, se rompe e que, à nossa maneira, também enfrentamos o caos. Teologia sumária? Contemplando esta criação sabotada, como não incriminar seu autor? Como, sobretudo, julgá-lo hábil ou simplesmente destro? Qualquer outro deus teria dado provas de maior competência ou equilíbrio do que ele: para onde quer que se olhe, só existe erro e confusão. É impossível não absolvê-lo, mas também é impossível não compreendê-lo. E nós o compreendemos por tudo o que em nós é fragmentário, inacabado, malfeito. Sua empresa carrega os estigmas do provisório, e, no entanto, não foi o tempo que lhe faltou para realizá-la bem. Para nossa desgraça, ele foi inexplicavelmente apressado. Por uma ingratidão legítima, e para que sinta o nosso mau humor, nos esforçamos – peritos em anti-Criação – para deteriorar seu edifício, para tornar ainda mais miserável uma obra já comprometida desde seu início. Sem dúvida seria mais sensato e mais elegante não tocar nela, deixá-la tal e qual, não vingar-nos nela da incapacidade de seu Criador; mas como ele nos transmitiu seus defeitos, não temos por que termos consideração com Ele. Se, em última instância, O preferimos aos homens, isso não O coloca a salvo de nossos maus humores. Talvez só tenhamos concebido Deus para justificar e regenerar nossas revoltas, para dar-lhes um objeto digno, para impedir que se extenuem e se aviltem, realçando-as pelo abuso revigorante do sacrilégio, réplica às seduções e aos argumentos dos desânimos. Jamais nos desembaraçaremos de Deus. Tratá-Lo de igual para igual, como inimigo, é uma impertinência que fortifica, que estimula, e são dignos de lástima aqueles a quem Ele não irrita mais. Que sorte, em compensação, poder – sem cerimônia – responsabilizá-Lo por todas as nossas misérias, humilhá-Lo e injuriá-Lo, não perdoá-Lo em momento algum, nem sequer em nossas orações!

Segundo o testemunho dos livros sagrados, também Ele sente rancor, cujo monopólio não possuímos, pois a solidão, por mais absoluta que seja, não preserva este sentimento. Que mesmo para um deus não seja bom estar só, isto significa: criamos o mundo para ter quem atacar, em quem exercitar nossa verve e nossas afrontas.

(História e Utopia, Emil Cioran)

Labirinto.

Na força reside a fraqueza do homem.
Na fraqueza reside a força do homem.

Pecado Original (2).

E tudo (re)começou quando surgiu o som daquela gargalhada.

Pecado Original.

E tudo começou quando a árvore deixou de ser apenas uma árvore.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Prólogo.

Ulrich, el héroe de la gran novela de Robert Musil, era –tal como lo anunciaba el título de la obra – Der Mann ohne Eigenschaften: El hombre sin atributos. Al carecer de atributos propios, ya fueran heredados o adquiridos irreversiblemente y de manera definitiva, Ulrich debía desarrollar, por medio de su propio esfuerzo, cualquier atributo que pudiera haber deseado poseer, empleando para ello su propia inteligencia e ingenio; pero sin garantías de que esos atributos duraran indefinidamente en un mundo colmado de señales confusas, com tendencia a cambiar rápidamente y de maneras imprevisibles.

El héroe de este libro es Der Mann ohne Verwandtschaften, El hombre sin vínculos, y particularmente sin vínculos tan fijos y establecidos como solían ser las relaciones de parentesco en la época de Ulrich. Por no tener vínculos inquebrantables y establecidos para siempre, el héroe de este libro –el habitante de nuestra moderna sociedad líquida– y sus sucesores de hoy deben amarrar los lazos que prefieran usar como eslabón para ligarse con el resto del mundo humano, basándose exclusivamente en su propio esfuerzo y con La ayuda de sus propias habilidades y de su propia persistencia. Sueltos, deben conectarse… Sin embargo, ninguna clase de conexión que pueda llenar el vacío dejado por los antiguos vínculos ausentes tiene garantía de duración. De todos modos, esa conexión no debe estar bien anudada, para que sea posible desatarla rápidamente cuando las condiciones cambien… algo que en la modernidad líquida seguramente ocurrirá una y otra vez.

