quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Sem Palavras

Eu sei que nada tenho a dizer,
Mas acabei dizendo sem querer
Palavra bandida!
Sempre arruma um jeito de escapar (hum!)

Seria tudo muito melhor
Se a música falasse por si só
Dá raiva da vida
Nada existe sem classificar (não!)

Penso, tento
Achar palavras pro meu sentimento
Tanto é pouco, nada diz
Não é triste, nem feliz

Mesmo sendo
Um pranto, um choro ou qualquer lamento
Nada importa, tanto faz
Se é pra sempre ou nunca mais

Pensei em mil palavras, e enfim
Nenhuma das palavras coube em mim
Não vejo saída
Como vou dizer sem me calar?

Diria mudo tudo o que faz
Minha vida andar de frente para trás
Uma frase perdida
Num discurso feito de olhar

Penso, tento
Achar palavras pro meu sentimento
Tanto é pouco, nada diz
Não é triste, nem feliz

Mesmo sendo
Um pranto, um choro ou qualquer lamento
Nada importa, tanto faz
Se é pra sempre ou nunca mais

Não é meigo, nem é lindo
Não é raso, não é pouco, nem é tudo
Não é fato, nem é mito
Não é raro, não é oco, nem é nulo
Não é isso, não é outro
Não é chato, não é mito, naõ é chulo
Não, não, não, não

Eu sei que nada tenho a dizer
Pensei em mil palavras, e enfim
Seria tudo muito melhor
Pensei
Seria
Se um dia alguém puder me entender

(Móveis Coloniais de Acaju)


http://www.youtube.com/watch?v=bEiMpE289Mg

Violins Cab For Cutie.

Não bastasse aquela letra sensacional e que descreve tão bem a Thais, O Pregador ironicamente parece ter saído de uma das sessões de gravação do We Have the Facts and We're Voting Yes.

De Old Books à Cab For Cutie.
Aiaiaiaiaiaiai...

Enquanto isso, no divã...

- Minha vida é um gráfico.
- Um gráfico?
- Isso, uma senóide - digo enquanto faço as curvas com o dedo no ar.
- "Minha vida é um gráfico"... Engraçado isso...


Off: melhor falar em gráfico do que em coito interrompido.

Insônia (2)

Na verdade ainda não estou com insônia. Mas temo que em pouco tempo possa estar novamente.

Terminei há questão de minutos de ler O Lobo da Estepe. Ainda estou meio confuso quanto ao que li - tanto por não ser uma obra das mais simples, quanto, principalmente, por tê-lo lido por lê-lo.

Tanta coisa atravessa a minha cabeça ao mesmo tempo. Parece que a cada instante a vida morre, algo se perde para sempre. E não digo isso apenas pela inevitabilidade do tempo - sim, estamos em um contínuo.

O problema é que invariavelmente você, Thais, continua a habitar meus pensamentos. Ainda hoje estava relendo um dos primeiros posts desse blog, talvez o primeiro em termos de profundidade, ao qual intitulei, por conta da poesia do Drummond, Congresso Internacional do Medo. Sem que eu sequer me lembrasse acabei percebendo que eu já havia chegado a uma conclusão a qual a mesma me confidenciou em conversa via msn ontem.

E reler aquele post ainda hoje faz tanto sentido para mim. O post que abre toda a minha especulação em torno dela. E que, no entanto, contem a chave para o entendimento da Thais. E é exatamente do mesmo inconformismo que padeço diante de um destino aparentemente tão certo. A sensação de ter tanto a fazer, a dizer, a sentir e saber que isso irá ficar preso dentro de você é angustiante. Não é possível pura e simplesmente que as coisas tenham que ser como são. É essa a frase que martela minha cabeça.

É saber que o amor é algo realmente inútil que não nos leva a lugar nenhum - e que poderia muito bem nos levar. É ficar preso ao abismo do pensar, fingindo sentir. É o não tentar. Isso é o que dói.

De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre começando; a certeza de que é preciso continuar; a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar. Portanto devemos fazer da interrupção um caminho novo; da queda um passo novo de dança; do medo, uma escada; do sonho, uma ponte e da procura, um encontro.

Quisera você estivesse certo, Sabino.
Quisera viver tivesse a ver com fome.

(I Don't Know) Where I'm Anymore

Preste atenção aos corpos
pra sentir
preste atenção às coisas
pra sentir


Sentir. O abismo entre pensar e sentir. Pensar.

Porque tá sempre prestes a explodir na ânsia que tem de viver e de repente por isso que parece que vai viver pouco.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...


Diariamente eu fico pensando na minha vida. E chego sempre a mesma conclusão: ela realmente é uma grande fantasia. Não é uma vida. É um pensamento a respeito da vida. Uma vida sem vida; quase minha vida sem mim. A impressão permanente que eu tenho é a de que sou um ator coadjuvante em minha própria vida. Quero tanto ter o controle sobre o que eu sinto, sobre o que eu penso e no entanto tudo isso não passa de uma farsa. Não passa de um efeito besta, de um enganar. A ação, a palavra, tudo isso que parece tão concreto, tão verdadeiro parece, no fim das contas, ser totalmente desprovido de realidade. É um mar cheio vazio no qual eu acho que estou flutuando. Falta justamente vida na minha vida - ou então eu não sei de fato o que é viver.

Sobreviver talvez seja a palavra que melhor se adapte a mim. Porque entre o viver e o sentir vivo existe um abismo profundo. Dá para contar nos dedos as vezes em que eu pude dizer que realmente me senti vivo. Eu fico pensando se a minha vida vai ser assim mesmo sempre, se daqui a 10, 20, 30 anos será a mesma coisa...

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Mata Gente (Saudade)

Saudade é como um parafuso
Que quando não rosca cai
Só entra se for girando

Por que batendo não vai
Depois que enferruja por dentro

Pode quebrar que não sai
E seguem os mortos vivendo

E nosso amor nunca mais
Quem quiser plantar da saudade

Primeiro escalde a semente
Plante num lugar bem seco

Onde o sol bata mais quente
Pois se planta no molhado

Quando nasce mata gente

Chegou carta de manhã
Eu não me concentro em nada
Chegou carta de manhã
A pedra do peito está lavada

(Railton Sarmento)


Versão matadora e definitiva do Wado para ficar com o coração na mão:

http://www.youtube.com/watch?v=4oCk4iqSZzA

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O Jardineiro do Rei.

"Eu gostaria de te falar as palavras mais profundas que tenho para ti; mas não me atrevo, porque poderias rir de mim. Então eu me rio de mim mesmo e diluo o meu segredo em brincadeiras. Caçôo da minha dor, para que não caçoes tu...

Eu gostaria de te dizer as palavras mais verdadeiras que tenho para ti; mas não me atrevo, porque poderias não me acreditar. Então eu as disfarço em mentiras, dizendo o contrário do que eu gostaria. Torno absurda a minha dor, para que não o faças tu...

Eu gostaria de usar as palavras mais preciosas que tenho para ti; mas não me atrevo, porque poderias me pagar com palavras de igual valor. Então eu te falo com rudeza e caçôo de ti com a minha força endurecida. Eu te maltrato, para que jamais conheças a minha dor...

Eu gostaria de sentar-me ao teu lado, em silêncio; mas não me atrevo, para que o meu coração não me saia pela boca. Então eu fico tagarelando e brincando, escondendo o meu coração por trás das palavras. Controlo duramente a minha dor; para que não a controles tu..."

(Rabindranath Tagore)

Como é que se diz eu te amo.

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

(Teresa, Manuel Bandeira)

Alter-Ego ou Quebra-Cabeça (2)

Trapezista - Asas do Desejo

Dando continuidade a esta seção, a faceta da personalidade que explorarei hoje será aquela presente na personagem da Trapezista do filme Asas do Desejo, do Wim Wenders. Antes de mais nada, por indicação da Thais, resolvi alugar o filme Cidade dos Anjos, apesar de sempre ter me negado fazê-lo antes devido a presença de Nicolas Cage em seu elenco. Certo tempo depois resolvi procurar na internet por informações a respeito do filme Paris, Texas, do Wim Wenders quando, num blog, me deparo com o seguinte comentário: mal sabia eu que dois anos mais tarde o Wim Wenders iria me emocionar ainda mais. Fiquei curioso e intrigado em saber o nome e a sinopse de tal filme. Quando procuro a filmografia do Wenders, no referido ano está o título Asas do Desejo. Leio a sinopse e percebo a semelhança com a história presente em Cidade dos Anjos. Procurando mais um pouquinho encontro o motivo real de tal semelhança: Cidade dos Anjos é uma refilmagem de Asas do Desejo. Acabei resolvendo assisti-lo e eis que me deparo com a Thais presente na personagem supracitada.

