quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Catastrofômetro.

Plim.



Plim - Plim.



Plim - Plim - Plim - Plim - Plim - Plim - Plim - Plim - Plim - Plim.

Era uma vez uma década...

We used to dream
Now we worry about dying.

(Young Hearts Spark Fire, Japandroids)

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Zumbido.

Aprendi o que era certo com a pessoa errada.

Os teus pés...

Quando não posso contemplar teu rosto,
contemplo os teus pés.

Teus pés de osso arqueado,
teus pequenos pés duros.

Eu sei que te sustentam
e que teu doce peso
sobre eles se ergue.

Tua cintura e teus seios,
a duplicada purpura
dos teus mamilos,
a caixa dos teus olhos
que há pouo levantaram voo,
a larga boca de fruta,
tua rubra cabeleira,
pequena torre minha.

Mas se amo os teus pés
é só porque andaram
sobre a terra e sobre
o vento e sobre a água,
até me encontrarem.

(Pablo Neruda)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A Filosofia dos Ovos. (2)

Durante toda a nossa vida enfrentamos decisões penosas, escolhas morais. Algumas delas têm grande peso. A maioria não tem tanto valor assim. Mas definimos a nós mesmos pelas escolhas que fizemos. Na verdade, somos feitos da soma total de nossas escolhas. Tudo se dá de maneira tão imprevisível, tão injusta, que a felicidade humana não parece ter sido incluída no projeto da Criação. Somos nós, com nossa capacidade de amar que atribuímos um sentido a um universo indiferente. Assim mesmo, a maioria dos seres humanos parece ter habilidade de continuar lutando até encontrar prazer nas coisas simples como seu trabalho, sua família e na esperança de que as gerações futuras alcancem uma maior compreensão.

(Crimes e Pecados, Woody Allen)

Das Revoluções...

Só é realmente revolucionário o estado pré-revolucionário, aquele em que os espíritos se consagram ao duplo culto do futuro e destruição. Enquanto uma revolução é apenas uma possibilidade, ela transcende os dados e as constantes da história, ultrapassa por assim dizer o seu espaço. Mas a partir do momento em que se instaura, retorna e se conforma a ele, prolongando o passado, segue sua rotina. Não há anarquista que não esconda, no mais fundo de suas revoltas, um reacionário que espera a sua hora, a hora da tomada do poder.

(Exercícios de Admiração, Emil Cioran)

domingo, 27 de dezembro de 2009

Ciorando (12).

Recorda-se de haver nascido em algum lugar, de haver acreditado nos erros natais, proposto princípios e defendido tolices inflamadas. Envergonha-se... e obstina-se em abjurar seu passado, suas pátrias reais ou sonhadas, as verdades surgidas de sua medula. Só encontrará paz depois de haver aniquilado nele o último reflexo de cidadão e os entusiasmos herdados. Como poderiam acorrentá-lo ainda os costumes do coração, quando quer emancipar-se das genealogias e quando o ideal mesmo do sábio antigo, desprezador de todas as cidades, parece-lhe um compromisso? Quem não pode mais tomar partido, porque todos os homens têm e não têm necessariamente razão, porque tudo está justificado e é insensato ao mesmo tempo, esse deve renunciar a seu próprio nome, pisotear sua identidade e recomeçar uma nova vida na impassibilidade ou na desesperança. Ou, senão, inventar um outro tipo de solidão, expatriar-se no vazio e seguir – ao azar dos exílios – as etapas do desenraizamento. Livre de todos os preconceitos, torna-se o homem inutilizável por excelência, ao qual ninguém recorre e que ninguém tema, porque admite e repudia tudo com o mesmo desapego. Menos perigoso que um inseto distraído, é contudo um flagelo para a Vida, pois ela desapareceu de seu vocabulário, junto com os sete dias da Criação. A e a Vida o perdoaria se ao menos tomasse gosto pelo caos em que ela começou. Mas ele renega as origens febris, começando pela sua, conservando do mundo apenas uma memória fria e um pesar cortês.

(De abjuração em abjuração, sua existência diminui: mais vago e mais irreal que um silogismo de suspiros, como será ainda um ser de carne e osso? Exangue, rivaliza com a Idéia; abstraiu-se de seus antepassados, de seus amigos, de todas as almas e de si mesmo; em suas veias, outrora turbulentas, repousa uma luz de outro mundo. Emancipado do que viveu, desinteressado do que viverá, demore os marcos divisórios de todas as suas estradas, e subtrai-se às referências de todos os tempos. “Nunca voltarei a encontra-me comigo”, se diz, feliz de dirigir seu último ódio contra si mesmo, mais feliz ainda ao aniquilar – com seu perdão os seres e as coisas.)

(Breviário de Decomposição, Emil Cioran)

Os Domingos da Vida...

Se as tardes de domingo fossem prolongadas durante meses, o que seria da humanidade, emancipada do suor, livre do peso da primeira maldição? A experiência valeria a pena. É mais do que provável que o crime se tornasse a única diversão, que a devassidão parecesse candura, o uivo melodia e o escárnio ternura. A sensação da imensidade do tempo faria de cada segundo um intolerável suplício, um pelotão de execução capital. Nos corações mais imbuídos de poesia se instalariam um canibalismo estragado e uma tristeza de hiena; os patíbulos e os carrascos extinguiriam-se de langor; as igrejas e os bordéis explodiriam de suspiros. O universo transformado em tarde de domingo... é a definição do tédio - e o fim do universo... Retire a maldição suspensa sobre a História e esta desaparece imediatamente, assim como a existência, na vacância absoluta, revela sua ficção. O trabalho construído do nada forja e consolida os mitos; embriaguez elementar, excita e cultiva a crença na "realidade"; mas a contemplação da pura existência, contemplação independente de gestos e de objetos, só assimila o que não é...

Os desocupados captam mais coisas e são mais profundos que os atarefados: nenhuma empresa limita seu horizonte; nascidos em um eterno domingo, olham e se olham olhar. A preguiça é um ceticismo fisiológico, a dúvida da carne. Em um mundo tomado pela ociosidade, seriam os únicos a não se tornar assassinos. Mas não fazem parte da humanidade e, como o suor não é o seu forte, vivem sem sofrer as conseqüências da Vida e do Pecado. Não fazendo o bem nem o mal, desdenham - espectadores da epilepsia humana - as semanas do tempo, os esforços que asfixiam a consciência. O que deveriam temer de uma prolongação ilimitada de certas tardes, senão o pesar de haver sustentado evidências grosseiramente elementares? Nesse caso, a exasperação no verdadeiro poderia induzi-los a imitar os outros e a comprazer-se na tentação aviltante das tarefas. Tal é o perigo que ameaça a preguiça - milagrosa sobrevivência do paraíso.

(A única função do amor é nos ajudar a suportar as tardes dominicais, cruéis e incomensuráveis, que nos ferem para o resto da semana - e para a eternidade.

Sem a sedução do espasmo ancestral, precisaríamos de mil olhos para prantos ocultos ou, senão, unhas para roer, unhas quilométricas... Como matar de outra maneira este tempo que já não flui? Nestes domingos intermináveis, a dor de ser manifesta-se plenamente. Às vezes conseguimos nos esquecer em alguma coisa; mas como nos esquecermos no próprio mundo? Esta impossibilidade é a definição da dor. Aquele que é atingido por ela não se curará nunca, mesmo que o universo mudasse completamente. Só seu coração deveria mudar, mas é imutável; também para ele, existir só tem um sentido: mergulhar no sofrimento - até que o exercício de uma cotidiana nirvanização eleve-o à percepção da irrealidade...)

(Breviário de Decomposição, Emil Cioran)

O Apocalipse Segundo Cioran.