Este libro procura desentrañar, registrar y entender esa extraña fragilidad de los vínculos humanos, el sentimiento de inseguridad que esa fragilidad inspira y los deseos conflictivos que ese sentimiento despierta, provocando el impulso de estrechar los lazos, pero manteniéndolos al mismo tiempo flojos para poder desanudarlos.

Al carecer de la visión aguda, la riqueza de la paleta y la sutileza de la pincelada de Musil –de hecho, cualquiera de esos exquisitos talentos que convirtieron a Der Mann ohne Eigenschaften en el retrato definitivo del hombre moderno– tengo que limitarme a esbozar una carpeta llena de burdos bocetos fragmentarios en vez de pretender un retrato completo, y menos aún definitivo. Mi máxima aspiración es lograr un identikit, un fotomontaje que puede contener tanto espacios vacíos como espacios llenos. E incluso esa composición final será una tarea inconclusa, que los lectores deberán completar.

El héroe principal de este libro son las relaciones humanas. Los protagonistas de este volumen son hombres y mujeres, nuestros contemporáneos, desesperados al sentirse fácilmente descartables y abandonados a sus propios recursos, siempre ávidos de la seguridad de la unión y de una mano servicial con la que puedan contar en los malos momentos, es decir, desesperados por “relacionarse”. Sin embargo, desconfían todo el tiempo del “estar relacionados”, y particularmente de estar relacionados “para siempre”, por no hablar de “eternamente”, porque temen que ese estado pueda convertirse en una carga y ocasionar tensiones que no se sienten capaces ni deseosos de soportar, y que pueden limitar severamente la libertad que necesitan – sí, usted lo ha divinado– para relacionarse…

En nuestro mundo de rampante “individualización”, las relaciones son una bendición a medias. Oscilan entre un dulce sueño y una pesadilla, y no hay manera de decir en qué momento uno se convierte en la otra. Casi todo el tiempo ambos avatares cohabitan, aunque en niveles diferentes de conciencia. En un entorno de vida moderno, las relaciones suelen ser, quizá, las encarnaciones más comunes, intensas y profundas de la ambivalencia. Y por eso, podríamos argumentar, ocupan por decreto el centro de atención de los individuos líquidos modernos, que las colocan en el primer lugar de sus proyectos de vida.

Las “relaciones” son ahora el tema del momento y, ostensiblemente, el único juego que vale la pena jugar, a pesar de sus notorios riesgos. Algunos sociólogos, acostumbrados a elaborar teorías a partir de las estadísticas de las encuestas y de convicciones de sentido común, como las que registran esas estadísticas, se apresuran a concluir que sus contemporáneos están dispuestos a la amistad, a establecer vínculos, a la unión, a la comunidad. De hecho, sin embargo (como si se cumpliera la ley de Martin Heidegger, que afirma que las cosas se revelan a la conciencia solamente por medio de la frustración que causan, arruinándose, desapareciendo, comportándose de manera inesperada o traicionando su propia naturaleza), la atención humana tiende a concentrarse actualmente en la satisfacción que se espera de las relaciones, precisamente porque no han resultado plena y verdaderamente satisfactorias; y si son satisfactorias, el precio de la satisfacción que producen suele considerarse excesivo e inaceptable. En su famoso experimento, Miller y Dollard observaron que sus ratas de laboratorio alcanzaban un pico de conmoción y agitación cuando “la adiance igualaba la abiance”, es decir, cuando la amenaza de una descarga eléctrica y la promesa de una comida apetitosa estaban perfectamente equilibradas…

