sábado, 22 de dezembro de 2012

Paradoxos epistemológicos.

Trate uma mulher como objeto e ela reivindicará ser tratada como sujeito.
Trate uma mulher como sujeito e ela reivindicará ser tratada como objeto.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Notas para a próxima ditadura...

Mandar todas as pessoas que se auto-intitulam - ou que, apesar de não declarar, agem segundo este maldito credo - cinéfilos para a forca. IMEDIATAMENTE.

Das Intepretações.

Eu não apenas admito como defendo que um mesmo produto cultural possa ter interpretações distintas por parte dos 'tais' receptores. Mas tem alguns casos que a interpretação é completamente incondizente com a proposta de comunicação do filme. Raramente eu gosto de usar a frase 'você não entendeu' a mensagem, porque em geral é uma assertiva falsa e que serve apenas para tentar ocultar o inevitável: que se quer defender uma obra, via de regra, indefensável. Mas quanto ao 'Enigmas de um Crime', chama a atenção o fato de que, inclusive as pessoas que gostaram, não conseguiram captar a mensagem por trás do filme, ainda que ela seja demasiadamente óbvia e explícitada no longa - verbalmente explicitada, vale dizer. Realmente, os seres humanos não gostam de abrir mão da ilusão do sentido.

De mais a mais, é cada comentário sem noção...

***

Comentário 1

É bom, mas é um blá blá blá quase o filme inteiro, só o final é completamente claro. Por isso eu faço humanas.

Comentário 2

Ele filme eh excelente! Para quem gosta de enigmas, usar logica e matematica como eu estudante universitario de computação, adoreiii. Vale e muito a pena assistir.Qtas vezes for.

Comentário 3

Talvez por não gostar de matemática, o filme não tenha me cativado. Ele é cansativo demais, o final pelo menos é bacana!

Comentário 4

Achei tãããão low budget! Eu sei talvez esse tenha sido o objetivo, de alguma forma, e nem tô criticando filmes que sejam assim, eu só esperava mais de um filme com o Wood e o John Hurt. Tem toda uma historinha e tal, mas não convence. Confesso que até fiquei surpresa com o final, mas mesmo assim, não salva o filme. Não é horrível, mas também não é sensacional. Fico na espera do próximo grande passo do Elijah Wood. Ele é um bom ator, mas fica escolhendo esses papeizinhos. Enfim né...

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Ciclos.

O sonho oculto de todo oprimido é se tornar um opressor.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Aula de Economia.

Nosso amor é um mercado norte americano
Emitindo falsos lucros...

(Riffs, Superguidis)

O meu manancial de paz
Cresceu muito mais
Que o PIB da china em 2003

(O Coraçãozinho, Superguidis)

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Realmente...

Tem textos que a gente lê que são tão mal escritos, tão porcamente argumentados, tão descuidados que nos fazem, por um instante ao menos, acreditar que não somos completamente estúpidos.

E o mais legal é ver que o texto em questão foi apresentado por uma mestra em comunicação formada há três anos - que hoje é doutora em Letras (imagina só as atrocidades que agora ela deve cometer).

Parabéns Aao Concurso de Jornalismo da CEMIG e, por tabela, à Adélia Barroso Fernandes, por nos brindar com tamanha enrolação!

Nota Mental: Este é o tipo de texto que deveria ser repassado aos alunos de uma primeira aula de Teorias da Comunicação sob a consideração "como não proceder em um artigo". Ia guiar perfeitamente a direção do curso em questão.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Tipificações.

Parabéns, fulaninha!

Porque a vida...




(CITAÇÃO ENORME DO CIORAN)







domingo, 9 de setembro de 2012

A história da humanidade.

Philip lembrou-se da história do Rei do Oriente que, desejando conhecer a história da humanidade, recebeu de um sábio quinhentos volumes; ocupado com negócios de Estado, pediu-lhe que a condensasse. Ao cabo de vinte anos, o sábio voltou e a sua história ocupava agora apenas cinquenta volumes; mas o rei, já velho demais para ler tantos livros volumosos, pediu-lhe que a fosse abreviar mais uma vez. Passaram-se de novo vinte anos, e o sábio, velho e encanecido, trouxe um único volume com os conhecimentos que o rei procurara; este, porém, estava deitado no seu leito de morte, nem tinha mais tempo de ler sequer aquilo. Aí o sábio deu-lhe a história da humanidade numa única linha: 'Nasceram, sofreram, morreram'.