- Como pode ajudar um trabalho que pede a futilidade, a falta de sentido?
- Ajuda porque formula coisas que os outros sentem. Dá-lhes consciência para se encontrarem.
- Para consertar o desespero, não é esse um caminho para fazer as coisas trabalharem de modo mais coerente?
- Tudo que é formulado se torna mais tolerável. Você entende? A expressão, esse é o remédio. Qual é o definitivo propósito de confessar a um padre que você fez isso ou aquilo? O crente busca com isso liberar-se. Tudo o que é formulado tem sua intensidade diminuida. Isso é terapeutico e o propósito da terapia. De fato, as depressões que tive em minha vida poderiam ter me levado à loucura ou ao fracasso total. O fato de que eu as formulei teve uma eficiência extraordinária. Se eu nunca tivesse escrito, estou plenamente convencido de que tudo teria acabado mal. Eu escrevi cinco livros em romeno e oito ou nove em francês.
- E agora?
- Parei de escrever porque algo mudou em mim. É uma diminuição em relação a um sentimento - a intensidade de uma emoção. E eu comecei a observar uma espécie de fadiga em mim mesmo, um nojo da expressão. Eu parei de acreditar nas palavras. Sem falar no espetáculo literário em Paris, onde todos escrevem de manhã até à noite sem parar. Eu neguei - como fiz minha vida inteira -, eu neguei, mas essa negatividade militante já não mais me interessa. Como se meu aspecto guerreiro servisse a negação como um meio para a libertação. Foi a partir disso que parei de me importar. Não preciso mais disso. É um simples fenômeno; para falar a verdade, fadiga.
- Essa fadiga não traz consigo algum tipo de reconciliação?
- Não, não, mas diminui. Eu tive por toda a minha vida esta extraordinária aspiração de ser o mais lúcido homem que já conheci. Uma forma de megalomania. É verdade que durante toda a minha vida tive o sentimento de que todos viviam em ilusão - exceto eu. E de fato, tive essa profunda convicção. Embora não seja uma forma de desdém. O sentimento de que eu tinha de que tudo está errado, de que todos são ingênuos, me fez dar a mim mesmo a chance de não estar errado. É como não participar de nada e apenas encenar em uma espécie de comédia para outros sem participar dessa comédia.
- Portanto, no fim você estava certo...
- Absolutamente.

Subsolo,

Trecho 1

O homem – seja ele quem for – sempre em toda parte gostou de agir a seu bel prazer e nunca segundo lhe ordenaram a razão e o interesse; pode-se desejar ir contra a própria vantagem e, às vezes, decididamente se deve (isto já é uma idéia minha). Uma vontade que seja nossa, livre, um capricho nosso, ainda que dos mais absurdos, nossa própria imaginação, mesmo quando excitada até a loucura – tudo isto constitui aquela vantagem das vantagens que deixei de citar, que não se enquadra em nenhuma classificação, e devido à qual todos os sistemas e teorias se desmancham continuamente, com todos os diabos!

Trecho 2

Pensai no seguinte: a razão, meus senhores, é coisa boa, não há dúvida, mas a razão é só razão e satisfaz apenas a capacidade racional do homem, enquanto o ato de querer constitui a manifestação de toda a vida, isto é, de toda a vida humana, com a razão e com todo o coçar-se. E embora a nossa vida nessa manifestação resulte muitas vezes ignóbil, é sempre a vida e não apenas a extração de uma raiz quadrada.

(Memórias do Subsolo, Dostoiévski)

***

- A sua razão excessiva acabou por te tornar irracional.

Das constatações. (6)

Não importa para onde vamos ou o que façamos, estamos sempre em fuga.

Das constatações. (5)

- O amor é um estado de intimidade tal que permite sermos ridículos sem nos importarmos nem um pouco com isso.

Das constatações. (4)

- Bem ou mal o alvo final é sempre o corpo. Quando sentimos que o outro gosta não apenas das nossas idéias mas também - e principalmente - do nosso corpo finalmente percebemos que ele nos aceita como realmente somos.

Das constatações. (3)

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

(Álvaro de Campos)

Das constatações. (2)

Neste insignificante negócio só fiz comprovar mais uma vez, meu caro, que os mal-entendidos e a indolência talvez causem mais engans no mundo do que a esperteza e maldade. De qualquer modo as duas últimas são, por certo, mais raras.

(Os Sofrimentos do Jovem Werther, Goethe)

sábado, 26 de dezembro de 2009

Das constatações.

É estranho sentir o coração sair para fora do peito.

Da sensualidade.

- A parte mais sensual de uma mulher? A boca. Principalmente quando ela se mantem fechada.

O erro da década.

E pensar que o erro da década foi um acerto...

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Cofre.

Demora, mas chega um dia em que se aprende a impossibilidade de dizer a outrem tudo o quanto se deseja. Não apenas pela razão mais evidente, pelos estragos que a sinceridade pode causar, mas porque, e em alguns casos principalmente, não há como se dizer tudo. Eu gostaria que fosse diferente, mas reconheço que é preciso tempo, tempo para que o passado se transforme em nostalgia e os embaraços, aquelas risadas confortáveis. Aí sim poderemos marcar o suco ou, se você preferir, o luau na Praça do Papa. Não que tenha sido ruim, muito pelo contrário: é apenas recente demais e o calor dos acontecimentos sempre interfere demais na avaliação. E eu simplesmente não desejo que isso aconteça. Em todo caso, até segunda ordem, guardo no cofre algumas das coisas que me passaram pela cabeça. Nada muito profundo, nada de suma urgência, embora necessário. E o que está em jogo nos momentos mais marcantes da vida é justamente a necessidade.

No dia em que estivermos na prometida mesa de bar, a primeira coisa que eu vou lhe dizer é o quanto a sua voz me transmitia uma certeza que poucas vezes eu tive na vida. Só de ouvir, acreditei. Não era apenas sensual e melodiosa, mas, sobretudo, havia uma candura tão longínqua que não me permitia desistir de tudo, na cena do crime. Sempre quando olhamos para trás e reconstruímos nossos passos, parece haver algo de premonitório, de fatalista: as minhas mãos tão covardes me traíram e enquanto eu me concentrava em pensar nas improbabilidades, discaram o seu número. Quando dei por mim, estava chamando já; e de chamar, a sua voz surgiu. Como eu disse, não era qualquer voz. E de pensar que até pouco tempo atrás, as vozes sequer atraiam a minha atenção. E, no entanto, desta vez ela simplesmente me dragou, abarcou completamente a minha impotência.

Eis que então, você chega. Não assim bruscamente. Sim, você nunca havia me visto e no entanto acertou talvez a característica que seja mais cara a mim: o meu senso de observação. Eu deveria te confessar, portanto, em algum momento, da apreensão da qual sou tomado nos “momentos-quase”. Aquele tempo entre você entrar no elevador e chegar até a minha casa, aquele pequeno intervalo... É um turbilhão de imagens que atravessa e reconstrói a própria noção de duração que me constitui. E de repente, eis você, em carne, osso e voz. Carne, osso e voz. “A gente precisa dar uns chutes de vez em quando”, eu disse, você lembra?,
porque periga de fazer gol. A metáfora é chula, eu sei, por mais pertinente e sugestiva até para a ocasião. Mas, para alguém que está acostumado a pegar, numa banca repleta de maçãs, o único exemplar podre da seara, poxa... Entendeu? Porque é isso, você era para ser mais uma daquelas maçãs podres. E talvez, provavelmente, o seja. É isso. Aparentemente nada de diferente. Mas quando eu dei a primeira dentada, eu vi que o podre tinha gosto doce, era macio. De repente as concepções se modificam. E exatamente tudo o que eu precisava era de uma maçã podre como você. Afinal, não existe aquele ditado “de onde menos se espera é que não vem nada mesmo”? Nem que eu esperasse o máximo eu seria capaz de imaginar você. E são essas situações as que no fundo eu mais espero que aconteçam na minha vida.

Não estou falando – e eu já me pego em um dos meus inúmeros diálogos imaginários – especificamente da carne. É estranho quando de repente a finalidade é subvertida: o fim se torna princípio. No podredume havia algo de fundamental, algo inimaginável. Quem diria, compreensão, você, companheira infiel, estava ali, bem na minha frente. Corta, flashback. Corta, retorna ao presente. Sem mais nem menos, bem na minha frente havia muito mais do que eu procurava. Porque não era apenas o corpo dos meus sonhos, não apenas os pés pequenos e o sorriso no rosto. Seria suficiente, mas não o bastante. Mais do que isso: carinho. Quem diria, não é mesmo? Carinho, uma coisa tão elementar. Um verdadeiro carinho de alguém que sequer tinha qualquer tipo de obrigação de fornecê-lo. E como num passe de mágica tudo muda de figura. Calma. Isso. Assim. Simples. Sim, Cioran, mais uma vez tens a razão: mais do que uma lição, há humanidade. E como se pode agradecer humanidade? Isso eu queria muito te dizer em alguma oportunidade. E dizer, quem sabe, do gosto, do suor, da transpiração. Mas principalmente do dia seguinte. Não das dores, do corpo todo quebrado. Na verdade, no dia do suco, se ele vier – e ele há de vir – eu queria te dizer que eu passei o dia todo como se eu tivesse fumado maconha. De repente eu ria e suspirava. E pasme: não era pela coisa em si. Não. Era pelo si da coisa. Pelo contexto, pela aventura e simplesmente por você. Pelo ritual, por toda a apreensão do momento-quase até o quase-momento do fim. Aí eu olho para o meu calendário portátil e constato: desde setembro de 2007 eu não agia dessa maneira, não ria, gargalhava sem propósito, pateticamente, assim como faço agora que registro, que coloco tudo dentro desse cofre.