No es raro que las “relaciones” sean uno de los motores principales del actual “boom del counselling”. Su grado de complejidad es tan denso, impenetrable y enigmático que un individuo rara vez logra descifrarlo y desentrañarlo por sí solo. La agitación de las ratas de Miller y Dollard casi siempre se diluía en la inacción. La incapacidad de elegir entre atracción y repulsión, entre esperanza y temor, desembocaba en la imposibilidad de actuar. A diferencia de las ratas, los seres humanos que se encuentran en circunstancias semejantes pueden recurrir al auxilio de expertos consultores que ofrecen sus servicios a cambio de honorarios. Lo que esperan escuchar de boca de ellos es cómo lograr la cuadratura del círculo: cómo comerse la torta y conservarla al mismo tiempo, cómo degustar las dulces delicias de las relaciones evitando los bocados más amargos y menos tiernos; cómo lograr que la relación les confiera poder sin que la dependencia los debilite, que los habilite sin condicionarlos, que los haga sentir plenos sin sobrecargarlos…

Los expertos están dispuestos a asesorar, seguros de que la demanda de asesoramiento jamás se agotará, ya que no hay consejo posible que pueda hacer que un círculo se vuelva cuadrado… Sus consejos abundan, aunque con frecuencia apenas logran que las prácticas comunes asciendan al nivel del conocimiento generalizado, y éste a su vez a la categoría de teoría erudita y autorizada. Los agradecidos destinatarios del consejo revisan las columnas sobre “relaciones” de los suplementos semanales o mensuales de los periódicos serios y menos serios buscando escuchar de las personas “que saben” lo que siempre han querido escuchar, ya que son demasiado tímidos o pudorosos como para decirlo por sí mismos; de ese modo se enteran de las idas y venidas de “otros como ellos” y se consuelan como pueden con la idea, respaldada por expertos, de que no están solos en sus solitarios esfuerzos por enfrentar esa encrucijada.

A través de la experiencia de otros lectores, reciclada por los counsellors, los lectores se enteran de que pueden intentar establecer “relaciones de bolsillo”, que “se pueden sacar en caso de necesidad”, pero que también pueden volver a sepultarse en las profundidades del bolsillo cuando ya no son necesarias. O de que las relaciones son como la Ribena: si se la bebe sin diluir, resulta nauseabunda y puede ser nociva para la salud… –al igual que la Ribena, las relaciones deben diluirse para ser consumidas–. O de que las “parejas biertas” son loables por ser “relaciones revolucionarias que han logrado hacer estallar la asfixiante burbuja de la pareja”. O de que las relaciones, como los autos, deben ser sometidas regularmente a una revisión para determinar si pueden continuar funcionando. En suma, se enteran de que el compromiso, y en particular el compromiso a largo plazo, es una trampa que el empeño de “relacionarse” debe evitar a toda costa. Un consejero experto informa a los lectores que “al comprometerse, por más que sea a medias, usted debe recordar que tal vez esté cerrándole la puerta a otras posibilidades amorosas que podrían ser más satisfactorias y gratificantes”. Otro experto es aún más directo: “Lãs promesas de compromiso a largo plazo no tienen sentido… Al igual que otras inversiones, primero rinden y luego declinan”. Y entonces, si usted quiere “relacionarse”, será mejor que se mantenga a distancia; si quiere que su relación sea plena, no se comprometa ni exija compromiso. Mantenga todas sus puertas abiertas permanentemente.

Si uno les preguntara, los habitantes de Leonia, una de las “ciudades invisibles” de Italo Calvino, dirían que su pasión es “disfrutar de cosas nuevas y diferentes”. De hecho, cada mañana “estrenan ropa nueva, extraen de su refrigerador último modelo latas sin abrir, escuchando los últimos jingles que suenan desde una radio de última generación”. Pero cada mañana “los restos de la Leonia de ayer esperan el camión del basurero”, y uno tiene derecho a preguntarse si la verdadera pasión de los leonianos no será, en cambio, “el placer de expulsar, descartar, limpiarse de una impureza recurrente”. Si no es así, por qué será que los barrenderos son “bienvenidos como ángeles”, aun cuando su misión está “rodeada de un respetuoso silencio”. Es comprensible: “una vez que las cosas han sido descartadas, nadie quiere volver a pensar en ellas”.