O que há em comum entre as duas? Acho aque o mesmo que há em comum entre a Thais e a Clarice Lispector: o vazio da alma diante do absurdo da vida; uma certa angústa conformada; uma maturidade desproporcional. Embora todo o filme explore o recurso do fluxo de consciência, com narração dos pensamentos, isso fica muito mais patente nas falas emocionadas da trapezista ao invocar sua solidão e a procura diante dos caminhos impostos pela vida. Há uma dicotomia clara entre a postura dela no contato com o outro e no contato consigo mesma: ser x parecer. A própria metáfora da profissão trapezista reforça a luta pelo equilíbrio entre o ser e o parecer que me parece ser algo tão marcante na Thais e está também presente na personagem Clarissa Vaughn interpretada por Meryl Streep em As Horas. Não que isso signifique falsidade por parte da trapezista (e por consequencia, da Thais), mas sim uma omissão. Diz da própria dificuldade de se fazer bem compreendida por outrém, pelo medo do contato com seu íntimo, pelo próprio medo de se expor. A introspecção ganha um ar de redenção na Thais, de alguma maneira. E é isso que ressoa na trapezista. As cenas em que o seu fluxo de consciência aparecem são extremamente fortes e revelam todo um mundo que dificilmente alguém de fora, apenas de olhar, teria noção de que existiria. Um mundo em erupção precisando vir a tona mas que acaba sendo auto-censurado. Um grito que não sai da garganta. Urgência que tem seu pulso cortado.

As coisas devem ser simples, eu é que complico.

Não. Olhar de fora é sempre mais simples - e as vezes realmente necessário. No entanto, sentir é difícil. Lidar com os outros não é tarefa fácil, Thais. Mas é preciso tentar. Porque é lidando com os outros que conhecemos melhor a nós mesmos. Embora jamais chegemos a uma situação em que nos sintamos plenos, auto-suficientes, preeenchidos, é só no contato com o outro que conseguimos atingir esses pequenos momentos de completude. É isso justamente o que revela a fala final da trapezista, com toda a incoerencia coerente; com toda a incerteza certa; com toda a melancolia alegre, fragilidade forte e beleza em seu primeiro encontro com o anjo-humano.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Retrato de Iaiá.

Só use o contentamento
pra rir da sua própria dor
não ostente a sua posse a quem não o encontrar
se eu disser que dei nó em minhas veias
pra tentar sentir em mim um coração no peito, preste atenção aos olhos:

pra sentir o vazio no separar que segue
pra permitir que o sopro te sobrecarregue
Só se perca um pouco
seja um outro que você não é

Só use o contentamento
pra rir da sua própria dor
não ostente a sua posse a quem não o encontrar
se puder ser maior
que se confunda com um mar
que inspire em mim um coração no peito

preste atenção às coisas
pra sentir prazer no despreender que segue
pra permitir que o corpo a sua alma regue

só se perca um pouco
seja um outro que você não é

Preste atenção aos corpos
pra sentir
preste atenção às coisas
pra sentir

(O Pregador, Violins)


Dá até vergonha de ter tentado compor alguma música para você, Thais. Essa o meu querido Beto, inconscientemente, fez pensando na senhorita.

Tudo bem?

É tão ruim você ficar esperando ansiosamente o dia todo pela presença de alguém e não poder sequer dizer o quanto ficou morrendo de saudade durante sua ausência.

Especulações.

Talvez no fim das contas, as pessoas por mais que digam o contrário, sentem prazer preenchendo o seu vazio com doses de dor. E não digo apenas isso em relação aos assumidamente masoquistas. Pode parecer uma idéia absurda, esdruxula até, mas há algo de verdadeiro nela. Até porque a dor muitas vezes é o desafio, é o que nos faz cruzar o tempo sem nos darmos pelo mesmo.

O que você espera de uma música?

Eu sonho em envelhecer com você dentro de um cemitério
Em que mortos e vivos confundem-se dançando ao som histérico
Dos fogos num céu vermelho, submersos no que era gelo


O que você espera de uma música, hein?

Daqui a pouco vão pensar que quem está escrevendo é a Mãe - lésbica - do Beto Cupertino de tanto que eu rasgo elogios ao 'pinta'. Mas como ficar indiferente diante de versos como os que estão presentes em 'Festa Universal da Queda'? O que eu posso fazer se ele fala não apenas o que eu gostaria de escutar, mas o que eu precisava ouvir num determinado momento da minha vida?

Sim, essa música letra me lembra a Thais. E a Thais, até o presente momento, é a razão que justifica a existência deste espaço. E as patadas do Beto ressoam com toda a força na minha 'alma':

O apelo de um timbre rouco ninguém se atentou e ouviu
Nos fomos um projeto torto que não deu certo e ruiu

No atropelo de um simples jogo, ninguém acertou quem é Deus
Nos fomos um teste de fogo que mal soube ter o que é seu

É hora de dormir, cada um cuide de si
É hora de dormir, cada um cuide de si, cada um cuide de si


Será mesmo que é hora de dormir? Será que o importante é nos fecharmos dentro de nós mesmos? Parecem perguntas de uma pessoa que não se cansou de apanhar ainda, de um jovem idealista, de um coração Quixotesco. É um paradoxo, porque ao mesmo tempo que minha esperança gota a gota vai se esvaindo - eu disse ao mesmo tempo e é importante frisar isso - ela inecessantemente (talvez misteriosamente seria a palavra mais adequada) insiste em ressurgir novamente. A dor fica e passa. Talvez seja por conta do meu Complexo de Hugo, de ver tudo como efêmero, inútil - ou seria Complexo de Campos, Ana? Até as dores, partindo desse prisma, soam inúteis, por mais que elas sejam reais e me machuquem.

A verdade é que cada dia entendo menos o que sinto pela Thais. Aliás, esse fato a mim soa engraçado, porque foi ela mesma quem disse que não sabe definir o que sente pelas pessoas. E verdade seja dita, eu sei tanto quanto ela (ou melhor, tão pouco quanto). Só que ainda que eu não entenda, eu sinto. E eu simpatizo - muito - com aquela figura tão disforme (sim, disforme e por isso tão atraente, afinal, o que me seduz é sempre o enigma, o inexplicável). Talvez seja justamente a essa simpatia inexplicável, irrevogável e as vezes cega o que constumamos atribuir o nome de Amor. E se eu estiver certo nessa suposição, sinto muito, mas ainda estou apaixonado por esta figurinha.

Eu nunca consegui sentir saudade das coisas bonitas que eu fiz com liberdade.
(Qual a Criança, Violins)


E você, o que espera de uma música?
Eu espero que ela me faça sentir vivo.

Alter-Ego ou Quebra-Cabeça (1)

Desde que dei pela 'idéia' de iniciar este blog, a criação de uma seção específica de textos me acompanhou. Cheguei a esboçar uma tentativa de começa-la, mas até hoje tudo não passou de um rascunho. O meu objetivo, conforme o próprio título deste post tenta sugerir, é tentar criar uma radiografia da complexidade da personalidade da Thais tendo em vista semelhanças entre esta e personagens com os quais me deparo no mundo da arte - sobretudo cinema e literatura. Decerto, esse meu esforço se deve, em grande parte, a minha própria neura de tentar explicar o que está no meu em torno. Sou um escravo dos detalhes, como diz na letra da Leif Erikson e tenho uma enorme mania de fazer associações com os elementos que fazem parte da minha vida. Feita esta breve introdução (outra de minhas manias excessivamente explicativas) vamos ao personagem do dia.

Lourenço - O Cheiro do Ralo

Assisti a este filme por conta de duas indicações, sendo que a principal delas foi a da própria Thais. Admito que à época, apesar de compreender minimamente a proposta do filme, o mesmo não me agradou muito; pareceu um tanto quanto forçado. Fiz este comentário com o Alan e ele, no mesmo momento me deu uma cortada: 'para ser bem franco eu não achei o filme tão estranho assim'. Foi exatamente ontem o mesmo comentário, praticamente com as mesmas palavras, que escutei da boca (na verdade das letras da Thais) durante conversa no MSN. Só que entre um comentário e outro houve um hiato de uns dois meses. E de lá pra cá consegui fazer um pouco melhor a digestão do filme. Não por acaso, quando falei a Thais que eu havia assistido ao filme que ela me indicara, 'soltei' de forma despretenciosamente pretenciosa que ela se parecia com o 'Selton Mello'. Foi o suficiente para que ela fisgasse a isca.