É, eu queria muito te dizer isso tudo algum dia. Dizer que sem se dar conta você modificou uma vida. Talvez este dia não chegue e no fim das contas o mais importante a ser dito sempre fica estendido debaixo do tapete. Mas dentro deste cofre, lacrado a sete chaves, fica guardado um agradecimento e um bocado de vida.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A música do ano.

A Festa.

Então toma cuidado com as lutas
Se você resolver se entreter
Há câmeras em todo canto aqui
O problema não é nem a multa
O problema é que é bom se sentir
Como se o tempo parasse de agir
Sobre os corpos.

Nós só viemos pra nos divertir
Deus, eu quis ser fiel a você!
Mas eu tenho tantos corações
Eu tenho tantos corações
Nós não ficaremos presos aqui
Sob a chuva eu quis divulgar
Vocês têm tantos corações
Vocês têm altos corações

Tantos sentidos me enlaçam
Quando eu sinto te perder
Eu me encontro e há outro dia em outras mãos
Quantos clichês que te falam
Que você só deve ter quem te torne mais feliz

Conta que eu amo as putas
Conta o quanto eu te quis
Quando você me quebrou o nariz

Nós só viemos pra nos divertir
Sob a chuva eu quis divulgar
Vocês têm tantos corações
Vocês têm altos corações

(Ensaio Sobre Poligamia, Violins)

Arroubo.

Tem momentos da vida em que eu só consigo pensar no quanto os eventos poderiam ter sido completamente diferentes, na quantidade de desentendimentos bestas e contornáveis de maneira simples e nas coisas bonitas que deveriam acontecer. Por outro lado, há circunstâncias em que fica a impressão de que no fim das contas tudo está no seu devido lugar: se houve o que houve é exatamente porque deveria ser assim. Provavelmente as duas sensações estejam equivocadas. Mesmo assim, algo ainda me faz acreditar ter conhecido as pessoas certas nesta vida - inclusive as erradas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Certificado.

A UNICOXA vem mui respeitosamente parabenizar o aluno Guilherme Antônio Carneiro de Sant'Ana pela finalização de seu curso.

Bem vindo a este seleto grupo de pessoas, mais novo graduado do curso “Vida e Engano – Uma abordagem pragmática.

Agora você não é mais um teórico do assunto. Você é também um prático.

Parabéns!

Roberto Rosa de Santana,
Diretor Pedagógico da UNICOXA

Dos sabores.

Não foram os movimentos espalhafatosos o que mais marcou a cena senão o cheiro e, sobretudo, o gosto do suor exalado.

Das considerações.

O mundo seria muito melhor se houvesse mais gente como Woody Allen. Falei.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A profissão dos sonhos.

Pensando em ganhar dinheiro mas não sabe exatamente qual a profissão ideal? Eu tenho a solução: seja um Deus você também! Afinal de contas, haja gente desamparada nesse mundo procurando algum vestígio de salvação e orientação. E o melhor de tudo: escolher pelos outros é sempre muito mais fácil e cômodo que para si mesmo.

Do Papelão.

A cara de pau não tem limites.
Muito menos a bipolaridade.

E os urubus só pensam em te comer...

PS: Viva a hipocrisia dos entendidos! Tá na hora de crescer, não? Por favor, procure outro esgoto para depositar as suas fezes. Pronto, finalmente toma o que você tanto queria e caia fora!


***

Eu quis você
E me perdi
Você não viu
E eu não senti
Não acredito nem vou julgar
Você sorriu, ficou e quis me provocar
Quis dar uma volta em todo o mundo
Mas não é bem assim que as coisas são
Seu interesse é só traição

E mentir é fácil demais
Mentir é fácil demais
Mentir é fácil demais
Mentir é fácil demais

Tua indecência não serve mais
Tão decadente e tanto faz
Quais são as regras? O que ficou?
O seu cinismo essa sedução
Volta pro esgoto baby
Vê se alguém lhe quer
O que ficou é esse modelito da estação passada
Extorsão e drogas demais
Todos já sabem o que você faz
Teu perfume barato, teus truques banais
Você acabou ficando pra trás

Porque mentir é fácil demais
Mentir é fácil demais
Mentir é fácil demais
Mentir é fácil demais
Volta pro esgoto baby
e vê se alguém lhe quer

(As Flores do Mal, Legião Urbana)

23:24

Depois do orgasmo a fumaça tenta, em vão, entorpecer.
Pra onde quer que o trem vá tu não te moves de você.

Nem o cinismo satisfaz o que nasceu pra perecer.
A ressonância faz da ponte um pastiche de papel.

As vidas secas no varal não têm mais cheiro de jasmim.
Mas o asseio em limpar conserva as manchas no lugar.

Não adianta explicar quando não se quer entender.
A ânsia de negar o pão só alimenta o mesmo.

Atravessar as plantações é atrofiar o coração:
O obsceno despertar pelo defeito pleno.
Porque ninguém salva o dia e a areia escorre.
Mas às vezes o amor nos faz trair a solidão e rir depois do triz.

Olha o que eu fiz!
Palmas pra mim!
A sua cena já não me comove mais.

Cospe aqui!
Diz que eu menti!
Você procura por alguém que seja a latrina do seu coração.
Um Deus a quem culpar pra se eximir.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Ciorando (11).

Consideremos o amor: há expansão mais nobre, arrebatamento menos suspeito? Seus estremecimentos competem com a música, rivalizam com as lágrimas da solidão e do êxtase: é o sublime, mas um sublime inseparável das vias urinárias: transportes vizinhos à excreção, céu das glândulas, santidade súbita dos orifícios... Basta um momento de atenção para que essa embriaguez, abalada, nos lance nas imundícies da fisiologia ou um instante de fadiga para constatar que tanto ardor só produz uma variedade de ranho. O estado de vigília altera o sabor dos nossos arroubos e transforma quem os sofre em um visionário pisoteando pretextos inefáveis. Não se pode amar e conhecer ao mesmo tempo sem que o amor padeça e expire sob o olhar do espírito. Investigue suas admirações, perscrute os beneficiários de seu culto e os que se aproveitam de seus abandonos: sob seus pensamentos mais desinteressados descobrirá o amor-próprio, o aguilhão da glória, a sede de domínio e de poder. Todos os pensadores são fracassados da ação que se vingam de seu fracasso por meio de conceitos. Nascidos aquém dos atos, os exaltam ou os menosprezam conforme aspirem ao reconhecimento dos homens ou à outra forma de glória: seu ódio; elevam indevidamente suas próprias deficiências, suas próprias misérias à categoria de leis, sua futilidade ao nível de princípios.

O pensamento é uma mentira como o amor e a fé. Pois as verdades são fraudes e as paixões, odores; e no final das contas a escolha está entre o que mente e o que fede.

(Breviário de Decomposição, Emil Cioran)

***

Que ninguém tente viver sem haver feito sua aprendizagem de vítima.

(Silogismos da Amargura, Emil Cioran)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Da auto-violência.

Às vezes o preço pode ser alto demais.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Herança.

A febre...

Please, please, please.

Good times for a change
see, the luck I've had
can make a good man
turn bad

So please please please
let me, let me, let me
let me get what I want
this time

Haven't had a dream in a long time
see, the life I've had
can make a good man bad

So for once in my life
let me get what I want
Lord knows it would be the first time
Lord knows it would be the first time

(Please Please Please Let Me Get What I want, The Smiths)

A Filosofia dos Ovos.

- E me lembrei da velha piada do cara que vai ao psiquiátra e diz: "Doutor, o meu irmão é maluco. Acha que é uma galinha" e o médico pergunta "por que é que não o traz de volta a si?". E ele responde: "até faria, mas preciso dos ovos". É mais ou menos o que sinto sobre as relações entre as pessoas. São totalmente irracionais, loucas e absurdas mas nós vamos aguentando porque precisamos dos ovos.

(Alvy Singer, Noivo Nervoso, Noiva Neurótica)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Conclusão.

Não era amor senão desespero.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Uma resenha.

Caro Tom,

Você é idiota. Encontrou o que acreditava ser a garota dos seus sonhos e imaginou que tudo seguiria como naquela cartilha:

Garoto encontra garota.
Garoto se apaixona por garota.
Garota se apaixona por garoto.
Os dois se separam.
E voltam para ficar juntos para sempre.