Pensemos…

¿Los habitantes de nuestro moderno mundo líquido no son como los habitantes de Leonia, preocupados por una cosa mientras hablan de otra? Dicen que su deseo, su pasión, su propósito o su sueño es “relacionarse”. Pero, en realidad, ¿no están más bien preocupados por impedir que sus relaciones se cristalicen y se cuajen? ¿Buscan realmente relaciones sostenidas, tal como dicen, o desean más que nada que esas relaciones sean ligeras y laxas, siguiendo el patrón de Richard Baxter, según el cual se supone que las riquezas deben “descansar sobre los hombros como un abrigo liviano” para poder “deshacerse de ellas en cualquier momento”? En definitiva, ¿qué clase de consejo están buscando verdaderamente? ¿Cómo anudar la relación o cómo –por si acaso– deshacerla sin perjuicio y sin cargos de conciencia? No hay respuestas fáciles a esa pregunta, aunque es necesario formularla, y seguirá siendo formulada mientras los habitantes del moderno mundo líquido sigan debatiéndose bajo el peso abrumador de la tarea más ambivalente de las muchas que deben enfrentar cada día.

Tal vez la idea misma de “relación” aumente la confusión. Por más arduamente que se esfuercen los desdichados buscadores de relaciones y sus consejeros, esa idea se resiste a ser despojada de sus connotaciones perturbadoras y aciagas. Sigue cargada de vagas amenazas y premoniciones sombrías: transmite simultáneamente los placeres de la unión y los horrores del encierro. Quizás por eso, más que transmitir su experiencia y expectativas en términos de “relacionarse” y “relaciones”, la gente habla cada vez más (ayudada e inducida por consejeros expertos) de conexiones, de “conectarse” y “estar conectado”. En vez de hablar de parejas, prefieren hablar de “redes”. ¿Qué ventaja conlleva hablar de “conexiones” en vez de “relaciones”?

A diferencia de las “relaciones”, el “parentesco”, la “pareja” e ideas semejantes que resaltan el compromiso mutuo y excluyen o soslayan a su opuesto, el descompromiso, la “red” representa una matriz que conecta y desconecta a la vez: la redes sólo son imaginables si ambas actividades no están habilitadas al mismo tiempo. En una red, conectarse y desconectarse son elecciones igualmente legítimas, gozan del mismo estatus y de igual importancia. ¡No tiene sentido preguntarse cuál de las dos actividades complementarias constituye “la esencia” de una red! “Red” sugiere momentos de “estar en contacto ”intercalados con períodos de libre merodeo. En una red, las conexiones se establecen a demanda, y pueden cortarse a voluntad. Una relación “indeseable pero indisoluble” es precisamente lo que hace que una “relación” sea tan riesgosa como parece. Sin embargo, una “conexión indeseable” es un oxímoron: las conexiones pueden ser y son disueltas mucho antes de que empiecen a ser detestables.

Las conexiones son “relaciones virtuales”. A diferencia de las relaciones a la antigua (por no hablar de las relaciones “comprometidas”, y menos aún de los compromisos a largo plazo), parecen estar hechas a la medida del entorno de la moderna vida líquida, en la que se supone y espera que las “posibilidades románticas” (y no sólo las “románticas”) fluctúen cada vez con mayor velocidad entre multitudes que no decrecen, desalojándose entre sí con la promesa “de ser más gratificante y satisfactoria” que las anteriores. A diferencia de las “verdaderas relaciones”, las “relaciones virtuales” son de fácil acceso y salida. Parecen sensatas e higiénicas, fáciles de usar y amistosas con el usuario, cuando se las compara con la “cosa real”, pesada, lenta, inerte y complicada. Un hombre de Bath, de 28 años, entrevistado en relación con la creciente popularidad de las citas por Internet en desmedro de los bares de solas y solos y las columnas de corazones solitarios, señaló una ventaja decisiva de la relación electrónica: “uno siempre puede oprimir la tecla ‘delete’”.