Dificilmente eu entenderia a riqueza da personagem Lourenço se eu não tivesse acesso a Thais. Entre a fala dela e a fala do Alan, num belo dia, a ficha caiu: a Thais tem muito do Lourenço! Digo isso porque a impressão que eu tenho a respeito dela é que a Thais tem medo de perder o controle de uma relação que ela estabelece com outras pessoas. Em linhas gerais, no meu entendimento, ela tem medo de ficar por baixo - o que ela negou quando conversamos outrora a este respeito. E é ai que reside o grande paralelo com o protagonista do Cheiro do Ralo. A própria profissão de Lourenço, dono de um antiquário que negocia a compra de peças usadas, reforça esse seu traço. Ele não apenas procura sempre a maior possibilidade de lucro, como tenta se valer do desespero alheio para se manter sob o controle da situação. Transpondo isso para a vida afetiva, no campo do amor Lourenço teme perder o controle, afinal, o amor não é como um negócio. Por conta disso ele foge do soco do amor; transfigura suas sensações; prefere se ligar a uma bunda do que a dona dela - ainda que por esta nutrisse um amor que ele tentava negar a todo custo. Tenta-se conter o fogo de sentir. Como resultado dessa dificuldade de se entregar e de quebrar a cara, seu prêmio foi uma progressiva tendência a solidão, ao conformismo e ao auto-enclausuramento - tendência esta que temo possa acontecer também com a própria Thais.

Viver tem a ver com tentativas, com perdas e fracassos. A multiplicidade de experiencias, boas e ruins, nos ajuda a saber medir nossos futuros passos. Por trás de cada derrota há, inerentemente, uma vitória escondida que só se descobre algum tempo depois. Fugir disso pode parecer cômodo, mas no fim das contas se revela extremamente amargo e improdutivo. Que o diga o personagem Daniel Plainview do filme Sangue Negro.

Entrelinhas.

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco.

(Poema do Beco, Manuel Bandeira)


Precisa dizer mais do que isso? Bandeira sempre providencial, sempre mestre ao capturar e dizer o indizível.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Onde está você, Hermínia?

Hermínia olhou-me carinhosamente nos olhos com um sombrio olhar que surgiu de repente. Soberbos e promissores olhos! Lentamente, buscando as palavras uma por uma, e colocando-as uma após outra, disse, em voz tão baixa que tive de esforça-me para ouvi-la:

- Quero dizer-lhe hoje uma coisa que já sei há muito e que você também sabe, mas que talvez nunca a confessou a si mesmo. Quero dizer-lhe agora o que sei de mim, de você, de nosso destino. Você, Harry, sempre foi um artista e um pensador, um homem cheio de fé e de alegria, sempre no encalço do grande e do eterno, nunca se contentando com o bonito e o mesquinho. Mas quanto mais foi despertado pela vida e conduzido para dentro de si mesmo, tanto maior se tornou a sua necessidade, tanto mais fundo mergulhou no sofrimento, na timidez, no desespero; mergulhou até o pescoço, e tudo o que no passado conheceu, amou e venerou como belo e santo, toda a sua fé de então nos homens e em nosso elevado destino, nada pôde ajudá-lo, tudo perdeu o valor e se fez em pedaços. Sua fé não encontrou mais ar que respirasse. E a morte por asfixia é uma morte muito dura. Não é verdade, Harry? Não é este o seu destino?

Eu assentia, assentia e assentia.

- Você trazia no íntimo uma imagem da vida, uma fé, uma exigência; estava disposto a feitos, a sofrimentos e sacrifícios, e logo aos poucos notou que o mundo não lhe pedia nenhuma ação, nenhum sacrifício nem algo semelhante; que a vida não é nenhum poema épico, com rasgos de heróis e coisas parecidas, mas um salão burguês, no qual se vive inteiramente feliz com a comida e a bebida, o café e o tricô, o jogo de cartas e a música de rádio. E quem aspira a outra coisa e traz em si o heróico e o belo, a veneração pelos grandes poetas ou a veneração pelos santos, não passa de um louco ou de um Quixote. Pois bem, meu amigo, comigo também foi assim! Eu era uma jovem bem-dotada, com vocação para viver dentro de um elevado padrão, para esperar muito de mim mesma e para realizar grandes feitos. Poderia ter um belo futuro, ser esposa de um rei, a amante de um revolucionário, a irmã de um gênio, a mãe de um mártir. E a vida só me permitiu ser uma cortesã de mediano bom gosto, o que já se vai tornando bastante difícil para mim! Foi isso o que me aconteceu. Fiquei algum tempo desconsolada e procurei com afinco a culpa em mim mesma. A vida, pensava eu, sempre acaba tendo razão, e se a vida se ria dos meus belos sonhos, pensava, era porque meus sonhos tinham sido estúpidos e irracionais. Mas isso não me valeu de nada. Mas como tivesse bons olhos e ouvidos, e, além disso, fosse curiosa, examinei a vida com certa atenção, observei meus vizinhos e conhecidos, mais de cinqüenta pessoas e destinos, e percebi então, Harry, que meus sonhos estavam certos, estavam mil vezes certos, assim como os seus. Mas a vida, a realidade, não tinha razão. O fato de uma mulher de minha classe não ter alternativa senão envelhecer de maneira insensata e pobremente junto a uma máquina de escrever a serviço de um capitalista, ou casar-se com ele por seu dinheiro ou converter-se numa espécie de meretriz, era tão injusto quanto o de um homem como você, solitário, tímido e desesperado, ter de recorrer à navalha de barbear. Talvez a miséria em mim fosse mais material e moral, e em você mais espiritual; mas o caminho era o mesmo. Pensa que não pude reconhecer a sua angústia diante do foxtrote, sua repugnância pelos bares e pelos dancings, sua hostilidade para com a música de jazz e tudo o mais? Compreendia e muito bem, como compreendia seu horror pela política, sua tristeza pelo palavreado vão e a conduta irresponsável dos partidos e da imprensa; seu desespero diante da guerra, as passadas e as futuras; pela maneira como hoje se pensa, se lê, se edifica, se compõe música, se celebram as festas e se educa! Você tem razão, Lobo da Estepe, mil vezes razão, e contudo terá de perecer. Vive demasiadamente faminto e cheio de desejos para um mundo tão singelo, tão cômodo, que se contenta com tão pouco; para o mundo de hoje em dia, que lhe cospe em cima, você tem uma dimensão a mais. Quem quiser hoje viver e satisfazer-se com sua vida, não pode ser uma pessoa assim como você e eu. Quem quiser música em vez de balbúrdia, alegria em vez de prazer, alma em vez de dinheiro, verdadeiro trabalho em vez de exploração, verdadeira paixão em vez de jogo, não encontrará guarida neste belo mundo...


Olhou para baixo meditando.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Entre o Céu e o Inferno.

É o lugar que achei entre o céu e o inferno

Pra quem ficou perdido entre o bem e o mal
Pra quem mentiu e também foi sincero
Pra quem brilhou e depois morreu sem sal
Pra quem brincou e também foi austero

E eu posso inventar a missa
Louvar o acaso e o absurdo
Em noites que te chamei sem ouvir resposta
Se todo mundo te cobra sempre um futuro
A lama e a glória são a mesma bosta

É pra você que eu vivo, Deus do Claro e Escuro
Com um coração de rua
Com as mãos imundas
Mas sou teu
Sem culpa

Circulando como ácido num cano aberto e frágil
Das veias que te enforcam num golpe tão discreto
É o meu glorioso grito pra encenar um plágio
Como se eu fosse um gênio
Como se isso fosse fácil

É o lugar que achei entre o céu e o inferno

Pra quem chorou caído e quem venceu cansado
Pra quem pariu um filho ou quem se fez sozinho
Pra quem pensou no outro e quem roubou o Estado
Pra quem bateu na cara e depois deu carinho

E eu posso celebrar a missa
Num canto sujo desse mundo
Em dias que te chamei sem ouvir resposta
Se todo mundo te cobra sempre uma postura
Os homens e os deuses são a mesma aposta

(Beto Cupertino)


***

Depois de uma noite de insônia, completa insignificância e auto-comiseração;
Depois de um dos piores dias da minha vida;
Depois de tentar ler mais um pouquinho do Lobo da Estepe e ter derramado uma quantidade de lágrimas suficiente para molhar uma flor ao me encontrar em toda a deformação do Harry Haller;

Mais uma vez obrigado Beto Cupertino. É só isso que eu tenho a dizer.
É por essas e outras que ainda vale a pena existir.