Só que no seu caso, cara, a garota nunca se apaixonou por você. Ela só te achava legal, divertido, boa companhia. Eu te acho legal. E idiota. Porque isso não quer dizer que eu esteja apaixonado por você.

Garotas como Summer não se apaixonam por caras como você. Aquela cena em que o cara fica cantando ela por meia hora antes de você resolver dizer que é o namorado, por exemplo. Meia hora. Sério? Inteligente, engraçado, bom gosto musical, conhecedor de cultura pop? Sim. Meio bocó? Também. Garotas como Summer acham caras como você fofinho, mas não se apaixonam por eles.

Como o narrador do filme diz, você consumiu cultura pop demais. A garota dos seus sonhos? “The one”? Amor eterno? À primeira vista? Não existe. Sabe o casal do “Apenas uma vez”? Eles se separaram depois do Oscar. E a Clementine e o Joel? Ela é casada com o Sam Mendes e ele anda numas viagens erradas de produzir e divulgar filmes de auto-ajuda.

Era tudo mentira.

A forma como o diretor Marc Webb constrói o seu relacionamento com Summer é genial. Uma mistura de gêneros. O início é como um documentário mesmo porque é aquela fase em que viramos entrevistadores / investigadores / pesquisadores querendo saber tudo sobre a pessoa. Depois, a cena do musical no dia seguinte à primeira transa. É exatamente como um cara tipo você se sente quando se dá bem com uma garota tipo a Summer.

O negócio é que aquele sentimento não dura.

Ele acaba, eventualmente. Aquela brincadeira de casinha na exposição de design é uma sátira genial dessa ilusão de como relacionamentos devem se desenvolver. Mas não é assim que acontece, certo? Porque aí vem aquela fase em que você cobra dela definições (porque, sim, você é a mulher da relação)...afinal, sexo no banheiro? Mãos dadas na exposição? Confidências pós-sexo? O que é isso tudo?

Mas a resposta desejada não é namoro, amor, o escambau. A definição para o que você quer ela diga é comédia romântica. Que vocês estão vivendo uma comédia romântica. Com um enorme “Felizes para sempre” no final. Só que isso só existe no cinema.

Enfim. Idiota. Mas você é legal também. Então...seguinte: deixe a cultura pop um pouco de lado, esqueça os filmes, as canções, os livros...eles mentem. Abrace a realidade: o chulé, as discordâncias, os gostos musicais ruins e a imperfeição nossa de cada dia. Pare de buscar o final de “A primeira noite de um homem”. Feche a janela e abra a porta.

Abraço amigo,

Daniel

P.S.: Mas aquela cena em que você vê o... e sai correndo...ou a outra em que ela te diz... E ainda aquele jeitinho... “você ainda trabalha com tal coisa? Ainda vai em tal lugar? Ainda sai com tais pessoas?” Tens o direito, cara. Putz. Pode dizer: VACA.

(Daniel Oliveira, Pilula Pop)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Grandes Versos.

Viver não faz falta quando o sonho é de alta definição.

(Sonhos de Alta Definição, Astromato)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A música do momento.

Contagem Regressiva.

Ou vai
Ou racha.

Filosofia.

No amor os caminhos certos só nos levam ao lugar errado.

(Roberto Santana)

sábado, 5 de dezembro de 2009

Crua.

- O que eu gosto em você? É isso o que você quer saber? Pois é simples: a carne. Dito dessa maneira tão crua e direta provavelmente a senhorita tomará esse elogio por uma ofensa vazia se valendo de argumentos baseados em um suposto machismo materialista do tipo “mas vocês homens só pensam em sexo, no culto ao corpo e insistem em nos tratar como meros objetos como se não houvesse nada além disso”, sem se dar conta que para vocês mulheres, também somos objetos, corpo, carne. Não significa dizer com isso que eu te ache estúpida, burra ou qualquer outra coisa do gênero, mas que o elogio mais importante e sincero que eu poderia lhe fazer é justamente te mostrar que a sua carne me atrai. De nada adiantaria você ter as idéias mais bonitas do mundo, mais perfeitas e coerentes, simplesmente porque estas idéias são intangíveis, não passam de vapor de ar. Que elas sejam atraentes, encantadoras não significa dizer que quem as profere as seja. Eu mesmo demorei a compreender o peso deste elogio. Porque há sempre o desejo em ser mais do que um corpo, a vontade da transcendência, de um verdadeiro entendimento, de uma completude que, no entanto, é sempre uma ilusão. E nisso, o elemento principal fica de fora, o concreto. O ar dentro do balão ninguém consegue enxergar, tampouco tocar. É efeito. Quando eu te digo que gosto da sua carne, eu digo sem você se dar conta, que gosto de você, por inteira, mas você mesma, toda, sem efeitos, sem ciladas. Você. E que é apenas pela carne que eu posso realmente entrar em contato com a sua intimidade, partilhar o existir. No ar as razões se perdem em algum momento. Só no corpo, no cimento é que elas se encontram e florescem. Pode parecer leviano tudo isso que eu estou te falando agora, mas se você parar para pensar um pouquinho, até que não é. Por isso eu repito: o que mais me fascina em você é a carne.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Placar.

Absurdo 2 x 0 Guilherme

Ah...

Esta velha angústia...

Credo.

Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer! Basta pensar para não acontecer!

Não leve a mal.

Não leva a mal
Não foi o que eu quis
Não foi por mal
Não fui feliz
Fui eu que fiz
E isso eu sei
Eu pago pena onde fui rei
Sim, eu errei
Não vou negar
Você sabe onde quero chegar
Não ou fugir da raia, não
Meu compromisso eu já assumi
Se a vida anda pra frente e pra trás o mundo tem uma rotação
Então chegamos a algum lugar
Aguardo a sua posição
Decida já
Se vou partir
Se perdoar eu fico aqui
É isso aí
Estou sendo cru
Não aprendi a me redimir
O relógio aponta onze da manhã
O nosso tempo se esgotou
E nada mais pode nos convencer
Foi nossa última tentação
Não leve a mal

(Última Tentação, Prot(o))

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Tempo.

O entendimento é uma consequência direta da (in)disposição.

Conditio sine qua non.

Para o que se chama de amor poder florescer é preciso ao menos uma pequena dose de desespero.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Musas. (8)


Perolário. (2)

- Pode existir amor sem sexo?
- Acho que são duas coisas diferentes.
- Como?
- O sexo alivia a tensão enquanto o amor a causa.

(Sonhos Eróticos de Uma Noite de Verão, Woody Allen)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A Paixão Segundo H.H. (2)

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

(Hilda Hilst)

Da essência.

A essência do progresso é decadência. Progredir é morrer, porque viver é morrer.

(Fernando Pessoa)

Da arrogância.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

(Fernando Pessoa)

domingo, 29 de novembro de 2009

Sabedoria impopular. (2)

A esperança não é a última que morre, mas sim a primeira que mata.

sábado, 28 de novembro de 2009

Moz, etc.

It only hurts because it's true.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Do que (não) é.

Depois de jogar tanto pó para debaixo do tapete chega um momento em que é impossível distinguir o que é pó do que é tapete.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Teoria literária.

Toda história não passa de uma distorção dos fatos. Até porque os fatos não existem, senão narrativas sobre eles.

Sabedoria impopular.

Mais vale um pássaro voando do que dois nas mãos.

Do Esquecimento.

Basta dizer que sou Juan Pablo Castel, o pinto que matou María Iribarne; suponho que todos ainda se recordam do processo, o que dispensa maiores explicações sobre a minha pessoa. Embora nem o Diabo saiba o que e por que a gente deve recordar. Na realidade, sempre achei que não existe memória coletiva, o que talvez seja uma forma de defesa da espécie humana. A frase “Todo o tepo passado foi melhor” não indica que antes sucederam coisas menos ruins, mas apenas que – felizmente – as esquecemos. Logo, semelhante frasenão tem validade universal; eu, por exemplo, caracterizo-me por recordar preferentemente os acontecimentos nefastos, e assim quase poderia dizer que “todo o tempo passado foi pior”, apesar de que o presente me parece tão horrível quanto o passado; lembro-me de tantas calamidades, de tantos rostos cincos e cruéis, de tantas más ações, que a memória é para mim como uma temerosa luz que alumia um sórdido museu de vergonhas.

(O Túnel, Ernesto Sábato)

Da Vaidade.