(Servidão Humana, Somerset Maugham)

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Jornalistinha de merda.

"...disse e repito: seria preciso resgatar a minha história pr'eu abrir mão dessa orfandade, sei que é impossível, mas seria esta a condição primordial; já foi o tempo em que via a convivência como viável, só exigindo deste bem comum, piedosamente, o meu quinhão, já foi o tempo em que consentia num contrato, deixando muitas coisas de fora sem ceder contudo no que me era vital, já foi o tempo emque reconhecia a existência escandalosa de imaginados valores, coluna vertebral de toda 'ordem'; é esta consicência que me libera, é ela hoje que me empurra, são outras agoras minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de problemas; num mundo estapafúrdio - definitivamente fora de foco - cedo ou tarde tudo acaba se reduzindo a um ponto de vista, e você, que vive paparicando as ciências humanas, nem suspeita que paparica uma piada: impossível ordenar o mundo dos valores, ninguém arruma a casa do capeta; me recuso pois a pensar naquilo em que não mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade; me lixo com tudo isso! me apavora ainda a existência, mas não tenho medo de ficar sozinho, foi consciente que escolhi o exílio, me bastanto hoje o cinismo dos grandes indiferentes..."

(Um Copo De Cólera, Raduan Nassar)

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Música do dia - e de vários outros.

Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés

(O Mundo é um Moinho, Cartola)

Estética.

Uma palavra extremamente abominável.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Perfil.

"Ele é o tipo de pessoa que tira a maior nota na prova do mestrado e a menor na entrevista".

domingo, 26 de agosto de 2012

Glauber Rocha.

"Uma idéia na cabeça, uma câmera na mão e uma merda na tela".

(Alguma sábia professora)

sábado, 25 de agosto de 2012

O Mal do Século.

Por um lado, as estúpidas clariceanas.
Por outro, os retardados bukowscos.
Essa vida heróica vai longe...

Não é a toa que a efetiva individualidade é praticamente nula e, antes disso, se subsume a uma tipificação indecorosa...

E assim vamos (quase?) todos andando rumo ao precipício! Viva a era da falta de noção!

***

Não pensem meus caros "leitores" que eu me coloco à parte da tipificação. Evidentemente pertenço a um tipo escasso, o "ciorânico", cuja grande vantagem é ter apenas um certo "senso de desconfiança".

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Piadas Prontas.

"Fulano de tal, especialista em Branding".

É levar muito a sério a vida confiar em especialistas desse naipe...

terça-feira, 21 de agosto de 2012

"Surrealismo".

Tá pra ser escrito um livro mais presunçoso que "O Jogo da Amarelinha", do Julio Cortázar - ou, quando a enrolação pós moderna ganha um gênero narrativo definitivo: "surrealismo". Ah, minha santa paciência...

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Trecho. (2)

Heinrich e Schilinski se foram. Um aperto de mão e um adeus. Partiram. É bem provável que eu nunca mais os veja. Como são breves as despedidas. Quer-se dizer alguma coisa, mas, bem na hora, se esquece o apropriado a dizer e não se diz nada, ou se diz alguma idiotice. Despedir-se é horroroso, para quem parte e para quem fica. Momentos assim sacodem a vida humana, e sentimos vividamente o nada que somos. Despedidas rápidas são desconsideradas; despedidas longas, insuportáveis. Que fazer? Bem, só resta mesmo dizer algo simplório.

(Jakob Von Gunten - Um Diário, Robert Walser)

Trecho.