Manobrista de Homens.

Ao chegar eles me revistam dos pés à cabeça
Procurando alguma pista do que eu fiz na terra
Mas eu não preciso de aprovação
Eu não exijo um lugar no céu
Você é só um manobrista de homens
Nunca se importou em me conhecer
Nunca pôde

Tente permanecer vivo preso aos impulsos
Dos seus próprios pés
Da sua própria fé
É tão incrível quão tolos são
Pretensos juízes do seu coração
Eles são manobristas de homens
Nunca se importaram em te entender
Que se fodam

Que tipo de bondade não perdoa?
O inferno é só um espantalho pras pessoas
(Ninguém controla o mundo
Que poder julga tudo num tribunal surdo?)


(Beto Cupertino)

Angústia.

Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.


(Fernando Pessoa)

Nem parece...

Dia desses estava eu me distraindo no violão quando, sem motivo aparente, comecei a cantarolar uma canção da qual gosto muito sobretudo por conta de sua letra. Fiquei eu aqui pensando como algo poderia soar tão bonito e ter sido elaborado por um processo criativo tão despretencioso, quase psicografado. Digo isso porque por mais que eu pare e tente escrever alguma grande letra de música, sempre o resultado soa inóquo, forçado e pretencioso. Cada palavra é pensada; cada sentido é buscado; as entrelinhas são totalmente artificiais, rígidas, quadradas. Parece não haver liberdade para o sentido. Tudo é demarcado, fechado, preso. Eis que a tal canção diz tudo o que eu gostaria de dizer de uma forma bonita, natural, poética. As arestas reforçam as palavras. Por conta dessa rigidez não há uma letra minha que supere a beleza das letras dele.

Paradoxalmente a minha letra sempre se estrutura como uma narrativa, com começo, meio e fim totalmente demarcados. Enquanto isso as letras desse grande compositor se estruturam exatamente como uma poesia. Digo paradoxalmente porque em algumas das nossas discussões sempre tal compositor manifestava desprezo pela poesia, em detrimento da prosa, enquanto eu fazia o exato oposto. Vai entender ...

De qualquer maneira, segue a letra da referida canção - provavelmente a minha preferida - e também a minha admiração pelo Daniel:

Vermelho Sangue

Apenas um rastro nos separa
Aquela invisível corda bamba
Você me jogou de cima do abismo

Os riscos que corro são os mesmos
Os pés já não sentem o desespero
A volta pra casa é bem mais sutil

O céu nos separa
O inferno nos une
Pra sempre estarei à sua espera
Tentando ficar imune

Ao que parece era pura paisagem
Não tinha tinta, era mais um rascunho

Corri até a aquarela
E o que havia sobrado
Era o vermelho sangue

(Daniel)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Sorrindo vida sem rumo...

No supermercado, o flagra:

- Por que você está sorrindo?

Fecho a cara - e continuo a sorrir nos intervalos.

Resposta: eu estava suspirando pensando em uma besteira que simplesmente não vai se concretizar nunca nessa vida. Desejo idiota.

Encontro.

No encontro malogrado
entre a vida e Marciano
(destrói o vento a haste
sem que à flor cause dano)
Deus murmura, de lado
entre o divino e humano:
- Comigo é que o marcaste.

(Carlos Drummond de Andrade, 1956)

Boom!

Meu Deus por que me abandonaste
Se sabias que eu não era Deus
Se sabias que eu era fraco?

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Um balão prestes a explodir.

É cedo ou tarde pro show?
Medo ou vontade?


Tédio.
Tédio.
Tédio.
Insignificância.
Desejo.
Ansiedade.

Estou simplesmente péssimo com essa vida totalmente previsível.
Estou perdidamente apaixonado.
Estou morto. Completamente morto. Só falta alguém ter a decência de me enterrar no limbo.

22:35 - Você acabou de entrar no MSN. Eu queria estar com você e te agarrar.
Por que simplesmente as coisas teimam em não acontecer? Minha vida realmente é um coito interrompido - ou seria um coito nem iniciado?

Eu não quis nem perguntar
Todas as perguntas vão te prender na
Obrigação de agir, pensar e responder

Pra poder se desvencilhar
Da corrente curta que prendeu você
Todas as perguntas servem pra agarrar
Por um segundo ou mais
Por uma vida inteira

Tudo bem?
Quantas vezes você responde não
E quantas vezes bem pra continuar
Andando sem dar explicação
E sair da prisão

Ninguém é homem pra vir aqui me liquidar
E ninguém é humano pra vir aqui me visita
r

(O Interrogatório, Violins)

Adaptação.

1) Quisera eu ter a mesma indiferença do Donald.

Você é o que você ama. Não quem ama você. Foi isso o que eu decidi há muito tempo.

2) Quando tive meu primeiro contato com a noção de metalinguagem nunca achei que a mesma fosse uma possibilidade tão bonita quanto penso que seja hoje em dia.

3) Melhor tem 3:21 min, o mesmo tempo do Rei Pornô, do Violins. Números que obedecem a uma lógica, a uma associação. E associações me lembram a Thais.

- Eu tenho mania de fazer associações com tudo que eu vejo - eu também.

4) 'Pisei' no computador exataente as 18:18h. O relógio me esperou apenas para que eu encontrasse esse horário. No segundo seguinte ele virou para 18:19h.

5) Hoje o Violins libera a sua sexta música do disco a Redenção dos Corpos, penúltima do Lado A do disco - praticamente uma veia solo do Beto Cupertino amparada por elementos eletrônicos. Talvez seja esse o álbum em que o Beto atingiu o seu auge enquanto letrista - talvez seja por conta da temática do disco, que muito me agrada. Se eu fiz essa observação não foi a toa: a música do dia é uma velha conhecida, a Corpo e Só, liberada anteriormente pela banda em sua versão demo. Isso continua vago, não é mesmo? Pois bem, então vamos ao motivo dessa música me marcar tanto:

Espere mais um mês
Eu não posso ser dois
Há um pouco pra você
Um horário pra te ver a sós
Sem prender minha vida em você
Sem que a gente tem que ser um

Se você não me entender
Não espere que eu te dê mais
O que eu posso oferecer
É a destruição da sua paz
Sem prender minha vida em você
Sem que a gente tenha que ser um

O seu corpo e só


Deixa eu pegar o bisturi:

Se você não me entender
Não espere que eu te dê mais
O que eu posso oferecer
É a destruição da sua paz
Sem prender minha vida em você
Sem que a gente tenha que ser um


Vou mutilar um pouco mais:

O que eu posso oferecer
É a destruição da sua paz


Essa música, bem como essa estrofe e em particular esse verso são a síntese do meu ano de 2007. Bem que se diga, esse versinho tão violento quanto olhar uma pluma em pleno ar ecoou pela minha cabeça desde o primeiro momento que tive contato com o mesmo.

Pessoas não mudam, elas se adaptam a situações - José Franco Jr. no alto de sua costumeira sabedoria sobre o cotidiano.

Insônia.

Eu já estava na cama. Mas, do que isso adianta se meus pensamentos estavam longe de mim?

Sinto novamente um aperto no coração. A quem eu estou querendo enganar?

A minha vontade agora, imediata, urgente, seria escrever um e-mail para a Thais e dizer que eu simplesmente não consigo parar de pensar um segundo sequer em qualquer coisa que seja diferente dela; que não importa o quão inútil resulte o meu amor por ela eu não consigo sentir outra verdade.

(Tocando Panic aqui. Sim, estou chorando.

Hang the blessed DJ. Because the music that they constantly play... It says nothing to me about my life.)

Segundo o relógio do Windows, são 04:04 da manhã.

Podem parecer pensamentos soltos e desconexos mas, de alguma maneira inexplicável, o que eu digo parece um bloco sólido à minha consciência. Ainda há pouco eu tentava em vão ler O Lobo da Estepe, do Hermann Hesse. Ao mesmo tempo em que me via enquanto um verdadeiro Lobo da Estepe não conseguia me concentrar na leitura por ver a Thais na mesma condição. De repente aquele desejo ferrenho estoura pela segunda vez na noite. Não me segurei. Pés contraídos e mãos presas imaginando algo que nunca acontecerá - e que esse simples motivo será o bastante para me atordoar a 'alma' daqui em diante. Eu tenho a impressão de que existem alguns eventos que tinham necessariamente que acontecer e que a não realização dos mesmos é traumática, imperdoável.