Como dizia, eu me chamo Juan Pablo Castel. Poderão perguntar o que me move a escrever a história de meu crime (não sei se já disse que vou relatar o meu crime) e, sobretudo, a procurar um editor. Conheço bem a alma humana para prever que hão de pensar que seja por vaidade. Pensem o que quiserem – pouco me importa; faz tempo que pouco me importam a opinião e a justiça dos homens. Admita-se pois, que publico esta história por vaidade. Afinal de contas sou feito de carne, osso cabelos e unhas, como qualquer outro homem, e me pareceria muito injusto que exigissem de mim, precisamente de mim, qualidades especiais; às vezes alguém se considera um super-homem, até o momento em que chega a conclusão de que também é mesquinho, desonesto e pérfido. Da vaidade não digo mais nada: creio que ninguém é desprovido desse notável motor do progresso humano. Fazem-me rir esses senhores que surgem com a modéstia de Einstein ou outro semelhante; resposta: é fácil ser modesto quando se e célebre; quero dizer, parecer modesto. Mesmo quando se imagina que não existe em absoluto, logo ela é descoberta, na sua forma mais sutil: a vaidade da modéstia! Até um homem, real ou simbólico, como Cisto, o ser diante do qual senti, e ainda hoje sinto, o respeito mais profundo, pronunciou palavras sugeridas pela vaidade, ou ao menos pela soberba. Que dizer de León Bloy, que se defendia da acusação de soberba argumentando haver passado a vida a servir indivíduos que nem sequer lhe chegavam aos joelhos? A vaidade se encontra nos lugares mais imprevistos: ao lado da bondade, da abnegação, da generosidade. Quando eu era menino e me desesperava ante a idéia de que minha mãe haveria de morrer um dia (com os anos chega-se a saber que a morte não somente é suportável, mas também até reconfortante), não concebia que minha mãe pudesse ter defeitos. Agora que ela não mais existe, devo dizer que foi tão boa como qualquer outro ser humano pode vir a ser. Porém recordo, em seus últimos anos, quando eu já era um homem, o quanto, no princípio, me doía descobrir, debaixo de suas melhores ações, um sutilíssimo ingrediente de vaidade e de orgulho. Algo de muito mais demonstrativo sucedeu a mim próprio, quando a operaram de câncer. Para chegar a tempo, tive de viajar dias inteiros sem dormir. Ao abeirar-me da cama, seu rosto cadavérico pôde ainda sorrir-me levemente, com ternura, e ela murmurou umas palavras de compadecimento (condoia-se do meu cansaço!). E eu senti no íntimo, obscuramente, o vaidoso orgulho de haver chegado tão rápido. Confesso esse segredo para que vejam até que ponto não me considero melhor do que os outros.

No entanto, não conto esta história por vaidade. Poderia talvez admitir que exista algo de orgulho ou de soberba. Mas, por que essa mania de querer encontrar explicação para todos os atos de minha vida? Quando iniciei esse relato, estava firmemente decidido a não dar explicações de nenhuma espécie. Tinha ímpetos de contar a história do meu crime, e pronto: quem não gostasse, não a lesse. Se bem que não o creia, pois precisamente essa gente que anda sempre atrás de explicações é a mais curiosa, e acho que nenhuma delas perderá a oportunidade de ler a história de um crime até o fim.

(O Túnel, Ernesto Sábato)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Das lições.

O que nunca existiu é justamente aquilo em que mais se acredita. E olha que eu nem estou falando de Deus.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Valentina.

Ah, pouco a pouco, entre as árvores antigas,
A figura dela emerge e eu deixo de pensar...

Pouco a pouco, da angústia de mim vou eu mesmo emergindo...

As duas figuras encontram-se na clareira ao pé do lago...

...As duas figuras sonhadas,
Porque isto foi só um raio de luar e uma tristeza minha,
E uma suposição de outra coisa,
E o resultado de existir...

Verdadeiramente, ter-se-iam encontrado as duas figuras
Na clareira ao pé do lago?
(...Mas se não existem?...)
...Na clareira ao pé do lago?...

(De La Musique, Álvaro de Campos)

Do jeito (torto).

Hillé, andam estranhando teu jeito de olhar.
Que jeito?
Você sabe.
É que não compreendo.
Não compreende o quê?
Não compreendo o olho, e tento enxergar perto.
Também não compreendo o corpo, essa armadilha, nem a sangrenta lógica dos dias, nem os rostos que me olham nesta vila onde moro, o que é casa, conceitos, o que são as pernas, o que é ir e vir, para onde Ehud,o que são essas senhoras velhas, os ganidos de infância, os homens curvos, o que pensam de si mesmos os tolos, as crianças o que é pensar, o que é nítido, sonoro, o que é som, trinado, urro, grito, o que é asa hen?

(A Obscena Senhora D, Hilda Hilst)

Da precisão.

- Guilherme, você é o homem menos homem que eu já conheci na vida.

domingo, 22 de novembro de 2009

Next exit.

- Eu tinha muitas expectativas em relação a você.
- É?! Quais?
- Não sou eu quem tenho que te dizer, mas você quem tem que descobrir.

Físico-Química. (2)

Não rolou química? Então tenta a físíca.

Físico-Química.

- Antes eu pensava que o amor e o sexo formavam uma solução homogênea. Mas agora eu percebi que com o tempo o amor evapora e que a parte realmente sólida da mistura é o sexo.

500 dias com ela - e o resto da vida sem.

- Eu te avisei, "deixa a bicha louca do Morrissey de lado". Mas você não ouviu... Só podia dar nisso.

sábado, 21 de novembro de 2009

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Perolário.

- Quer uma palavra de consolação?
- Claro!
- Foda-se!

Quatro letras.

A maior invenção do homem é o...

Das dúvidas.

Por que os iguais acreditam piamente que são diferentes?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Lição de casa.

No amor de nada valem os substitutos. Eu estava procurando nela o que tinha sentido com a outra Su Li Zhen. Eu mesmo não me dei conta disso. Mas estou certo que ela se deu conta disso.

(2046 - Segredos do Amor)

Da estupidez.

Obrigar-se a demonstrar felicidade em cada milésimo de segundo da vida.

A linha.

O sonho não passa de um pesadelo oculto.

Musas. (7)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Bis.

Se morreu o ideal que me orientou o caminho
e me fez ver o erro do que eu julguei ser
o meu mais completo destino
dar a vida a uma idéia fez de mim um menino
os homems mudam de idéia
e nos deixam sozinhos
Eu vejo suas ruas com novos consumidores
ávidos por conhecer o que no mundo é tão antigo
carregando sobre os ombros seus novos computadores
dizem 'oi' ao mercado e 'adeus' ao sentido
E eu onde eu fico?
onde eu me reconheço
com que argumentos eu me explico?
depois de tudo que andei
em que porto eu me fixo?
Tudo que eu não quis ser
toda morte tardia
Liberal sem saber
eu sou o exemplo da China
Te ver escurecer como se fosse um dia
com seus ovos podres na América Latina
Eu prefiro morrer a viver esta sina

(Cuba Libre, Violins)

Caixa da verdade.

A vida é um absurdo. E tenho dito!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Amor e restos humanos.

Há sempre um lado que pese e um outro lado que flutua. Tua pele é crua.
Dificilmente se arranca lembrança, lembrança, lembrança, lembrança...
Por isso da primeira vez dói.
Por isso não se esqueça: dói.
E ter que acreditar num caso sério e na melancolia que dizia.
Mas naquela noite que eu chamei você fodia. Fodia.
Mas naquela noite que eu chamei você fodia de noite e de dia.

(Crua, Otto)

Das juras.

Se a primeira ventania for capaz de levar tudo o que havia sido então construído, ficará comprovado apenas a fragilidade da base que forjava tal alicerce.

domingo, 15 de novembro de 2009

Momentos de Reflexão.

Meu amigo X namora um moça muito peculiar chamada Y. Y viu que X estava solteiro e piscou para ele na noite. X reagiu de alguma forma e aí Y chegou em casa, deu um add gatinho nele no Orkut e já deixou um recado de voadora de duas pernas (chincha). X respondeu o recado de um jeito UM POUCO EVASIVO (nada que se compare com esses casos seus). Mas Y não teve paciência para isso e respondeu da seguinte forma: 'MEU FILHO, TE QUERO PRA ONTEM'. Seis meses de namoro.

sábado, 14 de novembro de 2009

Comunicacão. (2)

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

(Fernando Pessoa)

Ser.