No fundo, inexiste atividade que lhe seja apropriada, porque toda ocupação é, parq eum ostenta seu aspecto, inapropriada, antinatural e inadequada. Comparado a Schacht, sou um brutamontes. Ah, ele será semagado e, um dia, perecerá num hospital, ou então, arruinado de corpo e alma, vai se consumir numa de nossas modernas prisões. Agora, espreme-se pelos cantos da sala de aula, envergonhado e remendo ante um futuro adverso e desconhecido. Preocupada, a srta. Benjamenta o contempla, mas, no momento, também ela se vê dominada por seus próprios problemas, e em tal medida que não poderia de fato cuidar dele. De resto, nem teria como ajudá-lo. Um deus talvez devesse e pudesse fazê-lo, mas deuses não existem; o que há é apenas um único Deus, demasiado sublime para ser de alguma valia. Prover ajuda e alívi, tais coisas nem seriam apropriadas ao Todo-Poderoso, ou pelo menos é o que sinto.

(Jakob Von Gunten - Um Diário, Robert Walser)

Um começo.

A vida é ruim; eu sei. Mas ainda não vou cortar a teia da própria vida feito ela minha mãe: o vocábulo é minha âncora; aqui desta mesa mirante observo o anoitecer dos outros para esquecer-me do próprio crepúsculo.

(Minha Mãe Se Matou Sem Dizer Adeus, Evandro Affonso Ferreira)

***

Tá aí o começo do melhor livro que li neste ano de 2012. E olha que nesse ano, apesar dos pesares, li bastante coisa e obras excelentes:

O Mendigo que Sabia de Cor Os Adágios de Erasmo de Roterdã, Evandro Affonso Ferreira
Araã, Evandro Affonso Ferreira
Respiração Artificial, Ricardo Piglia
O Passado, Alain Pauls
Extinção, Thomas Bernhard
Ferdydurke, Witold Gombrowicz
Eu Servi o Rei da Inglaterra, Bohumil Hrabal
Uma Confraria de Tolos, John Kennedy Toole
No Teu Deserto, Miguel Sousa Tavares
Bagana na Chuva, Mário Bortolotto
Uma Coisa de Nada, Mark Haddon
Jakob Von Gunten - Um Diário, Robert Walser
Misto Quente - Charles Buckowisky
Cordilheira - Daniel Galera

sábado, 11 de agosto de 2012

Constatações.

Nada mais engraçado que os títulos de trabalhos científicos. Bastaria aos humoristas apenas lê-los em voz alta a uma plateia e o riso desabroxaria sem esforço algum.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

"Adevocacia".

Desireê e Fred à parte, advogados quando formam deveriam ganhar um diploma e um litro de óleo de peroba. Haja visto a excelente declaração do excelentíssimo doutor Arnaldo Malheiros Filho:

"Quadrilha é quando três ou mais pessoas se associam para cometer um crime. Eles (Delúbio, José Dirceu e outros petistas) se associaram em torno de um sonho, de um projeto de poder, de (um ideal de) mudar o Brasil".

terça-feira, 31 de julho de 2012

Registro.

Pensava eu no meu cavalinho parado lá fora, na solidão maravilhosa da minha nova casa, e via como as pessoas ali estavam eclipsando o que eu queria ver e saber, como estavam simplesmente se divertindo da maneira como eu costumava fazer, adiando as perguntas que um dia teriam de fazer a si mesamas, se tivessem sorte suficiente de ter tempo para isso antes de morrer. Na verdade, toda vez que ia ao bar, eu me dava conta de que o básico na vida é questionar a morte, é uma conversa que ocorre entre o infinito e a eternidade, e o modo como lidamos com a nossa morte é o começo do que é bonito, porque, quando contemplamos a morte, as coisas absurdas na nossa vida, que, de toda forma, sempre termina antes do que a gente queira que termine, sempre nos enche de amargura e, portanto, de beleza.

(Eu Servi o Rei da Inglaterra, Bohumil Hrabal)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Comentários impublicáveis...

- Desde quando ver o gramado de uma universidade proporciona a alguém uma experiência estética?
- A menos que seja um burro...

domingo, 22 de julho de 2012

Catrâmbias...

Insólito, você é insólito...

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Dia da Independência!

Não falo, evidentemente, da estadunidense.

Enfim fim.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Um Sem Noção...