Evitei até então falar sobre um tema que eu outrora tanto prometi falar. Posterguei até mesmo porque, pela minha formação, tal tema é tabu para mim. Mas chega um ponto que não falar nada sobre tem o peso de um tiro. Eu simplesmente não consigo entender porque a Thais me deixa tão excitado. Hoje eu compreendo perfeitamente a insistência - cansativa, inclusive - do Freud em fazer tanta questão de dar um peso enorme à questão da sexualidade na etiologia das neuroses. De alguma maneira, viver em sociedade é contrapor as obrigações dos impulsos naturais (a reprodução) a severidade dos bons modos, à nossa simbolização. O sexo é urgência, de fato, mas eu estou tão conformado dentro da sociedade que atribui a ele o sentimento do amor. Há quem consiga separar o sexo do amor, como a própria Thais ao que me consta (parecendo, por isso, tanto com o Tomás, do A Insustentável Leveza do Ser). Contudo eu não pertenço a categoria acima. De qualquer modo, se até então eu tinha uma visão totalmente romantizada do próprio ato sexual, desde que o súbito tesão que sinto pela Thais floresceu sobre mim, percebi a urgência do sexo, seu caráter irracional. Não que o meu lado 'menininha' tenha sido completamente descartado. Mas só agora, depois de um tempo, me dou conta da naturalidade da Thais em tratar do assunto ante todo o meu temor em se saber o momento em que o desejo surge. Ele surge e pronto. Não é algo que se possa ser determinado, controlado (a menos que você faça do sexo sua profissão). Não por acaso me pego imaginando em momentos cujo contato é extremamente violento, visceral. Ok, é imaginação. Aliás, minha vida toda é uma grande imaginação. Tudo que eu precisava era tê-la diante de mim ao menos por uma vez. Acontecer algo concreto com a Thais era uma dessas demandas inegociáveis da vida das quais falei pouco acima, uma daquelas frustrações que me farão rombos na alma. Porque a questão que envolve o desejo não é a perfeição, mas sim a imperfeição. Conheço cada pedaço do corpo dela com a palma da minha imaginação - presa em minhas mãos. Nunca ninguém entenderia do que realmente se trata 'minha vida em minhas mãos', expressão que, dia desses, cravei em conversa com o Tio Beto. Minha vida em minhas mãos - quisera ela tivesse em minhas mãos, mas nunca tive o guidom do meu destino...

Ironicamente ontem, no decorrer de uma de nossas conversas virtuais, a Thais me soltou: pode encher a minha caixa postal com uns duzentos e-mails, viu? Era tudo o que eu gostaria de fazer, minha querida. Queria pegar as duas descrições que, em noites de completa ânsia e euforia, eu ousei transpor para o papel relatando tudo que eu queria que estivesse além das folhas do papel e mandar para você. Maldizer os seus pés, os seus seios, o seu sorriso. Eu queria o seu corpo, assim mesmo, sem sentido - por mais sentido que houvesse por trás de tudo. Porque não é apenas um corpo; está além da 'alma'.

Eu queria pegar aquele seu relato e desdobra-lo em partículas minúsculas - provavelmente você nunca vai chegar a saber quantas vezes me vi detido, relendo-o insistentemente e como seu mesmo texto me deixou machucado, ferido, em estado de compaixão e pena; Eu queria pega-lo e rasgá-lo na sua frente ao te abraçar. Eu queria te ver chorar compulsivamente e te ver roendo as tuas unhas. Eu sei que, nesse momento, eu deveria querer ver você pelas costas e deveria te odiar, jogar na sua cara o quanto você me machucou (ainda que ingenuamente; ainda que levianamente), bem como o Alan sabiamente me disse. Eu tenho plena consciência de que dizer isso é o mesmo que afirmar que eu não tenho orgulho. Mas eu me pergunto para que o orgulho diante do que é efêmero? Eu me anulo. Mas quem sou eu que não você?

Logo logo minha mãe escuta o barulho do teclado do computador e me pergunta: sabe que horas são?

- Claro que eu sei, mãe (você é que não faz idéia - penso). É hora de... (Não sei - sim, é você quem sabe - admito mentalmente)

A verdade é que o amor sempre me destrói; sempre me vence - pena que ser vencido pelo amor não signifique, sob hipótese alguma, ser amado.

Se ao menos eu soubesse fazer poesia...

1) Lucrécia me lembra você. Quando aquele refrão arde - como nesse momento - eu me seguro para não chorar;
2) Não está. Como sempre ansioso; como sempre precipitado.
3) Eu preciso que um raio caia sobre a minha cabeça e a parta em milhões de pedaços o mais rápido possível.
4) Achei que tivesse sido despretensioso. Nenhuma merda é despretenciosa; você precisava disso...

O aperto no coração persiste. Sempre quando eu estou apaixonado ele resolve dar as caras. Hora de voltar para a cama...

Eu quis mudar pra você ver
Que nem sempre é tão difícil a gente perceber
Se estou melhor quem vai saber

Se o que eu fiz foi pra agradar você
Mesmo que isso custe o nosso tempo

Olha meu novo sapato
Estou de fato
Tentando me adequar
Ao seu modelo
Ao seu cabelo

Se o que eu fiz foi pra buscar você
Mesmo que isso custe o nosso tempo

(Melhor, Wado)


http://www.youtube.com/watch?v=96nBJEkcd9o


*Obs: A Melhor também me faz prender as lágrimas e segurar o soluço.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Lucrécia.

É uma linda geleira
O seu sorriso é enorme
Está feliz, Lucrécia?
Deita e dorme!

(Wado)


Refrão grudento!

Relatos.

Quando eu estava na pré-escola gostava de brincar com as outras crianças da minha idade, não conseguia brincar sozinha. Em casa eu costumava escrever e desenhar, não conversava muito com os meus pais. Quando entrei para a escola, senti que estava sendo excluída pelos outros colegas e sendo tachada por apelidos que me faziam chorar em casa. Me sentia rejeitada por alguns professores e protegida por outros e aí comecei a sentir vergonha de falar em público. Durante esse tempo sempre imaginava que a minha vida era uma grande mentira. Quando algumas pessoas se aproximavam de mim, eu sentia taquicardia ou ainda ânsia de vômito. À medida que fui ficando mais velha me soltei mais ao falar em público (assuntos impessoais, como apresentações de trabalho), mas ainda desconfiava muito das pessoas. Costumava fingir interesse pelos meninos, por mais que eu não tivesse, para me sentir bem. Do contrário, pior do que achar que ninguém gostava de mim, eu achava que alguns se aproximavam por interesse e a grande maioria apenas me ignorava. Eu me sentia ignorada.

Nunca consegui fazer amigos, não era bem aceita nos grupos e me sentia inferior, não conseguia ter uma conversa fluente. Quando pedia a vez de falar era normalmente interrompida.

Tenho ex-colegas que falam comigo de vez em quando, mas eu não consigo acreditar neles. Não sei se já tive amigos verdadeiros, hoje só tenho amigos virtuais e me sinto isolada. Tenho namorado, que é a única pessoa confiável com quem consigo manter diálogo. É o único que considero amigo. Mesmo assim, não gosto de ter conversas sérias pessoalmente porque costumo me sentir mal ou intimidada e acabo não sendo clara com as palavras. Sou quieta e isso deve incomodar as pessoas, quando um grupo conversa perto de mim até consigo opinar, mas costumo observar a maior parte do tempo por não conseguir dizer as coisas da maneira como eu gostaria. Não gosto muito de dividir opiniões, a não ser escrevendo. Acho que sou uma menina bonita mas às vezes me sinto pior do que as outras, já brinquei com o sentimento das pessoas para inflar o meu ego ou para me sentir melhor. Ao mesmo tempo que me sinto inferior a certas pessoas, acho muitas delas idiotas. Costumo seguir as coisas que minha mãe diz, mesmo que ela diga não para algo que eu queira, não sei porque eu faço isso mas não consigo contrariá-la.

Sou insegura, estou sempre roendo as unhas. Choro muito e às vezes de maneira compulsiva. Meu pai vive me fazendo cobranças, me chama de inútil e eu sempre me machuco com isso por mais que ele não tenha razão. Quando alguém me convida para fazer alguma coisa, principalmente quando têm pessoas que não conheço, invento qualquer desculpa para não ir, porque não tenho intimidade o bastante. Pensei que tudo isso tinha acabado, mas ultimamente noto que ajo de forma estranha e até agressiva, me irrito com coisas banais e as minhas mãos suam frio. Sinto dor no peito algumas vezes mas não sei porquê. Tenho dificuldade em definir o que eu sinto pelas pessoas e costumo transferir minhas responsabilidades quando me é cobrada alguma decisão.