É possível que amanhã eu morra, e na Terra não ficará ninguém que me tenha compreendido por inteiro. Uns me considerarão pior e outros melhor do que eu sou. Alguns dirão que eu era uma boa pessoa; outros, que era um canalha. Mas as duas opiniões serão igualmente equivocadas.

(Um herói de nosso tempo, Mijail Iurevitch Lérmontov)

Dos males.

A esperança é o derradeiro mal; é o pior dos males, porquanto prolonga o tormento.

(Friedrich Nietzsche)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Fragmentos.

Se perdeste a posse de um mundo,
não sofras, não é nada;
Se conquistaste a posse de um mundo,
não te alegres, não é nada;
Passam as dores, passam os contentamentos
Passas tu ao longo do mundo

(Anwari Sobeili)


Fazes falta?
Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

(Álvaro de Campos)


Não agradeças ao Céu
Pela sorte que te coube,
Nem o acuses:
Ele é indiferente

Ouve o que a Sabedoria diz todos os dias:
A vida é breve.
Não te esqueças, não és como certas plantas
que rebrotam depois de cortadas.

(Omar Khayyam)

Comunicacão.

O entendimento inicial é a raiz do desentendimento inevitável.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ah, a vida...

Uma ilusão real.

Dos antagonismos.

O intelecto é precisamente o oposto do desejo.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Do Amor (2).

Sabe essas noites
Que cê sai
Caminhando, sozinho
De madrugada
Com a mão no bolso
(Na rua)...

E você fica pensando
Naquela menina
Você fica torcendo
E querendo
Que ela estivesse
(Na sua)...

Aí finalmente
Você encontra o broto
Que felicidade
(Que felicidade)
Que felicidade
(Que felicidade)...

Você convida ela prá sentar
(Muito obrigada)
Garçom uma cerveja
(Só tem chopp)
Desce dois, desce mais...

Amor, pede
Uma porção de batata frita
OK! você venceu
Batata frita...

Ai blá blá blá blá blá blá blá blá blá
Ti ti ti ti ti ti ti ti ti

Você diz prá ela
Tá tudo muito bom
(Bom)
Tá tudo muito bem
(Bem)
Mas realmente
Mas realmente
Eu preferia
Que você estivesse
Nuaaaa...

Você não soube me amar...

Todo mundo dizia
Que a gente se parecia
Pois cheio de tal e coisa
E coisa e tal
E realmente a gente era
A gente era um casal
Ah! Um casal sensacional...

Você não soube me amar...

No começo tudo era lindo
Tá tudo divino
Era maravilhoso
Até debaixo d'água
Nosso amor era mais gostoso
Mas de repente
A gente enlouqueceu
Ah! eu dizia, que era ela
Ela dizia, que era eu...

Você não soube me amar...

Amor que que'cê tem
Cê tá tão nervoso
Nada, nada, nada, nada, nada...

Foi besteira usar essa tática
Dessa maneira assim dramática
(Eu tava nervoso)
O nosso amor
Era uma orquestra sinfônica
(Eu sei)
E o nosso beijo
Uma bomba atômica...

Você não soube me amar...

É foi isso que ela me disse...

Oh! baby não!

(Você não soube me amar, Blitz)

domingo, 8 de novembro de 2009

Das atrocidades.

Mas isto é o mais atroz: a arte da vida consiste em esconder às pessoas mais queridas a alegria pessoal de estar com elas, senão acabamos por perdê-las.

(Cesare Pavese)

sábado, 7 de novembro de 2009

Centavos.

Amor
Dida
Do tempo
No ser
Tem pó,
E dói
Até em quem
Por birra
Ou sorte
É só,
No mais
Quem fica
Tem partido.

(Política, Renato Limão)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Vamos fazer um filme?

X: Você me ligando? U-au! O que você manda?
Y: Nada demais. Só um convite!
X: Hmmm... Quero até ver...
Y: Vamos fazer um filme?
X: Fazer um filme??? Pornô? (hahahahahhahahahahahhaha)
Y: Sim!

Fonofobia.

- O que você está fazendo agora, do outro lado da linha, enquanto conversa comigo?

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Ciorando (10).

Se é e se permanece escravo enquanto não se dá a cura da mania de ter esparança.

A morte é um estado de perfeição, o único ao alcance de um mortal.

Tudo que é engendra, cedo ou tarde, o pesadelo; tratemos pois de inventar algo melhor que o ser.

Do engano primordial. (2)

Desmerecer quase sempre é apenas uma forma de não querer admitir a si mesmo que as reais qualidades de outrem te perturbam. Sim: o resultado dessa manobra é inevitavelmente desastroso.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Fluxo.

São os crimes que a gente comete a cada dia e permanecem impunes. Os estilhaços dos vidros, esparramados pelo chão, das janelas fechadas – agora abertas. Desconsolos cotidianos. Era uma vez um sorriso – mas você não viu. Era uma vez toda vez e sempre, um dia após o outro. Pés descalços no chão imundo, um pequeno ritual de purificação. O semblante não nega, tampouco revela. Eu tenho pensado – e o pensamento é uma luta árdua, onde sempre se perde – no que havia de verdadeiro em mais uma encenação. São começos que na verdade não passam de finais, de estações intermediárias em direção a lugar algum. Mas afetam: afeto. Com os cacos de vidro retalho meu corpo invisível enquanto lá fora, aqui dentro, cai uma chuva caudalosa, que com o tilintar dos pingos d’água abafa o som do vidro. Mas não adianta. A carne exposta, crua, revela as profundas entranhas enquanto o sangue escorre. Será que é o suficiente? É isso o que desejam? Um tapa, um grito, o vermelho, o circo? O espetáculo sobrepuja, arranca aplausos.

Mais uma vez eu estou no meio do acostamento, completamente nu, sem corpo. E continuo negando. Ao fundo, um punhado de convicções em seus ternos e saias, a frente de seus volantes invisiveis. “É assim”, grita um mais esbaforido. Parece que tem razão. Parece que acredita no que diz. Parece, apenas. Basta uma folha seca na pista para desenhar o acidente. O importante é não perder a pose: “é assim!” – mesmo que não seja.

Enquanto vejo a cena, o cansaço me consome. Mesmo assim, por alguns breves instantes, rio, suavemente. Porque embora os olhos estejam voltados para a pista, em verdade, vejo um corpo em movimentos descompassados. Um corpo destituído de beleza – mas por isso mesmo extremamente belo. Suspenso no ar, contido, primário, desproporcional. Há uma velhice no semblante a princípio incompatível: mais desgastada que o próprio tempo, menos vívida que seus gestos. Meu coração bate difusamente. Seu descompasso é meu desacerto. “O que há de verdadeiro nessa encenação?”, mais uma vez me pergunto. Entre mim e eu está a resposta.

Do sentir.

As palavras - mesmo, e talvez principalmente, as mais banais - que não foram ditas jamais forjarão o sentimento. Sem saber não há sentir.

Do engano primordial.

E, quando sua esperança estava a ponto de esgotar-se, recordava as duas ou três frases chave do encontro: "Penso que não te deveria ver jamais. Mas vou te ver porque necessito de ti". E aquela outra: "Não te preocupes. Saberei sempre como te encontrar".

Frases - pensava Bruno - que Martín apreciava por seu lado favorável e como fonte de uma inenarrável felicidade, sem notar, ao menos naquela época, tudo o que continham de egoísmo.

(Sobre Heróis e Tumbas, Ernesto Sábato)

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Depois do final da novela...

- Eu sinto que você é um homem de bom coração. Por isso eu confio em você sem medo.

(Beijos)

***

Depois do final da novela...

- Seu escroto, idiota. Sai depressa da minha frente! Não quero te ver nunca mais.

***

Moral da História: todo mundo é bom até o momento em que se torna mau. Mas as novelas nunca falam sobre isso.

Notas sobre a trajetória (3).

Todo mundo sabe muito bem o que procura até o momento em que encontra.

Das não-confissões.

- Eu gosto de ti por vários motivos dentre os quais o mais relevante talvez seja o fato de saber que verdadadeiramente você gosta de mim.

domingo, 1 de novembro de 2009

Criminals. (2)

This criminal
Walked into my room
He asked me
Why do you live this way?
Think of all you could have,
What I would take

Well, have you got a clue?
Why do you live this way?
Why do you?
Think of all I'd take

You think that I don't know
you think that I don't know
You're wrong
You're wrong

You think that I don't know
you think that I don't know
You're wrong
You're wrong

And to god
I called out
Over bullets
They were in and out, man
And it was my end
At least I called into question
Why we walk this route
What is for me in it

(Criminals, Atlas Sound)

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Criminals.