... que deixou escapar uma idéia sensata:

"Eu preciso da palavra gnóstica, da palavra maniqueu e eu preciso dela não porque eu não saiba falar as palavras do mundo; eu sei imitá-las muito bem, eu sei imitar a palavra-correta, a palavra “nossa-que-cara-culto!”, a palavra “olha-como-ele-é-articulado”, eu sei, eu falo de cabeça cheia, eu tirei dez, a chamada nota máxima em quase todos os trabalhos que escrevi numa famosa instituição universitária e ali, naquele centro de excelência, naquela fábrica de inseminação de bons alunos, naquele exército do saber bem e do dizer bem, eu não emudeci e eu não me saí de todo mal, e eu convivi com muitos filhotes-de-papai que se tornaram filhotes-de-orientador, isto é, gente que seguiu sem gemer, sem o menor conflito, essa monstruosidade chamada homem-de-carreira, chamada homem-de-sucesso e que trocou o papá-gosta-menino-eu pelo cabeça-professor-ama-texto-eu. Eu conheci a violência intrínseca dessas pequenas criaturas culturais, criaturas que riscavam do convívio quem dissesse errado a coisa-Descartes e a coisa-Freud, e que, embora não tivessem os bens materiais como a coisa-Mercedes e a namorada-coisa-gostosa-que-vai-vernissage, tinham muitos bens culturais dentro da cabeça e adoravam a coisa-Kant, a coisa-Fitche e as belezas da literatura assimilada na bolsa de Paris. Agora eu me lembro de tudo, a assim chamada Madeleine está inteirinha atravessando a minha boca, e é necessário que eu diga absolutamente tudo, pois isso, como já disse, não é mais uma questão minha".

(Juliano Pessanha)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

De volta ao normal!

Viva!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Definições.

Jornalismo: não ter sobre o que falar e ainda assim falar do mesmo jeito.

***

Definição fornecida após assistir a edição de hoje do Sportv News, que enrolou 2 horas para montar um programa que poderia levar 20 minutos.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Fauna.

- Além de um escritor arrogante, você é ainda um machistinha escroto. Eu apenas acho que as pessoas deviam experimentar um pouco de tudo. Não deviam ficar dizendo que não gostam de algo que nunca experimentaram.
- Por que você não experimenta ler um Dostoiévski? Ia fazer bem pra você.

E saí de perto dela. Uma rata empedernida cheia de opiniões modernosas. O tipo de pessoa que fala um clichê atrás do outro como se tivesse recém descoberto a América. Você deve conhecer alguns ou algumas como ela. Convém manter distância dessa fauna.

(Bagana na Chuva, Mário Bortolotto)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Paradoxo da era da falta de noção.

Quanto mais sem noção uma pessoa é, mais ela acha que tem noção.

A era da falta de noção.

Só a noção tem limite; a falta de noção, não.

Sweet and Tender Hooligan.

In the midst of life we are in debt, etc.

(Morrissey)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Indivíduos e Tipos de Indivíduos.

Viver só. Estar só até à morte. Ninguém quer conhecer-nos para nos amar. Defendermo-nos sem uma falha de atenção. Fechar a porta com duas voltas. E vir então para a rua. E ser quotidiano e medíocre. E ser amável. E ser igual, para que todos fiquem tranquilos sem a ameaça, a insolência, o insulto de uma diferença. Já o disse. Mas não há mal em repetir.

(Vergílio Ferreira, Conta Corrente I)

sábado, 28 de abril de 2012

Sahara, 1987. (4)

Cheguei a casa e fui procurar as tuas fotografias, as fotografias da nossa viagem. Guardei-as dentro de um envelope grande no qual escrevi "Sahara, 1987" e meti-as dentro de uma gaveta, num armário. Desde então, mudei algumas vezes de casa, mudei até de vida outras vezes, e as fotografias continuaram sempre dentro desse envelope, na gaveta, no mesmo armário. Vinte anos. Só ontem é que voltei a vê-las. Só ontem é que percebi que tinhas morrido.