O Encontro Marcado (7)

Tenha medo é dos escorregões. Não escorregue, caia de uma vez. Os medíocres apenas escorregam. Os bons quebram a cabeça. Você é dos bons. Pois vá em frente! Pague seu preço e Deus o ajudará.

O Encontro Marcado (6)

Vivemos por displicência e morremos por exaustão, cansados de nos agarrarmos a fórmulas de viver para não nos afogarmos.

O Encontro Marcado (5)

- Ia dizer uma coisa muito importante. Mas é tão importante que prefiro não dizer. Só é sincero aquilo que não se diz. Boa Noite.
- Então isso também não é sincero – sorriu ela.

O Encontro Marcado (4)

- Sabe de uma coisa, Eduardo? Estive pensando muito em você. Seu erro fundamental é lembrar em vez de recordar. Há uma diferença entre lembrar e recordar; recordar é reviver, lembrar é apenas saber. O que é recordado fica, o que é lembrado também é esquecido.

O Encontro Marcado (3)

Sentia-se inseguro como no instante de se atirar na piscina em dia de competição. Mas isso não era nada: era um estado de permanente angústia, crônico, suportável – era a fragilidade do ser diante da brutalidade e da certeza da vida, mas era ainda a vida, o existir e se saber presente. A evasão da realidade, o vórtice negro em que se sentira cair ali na janela, como num poço, é que era a angústia, o desespero, a negação de si mesmo – o não-ser, o vazio, o nada. Sua testa começou a porejar suor, quando viu que o poço novamente se abria, tudo começava de novo a perder o sentido, suas forças faltavam e ele se agarrava apavorado a uma idéia qualquer para não ser tragado...

De volta à estaca zero...

Tudo resolvido agora.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A pergunta que não quer calar...

Every day you must say
So, how do I feel about my life ?
Anything is hard to find
When you will not open your eyes
When will you accept yourself ?
I am sick and I am dull
And I am plain
How dearly I'd love to get carried away
Oh, but dreams have a knack of just not coming true
And time is against me now...oh
Oh, who and what to blame ?
Oh, anything is hard to find
When you will not open your eyes
When will you accept yourself, for heaven's sake ?
Anything is hard to find
When you will not open your eyes
Every day you must say
Oh, how do I feel about the past ?
Others conquered love - but I ran
I sat in my room and I drew up a plan
Oh, but plans can fall through (as so often they do)
And time is against me now...

And there's no-one left to blame
Oh, tell me when will you ...
When will you accept your life ?
(The one that you hate)
For anything is hard to find
When you will not open your eyes
Every day you must say
Oh, how do I feel about my shoes ?
They make me awkward and plain
How dearly I would love to kick with the fray ...
But I once had a dream (and it never came true)
And time is against me now...
Time is against me now...
And there's no one but yourself to blame
Oh, anything is hard to find
When you will not open your eyes
Anything is hard to find; for heaven's sake !
Anything is hard to find
When you will not open your eyes
When will you accept yourself ?
When ?
When ?
When ?
When ?

(Accept Yourself, The Smiths)

Off.

- Um dia você vai se lembrar que seu lado espiritual é o instante. Só que quando você se der conta disso provavelmente vai ser tarde, não haverá mais postes. Você parece não se dar conta, mas a sua história, assim como a minha, é marcadamente cíclica.

Pequenos comentários.

Nunca gostei muito de ler. Nasci nos tempos da televisão, da internet, do video-game. As prosas modorrentas, cansativas, enormes. O mesmo desânimo. Quando eu abro um livro a primeira coisa que eu faço é contar o número de páginas. 'Pqp, 330 páginas...'.

Só que nesses últimos tempos algo se modificou. Consegui ler um livro de 300 páginas sem sequer ficar olhando no rodapé. Fluiu. Já estou na metade de outro livro com quase trezentas páginas e li de uma sentada só. Sem desânimo, sem angústia.

Claro que existe uma razão para isso tudo. A mesma que me motivou a escrever esse blog. A impressão que eu tenho quando leio essas prosas é a de que eu consigo entender melhor o que se passa na sua cabeça, Thais. Parece que nesse momento de leitura eu consigo ficar um pouco anestesiado. É como se, sem você se dar conta, eu conseguisse me aproximar não apenas do meu íntimo, como também do seu. Uma das suas facetas vai ganhando mais contraste, mais contorno, mais relevo; fica um pouco mais evidente.

Tudo que eu queria nesse momento, Thais seria sintir ódio de você. Pegar todas as suas contradições e condensa-las de modo a me fazer destruiur o que eu sinto por você. Só que, paradoxalmente, a única coisa que recai sobre a minha mente - mesmo sabendo que não se trata disso - é a culpa. O amor não tem absolutamente nada de racional. Ele cria subterfúgios, justificativas. O saber não importa. É sempre uma lacuna.

Posso estar errado, mas o tipo de mulher que eu gosto é inacessível a mim, é feito para me fazer sofrer. É tão complexo, tão insegúro, tão incoerente, tão volúvel que acaba se tornando uma alegoria.

Será que eu amo, na verdade, o sofrimento, o impossível, o não-ser, o inconcreto? Será que na fantasia de amar o outro eu não amo, na verdade, a mim mesmo?

Fato é que, apesar dos pesares, eu não consigo deixar de gostar da Thais. Deve ser masoquismo mesmo.

4:32

Tema habitual de Hugo: o efêmero da existência. Nada valia nada, tudo precário, equívoco, contraditório. Vinha escrevendo um livro, uma espécie de ensaio poético, em que procurava traduzir este sentimento de inutilidade das coisas.

Tema habitual de Mauro: a incidência no tempo e no espaço: a inexorabilidade do fortuito na vida de cada um. Seu pai jamais se encontrara com sua mãe. Ele próprio nascera cem anos atrás. Cada gesto, cada palavra, cada pensamento seu refletia-se nos outros, alterava-lhes a vida, comandava-lhes o destino. Ali, sentado no banco da praça, ele estava, por uma série de relações, ou ilações (gostava dessa palavra) negativas, alterando o curso das coisas, talvez o curso da guerra.

Tema habitual de Eduardo: o tempo em face da eternidade. Caminhamos para a morte. O futuro se converte, a cada instante, em passado. O presente não existe. Vivemos a morte desde o nascimento.

Lições.

"Quando você faz 20 anos está de manhã olhando o sol do meio dia. Aos 60 são seis e meia da tarde e você olha a boca da noite. Mas a noite também tem seus direitos. Esses 60 anos valeram a pena. Investi na amizade, no capital erótico, e não me arrependo. A salvação está em você se dar, se aplicar aos outros. A única coisa não perdoável é não fazer. É preciso vencer esse encaramujamento narcísico, essa tendência à uteração, ao suicídio. Ser curioso. Você só se conhece conhecendo o mundo. Somos um fio nesse imenso tapete cósmico. Mas haja saco!"

(Hélio Pellegrino)

O Encontro Marcado (2)

- Foi melhor asim.
- Tinha de acabar.

Pois então por que diabo não acabara mesmo naquela ocasião no banco da Praça? Para se sentir cada vez mais infeliz por uma coisa que não teria nunca?

O Encontro Marcado (1)

'Sentaram-se no banco e se calaram, tentando entender o silêncio. As palavras tinham um sentido além delas mesmas. O silêncio seria, sempre, o único meio de entendimento perfeito'.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Você é um exemplar do fundo do poço...

...mas eu amo o mal.

Fantoche.

A impressão total e absoluta que eu tenho a respeito da minha vida é a que eu sou um fantoche. Sempre pensei isso. Nunca costumei acreditar na existência de um Deus, mas na hipótese dele realmente existir sempre tive a sensação de que eu não passava de uma marionete feita especialmente para ele se alegrar, para ele dar dar muita risada. Um bobo da corte mesmo.

Se ele existe ou não, pouco me importa de fato. O que mudaria em termos práticos seria a mudança de status de um destino para o acaso. E isso de modo algum invalida meu caráter de fantoche. Se eu era um fantoche das vaidades de um Deus, hoje sou um fantoche das vaidades dos homens.

Ontem finalmente consegui extrair uma confissão da Thais: não passei de uma peça no jogo dela. O máximo que eu consegui fazer com ela ela sentisse por mim foi pena. Nada mais do que isso. Pena. Digno de pena.

De fato isso não é uma surpresa para mim simplesmente porque eu sempre fui uma peça na vida das pessoas. Apenas uma peça com quem se gosta de brincar, seduzir e depois descartar. Descartável, embalagem. Jamais o produto. Sempre a embalagem, um meio.