Da caminhada.

O primeiro passo para o ódio é o amor.

'00

1. I’ll Believe In Anything, Wolf Parade
2. Us Ones In Between, Sunset Rubdown
3. Winged/Wicked Things, Sunset Rubdown
4. The Empty Threats of Little Lord, Sunset Rubdown
5. All Fires, Swan Lake
6. Dear Sons and Daughters of Hungry Ghosts, Wolf Parade
7. Silver Moons, Sunset Rubdown
8. The Men Are Called Horsemen There, Sunset Rubdown
9. Chinese Way, Wolf Parade
10. Are You Swimming In Her Pools?, Swan Lake

Tags.

Spencer Krug

avant garde canadian canuck fucking genius fucking love genius god my canadian husband ninja sexy beast the new arcade parade

Meu Brasil brasileiro.



O verdadeiro juramento de Hipócrates: Eu juro ser hipócrita!

Do primado da enunciação.

Não se importe muito com o que você vai dizer, mas sim com a maneira como dirá. Na dúvida, abra a boca.

Modus operandi.

(...)

Pois bem... Lembro-me perfeitamente que a tônica da minha última carta foi um puxão de orelhas do tipo: “peloamordedeus eu imploro: me dá atenção”. Remontei passo a passo todo o percurso que fiz durante esse tempo em que estamos fisicamente separados, tim tim por tim tim, para tentar compreender porque você mudou tanto e mais do que isso: por que mudou tanto comigo? A verdade é que eu fiquei encucado por dois motivos: o primeiro deles era a crença de que o que eu vivi ao seu lado foi tão forte para você quanto foi para mim a ponto da gente conseguir manter nossa amizade tal qual era, independente das fronteiras temporais ou espaciais que fossem colocadas entre a gente; o segundo foi eu ver acontecer com você uma mudança tão brusca quanto aquela que aconteceu com a Mariana, uma menina que morava em Santos de quem lhe falei quando começamos a ficar mais próximos e por quem um dia eu já fui apaixonado. Eu só ficava aqui pensando: não, com você não pode acontecer isso! Só depois de dois anos que eu tomei coragem (obviamente por intermédio das palavras escritas) para falar o que eu queria lhe dizer durante este tempo todo, tirar todas as dúvidas que eu guardei até agora. No entanto, embora tudo que eu tenha lhe dito em minha última carta seja sincero e legítimo, talvez possa ter soado aos seus olhos como algo grosseiro. Grosseiro não no sentido de desrespeitoso, pois eu jamais faria isso com você, mas sim como uma cobrança, talvez aparentemente ríspida quando eu revelo “as verdades” de uma maneira tão crua, tão direta. Bem que se diga, e isso deve ficar muito claro, essas referidas verdades estão entre aspas por serem verdades parciais, minhas verdades, ou seja, aquelas que trago em minha memória. Logo depois que conversamos pelo telefone, num balanço que fiz junto ao Tio Beto por e-mail (pois ele ainda é o meu grande confidente como já lhe disse várias vezes), eu já alertava para a possibilidade da terceira carta, que à época ainda estava nos correios, ser mal recepcionada e/ou mal interpretada por sua parte (como você mesma disse ao telefone, essa forma de comunicação é um tanto problemática justo porque não é capaz de fornecer outros indícios que contextualizem de maneira mais clara o sentido preferencial que o emissor procura transmitir, como acontece em sua plenitude na comunicação face a face). Desde então já venho repensando o conteúdo da mensagem que lhe enviei. Só que a gota d’água que me levou novamente a te encher um pouquinho mais o saco foi o referido texto do Maurice Halbwachs. Sim, você mudou e mudou bastante aos meus olhos, bem que se diga. Mas a verdade verdadeira (a verdadeira mesmo!) é que não há como lutar contra a distância, independente dos nossos esforços, pois a quebra da rotina deixa de presentificar a amizade e os sentimentos que, em outra ocasião, tanto nos unia. Não é a toa que a cada dia que passa eu faço menos sentido para você. A memória só é acionada quando os membros de um grupo compartilham um contexto socialmente relevante para um determinado indivíduo e por isso mesmo elas tratam de uma construção coletiva e não meramente individual. E, para minha tristeza, hoje em dia, por fazermos parte de grupos distintos, a tendência é que progressivamente nos tornemos estrangeiros um ao outro (por mais que eu tenha lutado insistentemente contra isso). Como seus quadros de referencia hoje são outros, agora eu entendo perfeitamente que eu não passe de um borrão no seu passado e, infelizmente, acho que não há como mudar essa situação. Só hoje compreendo que você não tem absolutamente culpa nenhuma nesse processo, ou pelo menos não da maneira (quase conspiratória) que eu imaginava, através de uma mudança voluntária no trato comigo, de passar a ser mais indiferente em relação a mim. Realmente não tem nada a ver com isso. Eu ficava aqui encucado querendo entender, num saudosismo sem tamanho, como de uma hora para outra você, que sempre teve o maior carinho e consideração para comigo, passou a me escrever (quando escrevia) de maneira tão seca, curta, fria e impessoal. Afinal, se nossos contatos eram tão freqüentes e calorosos, minha cabeça pensava que só podia ter acontecido algo muito grande que lhe tivesse feito agir de maneira diferente comigo a partir de agosto de 2005. Aconteceu e não aconteceu, na verdade: no início você ainda me tinha fresco na memória, pois tudo que havíamos passado juntos era muito recente (na nossa cabeça era como se estivéssemos voltando das férias e, por esse motivo, queríamos nos manter próximos). Só que a quebra do convívio diário, da tal presentificação da amizade somada a sua re-inserção na sua cidade junto com a minha em inserção em BH acabou te transformando. E essa transformação, que eu sempre julguei como negativa, quando comparada aos meus pretensos esforços para sempre estar próximo a você (dentro da proximidade que estava ao meu alcance), na verdade, não é negativa, mas “natural”. É negativa para mim que sou carente e sempre me apoiei em você desde quando te conheci, afinal, desde então eu deixaria de povoar seus pensamentos e preocupações cotidianas. Some-se a este processo dois agravantes: porque se eu te acuso de ter mudado eu esqueço que eu também mudei nesse período, por mais que eu não tenha sentido diferença alguma e teime em dizer que não (me sinto como o mesmo de quando tinha 12 anos, com exatamente as mesmas preocupações e os mesmos problemas, talvez apenas potencializados pelo tempo, como já lhe disse outrora); além disso, eu fui covarde, suficientemente covarde (e covarde é a palavra) de não ter te ver antes por conta do meu ciúme bobo e estúpido de você. Se (maldito se) eu tivesse feito isso, talvez hoje eu ainda fizesse algum sentido para você, pois nossa relação teria sido mais constantemente atualizada e vivificada (e quando eu uso esses termos, me refiro pela manutenção tanto quanto possível de relações face a face). Sim, sou o maior culpado disso tudo, pois muito provavelmente estive longe (fisicamente falando) quando, talvez, você precisasse que eu estivesse o mais perto possível de você. Não a toa, se por acaso você teve paciência para ler todas as memórias que eu relatei em que eu estive próximo a você e que eu jamais esqueci, provavelmente você perceberá que você só se recorda de pouquíssimos ou nenhum desses momentos. Justo porque a nossa forma de olhar um para o outro foi diferente (o Renato Russo em “Daniel na Cova dos Leões” diz isso com perfeição: o seu momento era o meu instante): eu sempre fui apaixonado por você mesmo tentando negar isso a todo custo ante a impossibilidade da concretização daquele amor (em sua plenitude – ou melhor, oficialmente – pois, diga-se de passagem o simples fato de estar junto a você já me bastava, até porque eu acho que não sou simpatizante do amor grudento, mas sim do que uma grande amiga definiu por “amizade erótica”). Sendo assim, quando a gente está apaixonado, não se furta em reparar e contemplar cada mínimo detalhe da pessoa amada. E é também por isso que muitas vezes a gente tem a mania equivocada de querer cobrar dos outros que se lembrem do que a gente lembra, que sintam o que a gente sentiu, que valorizem o que a gente valorizou. Ainda que eu tente sempre relativizar essas questões, até porque minha auto-estima sempre me ajudou nesse ponto, eu também às vezes me coloco na posição de centro do mundo (ou tento me colocar), por menos que eu o faça. Num momento de fraqueza completa, me mostrei totalmente, de forma nua e crua tentando, por desespero, te chocar ao mesmo tempo que me pus a rastejar. Enfim, todo mundo tem seus dias, ainda que, como eu já lhe disse e reitero, tudo o que eu lhe disse é a mais pura verdade, a mais sincera verdade de tudo que me afligiu durante todo esse tempo.