(No Teu Deserto, Miguel Sousa Tavares)

Sahara, 1987. (3)

A razão principal é que já não há muita gente que tenha tempo a perder com o deserto. Não sabem para que serve e, quando me perguntam o que há lá e eu respondo "nada", eles riscam mentalmente essa viagem de seus projectos. Viajam antes em massa para onde toda a gente vai e todos se encontram. As coisas mudaram muito, Cláudia! Todos têm teorro do silêncio e da solidão e vivem a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas, mails e contactos no Facebook e nas redes sociais na Net, onde se oferecem como amigos a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se encontrarem, contactam-se, para não perder tempo. em vez de se descobrirem, expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia das suas vidas, com amores antigos e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, "leves", disponíveis, sensíveis e interessantes; E por isso é que vivem esta estranha vida: porque, muito embora julguem poderem ter o mundo aos pés, não aguentam nem um dia de solidão. Eis porque já não há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém capaz de enfrentar toda aquela solidão.

(No Teu Deserto, Miguel Sousa Tavares)

Sahara, 1987. (2)

- Em que pensas?
- Estava a pensar que há viagens sem regresso. E que nunca mais vou voltar desta viagem. Nunca mais vou regressar do deserto.

(No Teu Deserto, Miguel Sousa Tavares)

Sahara, 1987.

Foste embora, foram-se embora as outras visitas desse dia, uma enfermeira veio dar-me um remédio e mudar o frasco de soro, e eu fiquei sozinha, a pensar em ti e na tua visita. Através da janela do quarto, percebi que a tarde estava a acaar e que as luzes da cidade se iam acendento. Lá de fora vinha o ruído do trânsito ao fim do dia, um ruído de gente e automóveis apressados, gente que queria voltar para casa, onde estavam os que amavam ou os que se tinham habituado a amar, sem fazer demasiadas perguntas nem exigir nada mais do que esse amor tranquilo de todos os dias. É verdade que nunca quis ou nunca vivi para querer isso para mim. Queria mais, vê tu! Queria viver no limite todos os dias, queria que as coisas estivessem sempre a correr. Conhecer novaspessoas todo o tempo, sair, ir a discotecas, divertir-me todos os dias, sentir que podia seduzir todos a minha volta e brincar com isso. Mas agora, agora que a noite chegou e que fiquei sozinha, agora que sei que também tu voltaste para uma casa onde tens alguém à tua espera, alguém que te ama, alguém que de dá paz, também a mim, de repente, me apetecia poder ir para casa e ter à minha espera alguém que me amasse. Não, não estou a dizer que queria que fosses tu. Não estou a dizer isso, estou a falar de alguém. Alguém sem nome.

Eu sei que algures, mais adiante na minha vida, hei-de encontrar quem esteja em casa à minha espera quando eu chegar. im, eu sei, está escrito, é sempre assim. Mas era agora que eu queria não sentir este vazio, não te sentir tão distante, tão longe do deserto. Queria só dar um sentido à nossa viagem. Já sei, já sei que nada dura para sempre - só as montanhas e os, os rios meu sábio. Mas o que fomos nós um para o outro: apenas companheiros ocasionais de viagem? Com o tempo contado, com tudo previamente estabelecido e com prazo de validade previsto à partida? Foi só isso, diz-me, foi só isso o nosso encontro? Não ficou mais nada lá atrás, não deixamos nada de nós os dois no deserto que atravessamos?

(No Teu Deserto, Miguel Sousa Tavares)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Em extinção. (4)

Se meu tio Georg soubesse como na realidade estou agora subitamente sozinho! Semrpe anseio pela solidão, mas se estou sozinho, sou a pessoa mais infeliz. Não suporto a solidão e falo nela sem parar, prego a solidão e a odeio profundamente, porque não há mais nada que faça tão infeliz, como sei, como agora já sinto na pele, prego a solidão por exemplo a Gambetti e sei exatamente que a solidão é o mais temível de todos os castigos. Digo a Gambetti, Gambetti, o sublime é a solidão, porque me arvoro emseu filósofo, mais sei perfeitamente que a solidão é o mais terrível dos castigos. Só um louco propaga a solidão, e afinal de contas estar completamente sozinho nada mais é do que estar completamente louco, pensei, e tornei a caminha na direção contrária.