Ela não foi a primeira e provavelmente não será a última a me enxergar não como uma pessoa que tem sentimentos, mas sim como uma mera peça em seu jogo, aquele ratinho de laboratório que a gente condiciona, dá choque, finge afeto. Também pudera: como eu sou fácil, não é mesmo? E o pior: eu me anulo. Porque para mim o amor passa exatamente por uma espécie de anulação - perigosa - do eu. O amor tem a ver com a compaixão não enquanto pena, mas com a compaixão enquanto projeção, identificação com o outro. Só que nessa espécie de altruísmo (que não é exatamente altruísta, porque sempre visa benefício próprio, mesmo com desprendimento) o que acontece sempre é que a outra parte, em vez de se submeter, prefere sempre mandar. E ai forma-se a divisão de poder do amor. O que poderia ser uma experiência gostosa se torna um mero joguete. De um lado o ego infla, do outro o ego murcha. É como se houvesse apenas uma transferencia de auto-estima em um sentido apenas.

Hoje a minha auto-estima ultrapassou o zero absoluto. Hoje eu percebo que minha vida não tem sentido nenhum para continuar existindo. Tudo que eu sou é um gráfico constante. Um idiota que tem fé nas pessoas mesmo sabendo que elas não são dignas de nenhuma fé.

Tudo que me resta - por covardia - é sobreviver.
É entrar na rodinha.

0K

O zero absoluto.

Suspeitas.

Sim, digno de pena.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Juno.

E o que eu puder fazer pra te ver bem
E o que eu puder dizer
O que você precisa que eu não sei?
Cobrir a casa com amor?

Eu faço a minha parte.


***

Inútil.

***

Filme lindo. Mesmo.

http://www.youtube.com/watch?v=nBDbUVXXp-U

Resposta.

Não.

O Absurdo.

Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder. E se é verdade, como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável, deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela vai preceder o gesto definitivo. Estão aí as evidências que são sensíveis para o coração, mas é preciso aprofundar para torná-las claras à inteligência. Se me pergunto em que julgar se uma questão é mais urgente do que outra, respondo que é com ações a que ela induz. Eu nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que detinha uma verdade científica importante, abjurou-a com a maior facilidade desse mundo quando ela lhe pôs a vida em perigo. Em um certo sentido, ele fez bem. Essa verdade não valia a fogueira. Se é a Terra ou o Sol que gira em torno um do outro é algo profundamente irrelevante. Resumindo as coisas, é um problema fútil. Em compensação, vejo que muitas pessoas morrem por achar que a vida não vale a pena ser vivida. Vejo outras que paradoxalmente se fazem matar pelas idéias ou as ilusões que lhes proporcionam uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é, ao mesmo tempo, uma excelente razão para morrer). Julgo, portanto, que o sentido da vida é a questão mais decisiva de todas. E como responder a isso?

* * *

Todas as grandes ações e todos os grandes pensamentos tem um começo irrisório. As grandes obras nascem, freqüentemente, na esquina de uma rua ou no barulho de um restaurante. Assim também a absurdidade. O mundo absurdo, mais que qualquer outro, extrai sua nobreza desse nascimento miserável. Em certas situações, responder "nada" a uma questão sobre a natureza de seus pensamentos pode ser uma dissimulação para com um homem. Os entes queridos sabem disso. Mas se essa resposta é sincera; se representa esse estado d'alma em que o vazio se torna eloqüente, em que a cadeia dos gestos cotidianos é rompida, e em que o coração inutilmente procura o anel que a restabeleça, então ela é como que o primeiro sinal da absurdidade.

* * *

Ocorre que os cenários se desmoronam. Levantar-se, bonde, quatro horas de escritório ou fábrica, refeição, bonde, quatro horas de trabalho, refeição, sono, e segunda, terça, quarta, quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo, essa estrada se sucede facilmente a maior parte do tempo. Um dia apenas o "porque" desponta e tudo começa com esse cansaço tingido de espanto. "Começa", isso é importante. O cansaço está no final dos atos de uma vida mecânica, mas inaugura ao mesmo tempo o movimento da consciência. Ele a desperta e desafia a continuação. A continuação é o retorno inconsciente à mesma trama ou o despertar definitivo. No extremo do despertar vem, com o tempo, a conseqüência: suicídio ou restabelecimento. Em si, o cansaço tem alguma coisa de desanimador. Aqui, eu tenho de concluir que ele é bom. Pois tudo começa com a consciência e nada sem ela tem valor. Essas observações não têm nada de original. Mas são evidentes: por ora isso é suficiente para a oportunidade de um reconhecimento sumário das origens do absurdo. A simples "preocupação" está na origem de tudo.

* * *

Como as grandes obras, os sentimentos profundos sempre significam mais do que têm consciência de dizer. A constância de um movimento ou repulsão dentro da alma se reconhece em hábitos de fazer ou de pensar e se persegue em conseqüências que a própria alma ignora. Os grandes sentimentos trazem junto com eles seu universo, esplêndido ou miserável. Com sua paixão, aclaram um mundo exclusivo onde reencontram seu próprio clima. Há um universo do ciúme, da ambição, do egoísmo ou da generosidade. Um universo, isto é, uma metafísica e um estado de espírito. O que é verdadeiro para sentimentos já especializados o será mais ainda para emoções, no fundo, a um tempo tão indeterminadas, tão confusas e tão "certas", tão distantes e tão "presentes" quanto aquelas que o belo nos desperta ou que o absurdo nos suscita

(O Mito de Sísifo, Albert Camus)

Que Nossos Fracassos Nos Façam Mais Jovens.

Eu levei anos procurando um amigo como você
Amigo desonesto, infiel e que nunca vê
O que você precisa e as coisas que você quer

Uma pessoa indiferente que sorte a gente ter
Amigo como esse que some pra te esquecer
Anos procurando um amigo como você

Pra me reconhecer, me identificar
Pra compartilhar a vida
Pra ter o que conversar
Pra me fazer entender

Eu levei anos procurando uma moça como você
Sombria e desonesta que mente pra se vender
Sem um pingo de beleza na alma pra enaltecer

Uma pessoa inconseqüente que sorte a gente ter
Parceira como essa que dorme pra não te ver
Anos procurando uma moça como você

Pra me reconhecer, me identificar
Pra chamar de alma gêmea
Pra ter o que conversar
Pra me fazer entender

(A Busca, Violins)

Não é a toa que o Beto Cupertino é, para mim, provavelmente o melhor letrista do rock nacional de todos os tempos. Digo isso porque ele escolheu seguir por um caminho completamente avesso aos grandes letristas: ele prefere jogar na cara, escarrar cenas da vida cotidiana e pensamento que muitos gostariam de deixar guardado debaixo do tapete. E eu não me refiro apenas as letras do excelente Tribunal Surdo, em que essa tendencia é levada as últimas consequencias. Desde o primeiro disco, Aurora Prisma, o mais lírico do Violins, o Beto já mostrava a sua preferencia por temáticas difíceis. Pais é realmente um soco no estômago:

Peça tudo o que eu posso
Tudo e eu faço
Vestir-me um palhaço e fazer seus filhos rirem
Enquanto você injeta sonhos no braço
E volta distante, os olhos no espaço.
Corta-me.
(Pais)


Num mundo em que os temas românticos predominam na chamada cultura de massa, declarações tão cínicas certamente soarão agressivas a muitos. Ninguém gosta de escutar àquela verdade que lhe incomoda a consciência. É sempre costumeira nossa tendencia a transferirmos a responsabilidade das nossas ações a terceiros; a nos eximirmos de nossa culpa (quando de fato a temos, embora eu não goste muito da idéia de culpa); a julgarmos os que estão a nossa volta sem sequer olhar para o que a gente costuma fazer (e invariavelmente cometemos os mesmos erros das pessoas a quem ousamos criticar); a manipularmos o coração das pessoas que vivem conosco; a maldizermos, a termos inveja das pessoas ao nosso redor. Como admitir que as músicas falem desses temas tão fortes?