Continuando minhas reflexões, outro ponto que eu tenho a salientar e que eu julgo como sendo muito importante é o fato d’eu não ter timing suficiente para viver no presente, pois eu demoro muito para assimilar as coisas que acontecem a minha volta. Esse fato está relacionado diretamente com outro ponto crucial: minha ultra-racionalidade. Como você deve ter percebido durante esse tempo todo que a gente conviveu e no qual lhe escrevi tantas cartas, há sempre por meio destas uma tentativa de minha parte em sempre tentar entender, explicar, propor hipóteses para tudo que eu sinto, penso, observo. Essa minha mania, inclusive, foi confundida por um amigo meu por certa prepotência de gente que está na faculdade “em querer teorizar tudo”. Só que ao contrário do que ele pensa essa é uma característica tipicamente minha e que provém de antes mesmo de entrar para a faculdade. Sou um ser lógico a procura de respostas lógicas e para isso proponho explicações para tudo, porque assim aumento a minha crença, faço julgamentos mais precisos e condizentes. Contudo, o que eu acreditava ser uma das minhas maiores virtudes talvez seja o grande germe da minha destruição, um dos meus maiores defeitos. Primeiro porque toda reflexão se constrói em relação ao passado (não a toa meu presente é o passado); e segundo porque existem coisas que não foram feitas para serem explicadas, mas sim para serem sentidas e eu, na insistência de teorizar me esqueço de viver, de experimentar, porque o presente, tempo das sensações é o tempo do risco, da construção e eu quero a certeza da segurança, que só encontro quando olho para trás e entendo as coisas (ou finjo entender). Vivo da nostalgia. Como eu disse ao Daniel, esse meu grande amigo que me acusou (em certa medida sabiamente) de ser muito “teorizador”, sou um cara errado, que toma atitudes erradas, vive num tempo errado e num espaço errado. Eu só entendo as coisas quando elas já se esvaíram e eu não tenho mais como modifica-las. Talvez, mais pra frente quando o presente tiver se tornado passado eu entenda que agora, nesse momento que eu me declaro a você, eu esteja apaixonado por outra pessoa. Ou que crie um amor que nunca existiu (como talvez seja isso que ocorra entre mim e você diante da nossa distância), mas que irá me parecer tão real, apesar de já não ser mais possível de ser concretizado. Isso pode soar um tanto quanto louco para uma pessoa “normal”, pé no chão como você, mas para mim faz todo o sentido do mundo. Porque com esse mecanismo eu acabo achando um culpado para as minhas desilusões. Ou seja, não fui eu quem tive a culpa, mas sim, foi o destino que me separou do meu grande e verdadeiro amor. De quebra mato dos coelhos com um tiro só e ainda consigo pensar num estatuto de felicidade utópica possível, embora eu tenha sido privada da mesma. Ai fica-se com a sensação do “eu podia ter sido feliz...”. Enquanto isso, deixo de lado quem é importante para a minha vida no presente, onde estão meus pés, da mesma maneira que eu, quando estivemos no mesmo espaço, por mais que tentasse estar junto a você e te fazer feliz tanto quanto eu podia, talvez tenha sido uma pessoa ausente. Eu não nasci para este mundo! Mesmo sabendo racionalmente que jamais iria acontecer algo mais sério entre mim e você, afinal, você me enxergava como um amigo, além de, naquela época ainda estar apaixonada pelo Antônio, a minha mente é traiçoeira e vai me condenar sempre pelo que eu não fiz (me fazendo acreditar na circunstancialidade dos fatos em vez de seu caráter absoluto), pelas minhas escolhas, pelo que não tentei. Ou você acha que ao longo desses dois anos e meio eu já não me arrependi de ter largado a engenharia? Arrependimento este não pelo curso em si, pois hoje em dia tenho a certeza plena que me dou muito melhor com as palavras do que com os números, mas porque eu tive de abrir mão de amizades com pessoas as quais eu amo de paixão. Porque eu, com a minha mentalidade probabilística (que não se conforma que a gente tenha de seguir apenas um caminho na árvore da vida; que não se conforma que para cada caminho aberto outros se fecham; que não se conforma que a gente esteja preso a um só corpo) tenho plena e total consciência de que se eu tivesse permanecido na engenharia, a esta hora eu estaria dormindo, ansioso para te encontrar no dia seguinte, pois você teria continuado lá, mesmo que aos trancos e barrancos. E ainda que provavelmente jamais admitisse para mim que te amava por conta da minha ética pessoal e medo de te perder (porque quando se sabe que alguém está apaixonado por você e você não corresponde, você involuntariamente acaba modificando a maneira de lidar com a pessoa apaixonada, por mais que se tente disfarçar, afinal, o que paira no ar é a desconfiança). Ou seja, eu ia te amar sem saber que estava te amando. Bonito isso, não é? Ciladas da vida... O mais legal de tudo é que muito provavelmente a minha insatisfação plena com o mundo me levava a crer que estava faltando alguma coisa, pois o amor tem que ser grande, explosivo, pomposo. Eu, ainda por cima, continuaria insatisfeito acreditando que a felicidade estaria onde eu não estava. Não foi a toa que o primeiro poema que eu resolvi compartilhar com você do Álvaro de Campos, aquele do Chevrolet na estrada de Sintra, traz consigo um dos versos mais fenomenais que eu já li na língua portuguesa e que me define com muita precisão (não por acaso os quero na minha lápide, como meu epitáfio):

Vou passar a noite a Sintra por não poder passa-la em Lisboa,
Mas quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.

De qualquer maneira não adiantaria nada que eu tivesse a certeza dos meus sentimentos em relação a você, pois o tal do amor não se conjuga no singular. Se assim o fosse eu me sentiria completo. Por outro lado, olha como é engraçado, eu estava por esses dias comentando com o Tio Beto que se eu não tivesse te abandonado, se eu não tivesse abandonado a EQ eu jamais me realizaria academicamente (como não me realizei ainda, embora esteja mais próximo disso hoje) e mais do que isso: jamais conheceria pessoas que, como você, são tão essenciais a minha vida. É foda isso, porque as pessoas importantes que atravessam a minha vida criam raízes fundas e irreparáveis. E como eu sou carente e apegado, fica difícil viver assim. Eu queria ser do tamanho do mundo, não para vigiar as pessoas, mas sim para estar próximo a todo momento daquelas que eu amo, que fazem sentido para mim, de modo a não deixar esse meu amor morrer, as memórias secarem. Sim, sou completamente egoísta nesse sentido. Parece aquela situação em que você vai dormir na casa de uma pessoa “estranha” e que, numa noite de frio, você pega o cobertor e percebe que quando você puxa ele pra cima, seus pés ficam descobertos, ao passo que quando você cobre os pés, as costas ficam desprotegidas. Agora pensa na mesma situação, mas leve em consideração que você, a cada daí que passa, cresce mais e o cobertor, a cada lavagem encolhe. Isso é que é escolher: proteger alguns lugares ao passo que outros, inevitavelmente ficam desprotegidos. De qualquer forma, pode ficar tranqüila porque “a priori” eu já sei que essas minhas palavras não tem efeito, pois elas só tem relevância quando são proferidas pela pessoa certa. O que eu te peço é que ao menos você tome como lição tudo o que eu lhe disse nessas últimas cartas, pois é melhor aprender com os erros dos outros do que errando. Sim, sou apaixonado (e agora perdi a vergonha de afirmar isso) por você, mas provavelmente você nunca tenha existido. Trata-se de alguém que eu criei ou que agora está no passado ao meu lado em uma fotografia (e que de quando em quando eu tento fazer um esforço para entrar dentro) e ficará por lá por toda a posteridade. Diante de tudo isso, sinceramente, eu só espero que você não cometa o erro que eu cometi, continuo cometendo e sempre cometerei, qual seja, viver essa vida paralela pautada em utopias e idealizações idiotas, participando de monólogos estúpidos como este que você está lendo nesse instante (talvez seja por isso que eu goste tanto de escrever cartas, afinal, para mim elas se constituem como o extremo máximo do conceito de Self do G.H. Mead do qual me valho para legitimar socialmente minha loucura e perseguir uma sensação que eu nem sei qual é). Eu posso até ser um estrangeiro para você hoje em dia, mas pode ter certeza absoluta que durante esse tempo de exílio eu jamais deixei de pensar em você pelo menos uma vez por dia.

(...)