(Extinção, Thomas Bernhard)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Em extinção. (3)

Um infortúnio, por mais terrível que seja, não nos autoriza a falsificar a memória, a falsificar o mundo, a falsificar tudo, a fazer, em suma, causa comum com a hipocrisia. Constatei muitas vezes que, de falecidos tomados a vida inteira como repulsivos e repugnantes, falava-se de repente como se nunca houvesse sido repulsivos ou repugnantes em sua vida. Isso sepre me pareceu de um mau gosto constrangedor. Afinal a morte de uma pessoa não a torna outra, não a torna um bom caráter, não a torna um gênio se era imbecil, um santo se a vida inteira foi um monstro. Temos de suportar um tal acidente como natural, aturá-lo com todos os seus horrores, mesmo com a certeza de que ele não altera, em sua verdadeira imagem, as pessoas mortalmente acidentadas. Sobre um morto não se deve falar mal, dizem as pessoas, uma opiniçao hipócrita e falsa. Como é que posso afirmar de repente, depois da morte de alguém que a vida inteira foi sempre uma pessoa ignóbil, um caráter de todo abjeto, que ele não terá sido uma pessoa ignóbil, um caráter abjeto mas de súbito uma pessoa boa? Esse mau gosto constatamos todos os dias quando alguém morre. Assim como não devíamos hesitar em dizer, quando de sua morte, tal pessoa boa morreu, também não devíamos hesitar em dizer, tal pessoa sórdida, abjeta, morreu. Morreu com todos os seus erros, devíamos dizer, e com tudo o que tinha de encantador, com tudo o que tinha de admirável, em todo caso. Sua morte não deve de maneira alguma corrigir a imagem que temos de uma pessoa. Para nós, ela continua o que era, devíamos dizer conosco, e deixá-la em paz.

(Extinção, Thomas Bernhard)

Em extinção. (2)

E quem dirá se nós mesmos seguimos o caminho correto? Nós mesmos não somos as pessoas mais felizes do mundo. E estivemos sempre em busca do ideal, sem encontrá-lo. O fato é que nós todos sempre buscamos um caminho para nos aproximar uns dos outros e com isso sempre nos afastamos cada vez mais, quanto maiores foram nossas tentativas de nos reaproximar, tanto mais nos afastamos uns dos outros. Nossas tentativas, nesse sentido, disse, sempre terminaram em mágoa. Sempre desistimos de nossas tentativas somente porque, do contrário, serímaos sufocados por nossas próprias censuras, disse.

(Extinção, Thomas Bernhard)

Em extinção.

É natural amar nossos pais, e igualmente natural amar nossos irmãos, pensei, de novo defronte da janela e olhando a Piazza Minerva lá embaixo, que continuava deserta, e não percebemos que, a partir de um determinado momento, os odiamos contra nossa vontade, mas de maneira tão natural quanto antes os amávamos, por todos esses motivos de que tomamos consciência somente anos, muitas vezes décadas mais tarde. Não podemos mais indicar o momento exato em que não amamos mais, senão odiamos, nossos pais e nossos irmãos, e também não nos empenhamos mais em averiguar esse momento exato, porque no fundo temos medo. Quem deixa os seus contra a vontade deles, e ianda por cima da maneira mais implacável como eu fiz, tem de dar o ódio deles como certo, e quanto maior tiver sido o amor deles por nós, tanto será o ódio deles quando tivermos posto em prática aquilo que havíamos prometido.

(Extinção, Thomas Bernhard)

terça-feira, 17 de abril de 2012

Ah, a verdade... (2)

Porque essa verdade que Sofía e sua mãe haviam procurado durante tanto tempo, e pela qual, naquela ocasião, quando Rímini ainda fazia parte de suas vidas, teriam feito qualquer sacrifício - essa verdade demonstrava ser duplamente inútil: aparecia agora, quando já era tarde demais, e aparecia para ele, que nunca a procurara e não tinha mais nenhuma relação com o mundo que vinha a perturbar. E enquanto começava a pensar que talvez isso explicasse a sorte catastrófica da verdade humana - isso: não o fato de que não houvesse verdade, como sustentavam muitos, mas o fato de que a verdade vinha sempre fora de hora, quando o enigma a que dava resposta já fora esquecido, e jamais caía nas mãos daqueles que a procuravam ou que dela necessitavam.