Pode ser que eu não me convença ao ver você morrer
Que eu não veja paz em ver você sorrir
Mas quando você chora eu posso ser melhor por ser feliz
(Atriz)

Você é bacharel em cometer todos os insultos
(Modus Operandi)

Eu vejo um ar de sensatez
Na comoção de quem te quer morto
Linchado com pau e pedra
Exposto na praça em pele
Mas se alguém notar que cometeu
Um ato vil ao te assassinar
Verá que o mal é um dom
De que todos se armam

Mas eu te perdôo afinal somos mais de cem
E quem não tem um segredo podre
Pra esconder como um animal
Eu sempre amo alguém que nem conheço
Assim tão bem
E nem convém conhecer alguém até o final

Você é um exemplar do fundo do poço
Mas eu amo o mal
(Exemplar do Fundo do Poço)

E é justamente esse o grande mérito do Beto. As suas letras chocam porque falam de temas tabus em nossa sociedade. Dia desses conversando com o Daniel lhe passei a canção Modus Operandi e ele me disse que essa música havia lhe causado um certo mal estar. De fato talvez seja justamente sentir esse mal estar a função da arte, sentir um incômodo que nos faça pensar, que não nos deixe conformar, que nos faça enxergar a humanidade da qual somos feito, humanidade essa que nem sempre é limpa.

Quando eu me deparei com a letra da primeira faixa do álbum A Redenção dos Corpos admito que chorei. Porque vieram a minha cabeça na hora a imagem duas pessoas muito importantes as quais conheci recentemente. Uma letra simples, tocante, sincera e autêntica. Eu sempre gostei da ambivalência de sentimentos que os personagens das letras do Beto expressam em suas falas. Não há pudor em dizer que você odeia justamente a pessoa que ama, que se decepciona com as ações de outrem, em falar sobre frustrações, despesperanças, orgulho; em admtir que possuimos angúsia, desejo, compaixão e até mesmo aquele amor ingênuo.

Pena que nada disso importa
Porque eu quero ser o homem que você deseja
Quando toma banho
Ou quando se masturba
Eu quero ser o corpo que você almeja
Quando está com fome
Ou quando está insone
Foda-se o que eu sei
E o que eu te ensinei
(Gênio Incompreendido)

Você sempre foi o ódio perfeito o ódio vil
O ódio por ter sempre estado bem (...)
E a culpa é minha mas eu não peço perdão
(Células Tronco)

Você se parece com meus pais
Pronta pra partir meu crânio em dois
E pronta também pra me ensinar
Que proibir é incentivar
(Elvis Presley)

Quis sentir outra vez o temporal em meu corpo
E correr com os pés encharcados de lama
Pelo seu coração
Você me diz que o tempo te faz me amar e esquecer os outros
E a morte te faz pensar em viver de novo
(Ocidente/Oriente)

Mas é em você que eu vou encostar
Que eu já cansei de investigar
E acha só um absurdo
Ter que ficar mudo
Quando alguém vem me criticar
Eu devo me livrar de você
E enfrentar de vez o mundo.
Isso sim é absurdo
(Absurdo)

Outra preocupação importante expressa nas letras do Beto diz respeito a dicotomia religiosidade/religião. Livre de falsos moralismos ela acaba, em minha leitura, propondo a unidade entre o profano e o sagrado. Ao mesmo tempo que evoca um olhar metáfisico, ele acaba por oferecer um caráter humano sobre esse mesmo sagrado numa abordagem extremamente tocante. E é justamente nessa despretensão que há um grande caráter político em suas composições, tomando a idéia do político como algo cotidiano.

Tente permanecer vivo presos aos impulsos dos seus próprios pés,
da sua própria fé
É tão incrível quão tolos são
Pretensos juízes do seu coração (...)
Ninguém controla o mundo
O inferno é só um espantalho para as pessoas
que protega o gatuno do tribunal surdo
(Manobrista de Homens)

Deus, você pode ver, eu nunca fui o filho que você quis.
(Deus Você)

É justa a pretensão de quem vem me dizer que no além há respostas para tudo?
Nenhuma dessas regras são respostas
Não neguem o mundo que está aqui
Esse é o mundo que eu vi
(Epitemeu)

Provavelmente será justamente a audácia do Beto, enquanto compositor, o seu próprio fardo. Afinal ser sublime não significa necessariamente ser reconhecido em seu tempo. De qualquer maneira, fica aqui registrada minha enorme admiração e os meus agrdecimentos por você, Beto, ter ajudado, sem saber, a salvar a minha vida. Os meus fracassos com certeza me fazem mais jovem.


Eu já falei mais do que devia me expressar
Sempre foi um fardo tão pesado te querer

(Palhaçada)

É um prazer ser seu soldado errante
(Soldado Errante)

Retrato.

Como é que o encontro dessas mãos traz tanta solidão?
Não é que eu tenha um coração vulgar, mas vou te abandonar

Não diga nada
Porque eu não consigo te ouvir
Eu não consigo te ouvir

Quando você diz que eu não sou capaz de dividir
Mas sei que você precisa de mais
Só um pouco mais de atenção


Quando foi que a força desse bom rapaz se desgovernou?
Não é que eu não possa ser capaz de ser o que você quer

Me diz que eu não sou capaz de dividir
Mas sei que você precisa de mais
Só um pouco mais de atenção
(Por que você destrói tudo que eu sou e então me cobra tudo que eu não sou?)

E tudo o que disser não vai fazer você voltar pra dizer
Que já não é a mesma coisa eu estar com você

Você se distrai e não vê as mãos
Que pedem paz e não perdão

(Auto-Paparazzi, Violins)

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A volta dos que não foram.

Título bem coxa esse, viu? Mas acho que ideal para a circunstância. De volta a BH. De volta ao meu mundo.

Observação:

21:21 Chego a Rodoviária de Uberlândia.
07:07 Relógio da Praça Raul Soares, em BH.

Um exato intervalo entre dois números que me lembram muito bem alguém. Não dá pra acreditar nisso.

E quer saber? A verdade é eu continuo apaixonado por você, Thais. É inútil? Sim. Mas é isso. Não tive descanso nenhum dia. Todos os dias você batia à porta da minha mente. Todos os dias era você quem saciava o meu parco desejo. Todos os dias era você que assombrava minha cabeça antes de dormir. Todos os filmes que eu vi me lembraram você. O livro que eu li me deixou perplexo - me fazia te entender um pouco melhor. Não gosto muito de ler, mas não consegui deixar de desgrudar meus olhos das páginas - e sequer parei pra ficar conferindo o número da página, como sempre faço ao atestar minha falta de paciencia para a leitura.

Eu queria te mandar o livro de poeminhas do Caeiro que eu ganhei.
Queria te mandar o primeiro disco do Killers que me lembra você; o primeiro do Interpol. Aliás, nunca ouvi tanto Interpol em minha vida.

Queria encher a sua caixa de entrada do e-mail dizendo as mesmas bobagens que eu te digo. Queria pegar o meu 'caderno-diário' que eu comprei para anotações banais e transcrever para você as duas cenas que me vieram a cabeça quando eu senti desejo por você. Nunca antes eu sequer havia me aventurado a escrever sobre sexo. E de repente não aguentei e fui visitar o meu caderno, de súbito. É foda ter desejo!

Basicamente durante esses dois horários supracitados eu fiquei pensando no que escrever para você amanhã. Porque eu jamais iria ser capaz de deixar passar em branco essa data. Nunca conseguiria. Bem que se diga, há muito tempo que eu espero por esse dia. Fiz contagem regressiva rumo a 08/02/2008.

Chego em casa e depois de três semanas vejo uma foto sua.

E eu acho que você pensa que eu digo tudo da boca pra fora. Você é a coisa mais linda do mundo. E isso é foda. E eu amo você. E isso é mais foda ainda. Porque é inútil. E porque eu fiquei com saudade de você durante todo esse tempo por mais que você ache que não. Maldita saudade.

E se você acha que eu vou fazer com você o que outros fizeram que te machucou, está muito enganada: promessa é promessa. E eu prometi que não iria sumir da sua vida. E de fato não irei. Só que eu preciso de um pouco de tempo pra tentar sublimar esse amor, essa paixão, esse desejo que eu tenho por você. Porque na verdade, eu não quero te perder. Mas preciso aprender a dar um passo atrás. Voltar a ser apenas um amigo virtual. Não é fácil.

Por enquanto, fica o registro. Aqui em BH posso voltar a ter um pouco mais de privacidade para escrever com mais calma.

Eu amo você Thais.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Questionamentos.

Eu queria entender apenas uma coisa: por que as coisas precisam sempre ser como são? Sempre fica a sensação de que poderia ser diferente. Mas parece que a dor é sempre necessária. Se não houver, não marca.

Bem que meu queridão Cartola já dizia: de cada amor tu herdaras só o cinismo. Sábio.

Sempre a dor vence o amor. Por que? Sempre os mesmos erros...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Cenas de um Filme Mudo.

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão -
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

(Alberto Caeiro)

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Funeral.

http://www.youtube.com/watch?v=FQUJoegbC0k

Não consigo me segurar.
Um dia escrevo melhor sobre isso.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Nu.

Frio na barriga.