Como si obedecieran a la ley de Gresham, las relaciones virtuales (rebautizadas “conexiones”) establecen el modelo que rige a todas las otras relaciones. Eso no hace felices a los hombres y las mujeres que sucumben a esa presión; al menos no los hace más felices de lo que eran con las relaciones previrtuales. Algo se gana, algo se pierde.

Tal como señaló Ralph Waldo Emerson, cuando uno patina sobre hielo fino, la salvación es la velocidad. Cuando la calidad no nos da sostén, tendemos a buscar remedio en la cantidad. Si el “compromiso no tiene sentido” y las relaciones ya no son confiables y difícilmente duren, nos inclinamos a cambiar la pareja por las redes. Sin embargo, una vez que alguien lo ha hecho, sentar cabeza se vuelve aún más difícil (y desalentador) que antes –ya que ahora carece de las habilidades que podrían hacer que la cosa funcionara–. Seguir en movimiento, antes un privilegio y un logro, se convierte ahora em obligación. Mantener la velocidad, antes una aventura gozosa, se convierte en un deber agotador. Y sobre todo, la fea incertidumbre y la insoportable confusión que supuestamente la velocidad ahuyentaría, aún siguen allí. La facilidad que ofrecen el descompromiso y la ruptura a voluntad no reducen los riesgos, sino que tan sólo los distribuyen, junto con las angustias que generan, de manera diferente.

Este libro está dedicado a los riesgos y angustias de vivir juntos, y separados, en nuestro moderno mundo líquido.

(Amor Líquido, Zygmunt Bauman)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Tudo que eu sempre sonhei.

Sempre pensei que aconteceria,
de criança acreditava nos adultos
que era só pagar pra ver.
Feio, meio assim desconfiado,
perna em xis, já barrigudo,
duvidando que eu conseguisse
crescer.

Mesmo assim, contudo, o tempo foi passando
e eu fui adiando, mudo,
os grandes dias que ia conhecer.

Quem sabe amanhã? Próximo ano?
Cebolinha com seus planos
infalíveis ia me ensinar a ser
forte,
corajoso, bom de bola,
um dos bonitos da escola
muito embora eu não fizesse
questão.
Ainda bem que eu sou brasileiro,
tão teimoso, esperançoso,
orgulhoso de ser pentacampeão,
já que se eu fosse americano
pegaria uma pistola
e a cabeça ia perder a razão:
mataria quinze na escola,
estouraria a caixola
e apareceria na televisão.

E por fim cresci, de insulto em insulto
eu me vi como um adulto,
culto, pronto pra o que mesmo?
Já nem sei.
Olho e não encontro,
penso se não fui um tonto
de acreditar no conto
do vigário que escutei.

Não tem carro me esperando,
não tem mesa reservada,
só uma piada sem graça de português.
Não tem vinho nem champanhe ou taça,
só um dedo de cachaça
e um troco magro todo fim de mês.

Tudo
que eu sempre sonhei.
Tanto que eu consegui…
É tão bom estar
aqui…
Quanto ainda está por vir…

Mas bobagem, quanta amargura,
eu já sei que a vida é dura,
agora é pura questão de se acostumar.
Basta ter coragem e finura
e o jogo de cintura
aprendido dia a dia, bar em bar.

Pra que reclamar se tem conhaque,
se na tevê tem um craque
e o meu Timão só entra pra ganhar?
Pra que imitar Chico Buarque,
pra que querer ser um mártir
se faz parte do momento se entregar?

E por fim tem até namorada,
bonitinha, educada,
séria, tudo o que mamãe vive a pedir.
Tem beijinho e também trepada
e a consciência pesada
a cada nova vontadinha que surgir
de outra mulher, de liberdade,
de um amor de verdade,
de poder fechar os olhos e sorrir,
pensando que então, dali pra frente,
seja qual for tua idade,
o melhor ainda vai estar por vir!

Tudo o que eu sempre sonhei.
Tanto que eu
consegui…
É tão bom estar aqui…
Quanto ainda está por vir…

Tudo que
eu sempre sonhei.
Tanto que eu consegui…
É tão bom estar aqui…
Eu sei.

(Tudo Que Eu Sempre Sonhei, Pullovers)