(O Passado, Alan Pauls)

quinta-feira, 8 de março de 2012

10 Anos.

O tempo passa, certas coisas não se modificam.

I Know, I Know...

It's so easy to laugh
It's so easy to hate
It takes strength to be gentle and kind

(I Know It's Over, The Smiths)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

D.

Para poder morrer
Guardo insultos e agulhas
Entre as sedas do luto.

Para poder morrer
Desarmo as armadilhas
Me estendo entre as paredes
Derruídas.

Para poder morrer
Visto as cambraias
E apascento os olhos
Para novas vidas
Para poder morrer apetecida
Me cubro de promessas
Da memória.

Porque assim é preciso
Para que tu vivas.

(Hilda Hilst)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Que poema de Fernando Pessoa é você?

A vida é para nós o que concebemos nela. Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.
Isto não vem a propósito de nada.
Tenho sonhado muito. Estou cansado de ter sonhado, porém não cansado de sonhar. De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos. Em sonhos consegui tudo. Também tenho despertado, mas que importa? Quantos Césares fui! E os gloriosos, que mesquinhos! César, salvo da morte pela generosidade de um pirata, manda crucificar esse pirata logo que, procurando-o bem, o consegue prender. Napoleão, fazendo seu testamento em Santa Helena, deixa um legado a um facínora que tentara assinar a Wellington. Ó grandezas iguais à da alma da vizinha vesga! Ó grandes homens da cozinheira de outro mundo! Quantos Césares fui, e sonho todavia ser.
Quantos Césares fui, mas não dos reais. Fui verdadeiramente imperial enquanto sonhei, e por isso nunca fui nada. Os meus exércitos foram derrotados, mas a derrota foi fofa, e ninguém morreu. Não perdi bandeiras. Não sonhei até ao ponto do exército, onde elas aparecessem ao meu olhar em cujo sonho há esquina. Quantos Césares fui, aqui mesmo, na Rua dos Douradores. E os Césares que fui vivem ainda na minha imaginação; mas os Césares que foram estão mortos, e a Rua dos Douradores, isto é, a Realidade, não os pode conhecer.
Atiro com a caixa de fósforos, que está vazia, para o abismo que a rua é para além do parapeito da minha janela alta sem sacada. Ergo-me na cadeira e escuto. Nitidamente, como se significasse qualquer coisa, a caixa de fósforos vazia soa na rua que se me declara deserta. Não há mais som nenhum, salvo os da cidade inteira. Sim, os da cidade dum domingo inteiro – tantos, sem se entenderem, e todos certos.
Quão pouco, no mundo real, forma o suporte das melhores meditações. O ter chegado tarde para almoçar, o terem-se acabado os fósforos, o ter eu atirado, individualmente, a caixa para a rua, mal disposto por ter comido fora de horas, ser domingo a promessa aérea de um poente mau, o não ser ninguém no mundo, e toda a metafísica.
Mas quantos Césares fui!

(Livro do Desassossego, Bernardo Soares)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sobre a lei das compensações.

Há compensações que não nos compensam.

Plínio (3).


You're gonna miss me when i'm gone.

Plínio (2).

Quem chegasse, por uma imaginação transbordante de piedade, a registrar todos os sofrimentos, a ser contemporâneo de todas as penas e de todas as angústias de um instante qualquer, esse – supondo que tal ser pudesse existir – seria um monstro de amor e a maior vítima da história do sentimento. Mas é inútil imaginarmos tal possibilidade. Basta-nos proceder ao exame de nós mesmos, praticar a arqueologia de nossos temores. Se avançamos no suplício dos dias, é porque nada detém esta marcha, exceto nossas dores; as dos outros nos parecem sempre explicáveis e suscetíveis de serem superadas: acreditamos que sofrem porque não têm suficiente vontade, coragem ou lucidez. Cada sofrimento, salvo o nosso, nos parece legítimo ou ridiculamente inteligível; sem o que, o luto seria a única constante na versatilidade de nossos sentimentos. Mas só estamos de luto por nós mesmos. Se pudéssemos compreender e amar a infinidade de agonias que se arrastam em torno de nós, todas as vidas que são mortes ocultas, precisaríamos de tantos corações quanto os seres que sofrem. E se tivéssemos uma memória milagrosamente atual que conservasse presente a totalidade de nossas penas passadas, sucumbiríamos sob tal fardo. A vida só é possível pelas deficiências de nossa imaginação e de nossa memória.

(A Chave de Nossa Resistência, Emil Cioran)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Plínio.

Um dos maiores problemas da vida é a facilidade que temos em nos afeiçoar.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Sapato Novo.

- Você tinha que ver, mãe. Ela disse que o coração dela disparou quando viu aquele sapato na loja como nunca quando me viu... - eu disse, provocando-a.
- Mas tem uma diferença substancial entre o sapato e você. Porque enquanto o encantamento pelo sapato pode ser até maior, eu sei que ele é efêmero. Por outro lado, a vontade de te ver, ainda que menos intensa, é mais alentadora e, justamente por isso, perpetua-se - ela replicou compreendendo.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Das batalhas.

Ah, Veruska...
Ê-Compós...
Ih, Guilherme.

Conselhos mete-físicos.

É muito fácil dizer a alguém: você não tem que entrar numa relação querendo que o outro te salve. Porque é um ato demagógico, pois no fim das contas o que se espera do amor, em tese, seja que ele constitua um espaço de revelação segura do ser - mas não existe revelação segura do ser, nem compreensão plena, nada disso. Desculpa. Na prática, o idiota que fala isso é o mesmo que quer ser salvo mas não quer assumir a responsabilidade de salvar ninguém. Nada mais humano querer as vantagens e não os ônus implicados na 'responsa'. O pobrema é mais grave: não existe espaço para salvação em vida. Essa salvação é sempre um sentimento de reconhecimento provisório e instantâneo, uma felicidade efêmera e não uma condição permanente. Uma metáfora do acolhimento. Então, rapaz, o que eu te falo é que quando você começar a idealizar uma pessoa - e esse é um sinal da bagaça - pague para ver, tente a encontrar com mais frequência, e vá operacionalizando a desidealização. Traga ela pro cotidiano e veja como ela funciona no dia-a-dia.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Com a palavra...

Bom senso.

Ronald Rios e o melhor comentário sobre o caso Rafinha Bastos:

- Eu quero que tudo se foda e meu pau cresça.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Diário de Bordo.

Ontem acordei 3h da manhã com sede, fui até a geladeira e vi no meu quarto uma lagartixa obesa e enorme. Apesar do pavor de saber que conviverei com ela até sexta, estou contando com a colaboração dela para comer os pernilongos e evitar que eu pegue aids. Já te disse que tenho pavor de lagartixa né?

Medicina.

Médico 1

- Não tô vendo nada aí.

Médico 2

- Ih, rapaz. Tá inflamado. Se não melhorar com essa medicação, o jeito vai ser entrar na faca.

Médico 3

- É só usar uma cueca apertada que em dois dias passa.

Robertinianas.

- Olha para o símbolo da Renault. Você sabe o que ele significa, né? Não, carro não serve mais para levar do ponto A para o ponto B, mas sim do ponto A para o ponto G.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Benjaminianas.

- O bacana é quando vem uma pessoa falando 'o que Benjamin quis dizer com isso...". No fim das contas essa pessoa nada mais faz que colocar palavras na boca de um defunto. E ai vira um vale tudo - ainda mais quando se trata dos textos sem sentindo do Benjamin, propícios à enrolação. É por isso que eu não uso esse autor.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Ano novo, vida nova.

- E ai, como foi a entrada de ano?
- Bem, para mim a entrada não faz diferença alguma, afinal, o tempo continua o mesmo.
- É muito simplório querer acreditar que a simples mudança de um calendário, mudança arbitrária, vai fazer a gente esquecer os problemas, não é mesmo?

***

Com este belíssimo preâmbulo de orientação começa meu ano de 2012. É uma sensação indescritível, ainda que aos 45 do segundo tempo, encontrar um orientador que realmente seja do tamanho do seu sonho. Espero que essa seja a primeira notícia boa de uma série de notícias vindouras.