sábado, 20 de novembro de 2010

O pastor Cupertino.

Meu medo de te experimentar e viver com tudo dando certo
Receio de você me encontrar e aquecer meu coração inquieto
A idéia de ser livre me afaga eu temo dependência
Seus braços me aprisionam fácil com tanta paciência
Me rendo aos defeitos de todos
Pare: divido existência

Meu medo de ter com quem contar e viver com tudo dando certo
Receio de você me encontrar e aquecer meu coração inquieto
A idéia de ser livre errada confunde a minha cabeça
Seus braços me aprisionam calmo com tanta eficiência
Me rendo aos efeitos mais circulares
Divirto-me depressa

Deixou

A idéia de ser livre errada separa toda gente
Seus braços me aprisionam
Lá se a gente vê descência
Me rendo aos defeitos de todos os bares
Divirto-me depressa

(Medo de Dar Certo, Violins)

domingo, 7 de novembro de 2010

O mal do mundo.

O mal do mundo é que os sábios vivem cheios de dúvidas e os imbecis cheios de certezas.

(Bertrand Russell)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Plagiando...

Ninguém desvendará o Mistério.
Nunca saberemos o que se oculta por trás das aparências.
As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.
Não vamos falar, toma o teu vinho.

O mundo gira, distraído dos cálculos dos sábios.
Renuncia à vaidade de contar os astros
e lembra-te: vais morrer, não sonharás mais,
e os vermes da terra cuidarão da tua carcaça.

Bebe o teu vinho. Vais dormir muito tempo
debaixo da terra, sem amigos, sem mulheres.
Confio-te um grande segredo:
As tulipas murchas não reflorescem mais.

Homem ingênuo, pensas que és sábio
e estás sufocado entre os dois infinitos
do passado e do futuro. Não podes sair.
Bebe, e esquece a tua impotência.

(Rubaiyat, Omar Khayyam)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Das definições.

— Que é otimismo? – Indagou Cacambo.
— É a mania de sustentar que tudo está bem quando tudo está mal – suspirou, Cândido.

(Cândido ou o otimismo, Voltaire)

Tudo Bem.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ac, Tr.

Tudo que é sólido se desmancha no ar.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Das sensações.

Tem dias que a gente se sente como se fosse a pessoa mais sortuda do mundo...

Ciorando (15).

Deus é um desespero que começa onde todos os outros acabam.

Todos os seres são infelizes; mas quantos o sabem?

(Emil Cioran)

domingo, 5 de setembro de 2010

Das conclusões.

Enquanto o não reafirma o ser, o sim, por sua vez, nega-o.

(R. R. McFarley)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O verso da última década.

Quando você vê que você padece do que te satisfaz.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

God strikes again.

Sobra sempre pra quem faz a festa
Depois do final limpar a zona

Você que sabe
Se te interessa dar o show
Pra se mostrar refeita e disposta
A provar que o preço que pagou
Foi justo pagar
Você me roubou a ânsia de acertar em cheio a testa
De quem te acusou de sequer prestar

Você que sabe
Eu sou só conversa e pouca ação
Mas devo alertar: sou eu quem está
Sempre do seu lado céu ou chão

Eu sei
Não dá pra garantir
Se sentir bem pra sempre
Então vamos tentar nos garantir
Os bons amigos pra rir

Eu sei
Não dá pra garantir
Se sentir bem pra sempre
Então vamos tentar nos garantir
Os bons motivos pra rir

(Ressaca, Beto Cupertino)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Fim da epistemologia.

Nada pode ser conhecido. E se fosse possível, não valeria pena.

(R. R. McFarley, ex-pistemólogo)

terça-feira, 20 de julho de 2010

Das constatações.

Um disco ruim do Interpol é melhor que o melhor dos discos do The National.

sábado, 17 de julho de 2010

A raposa.

"Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração..."

(O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry)

domingo, 11 de julho de 2010

Da vida.

Às vezes se ganha até quando se perde.

Sorte (2).

Holanda 4 x 1 Espanha

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Agora.

É a hora e a vez da Holanda.

domingo, 4 de julho de 2010

I-Ching.

A solução é necessariamente um problema.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sorte.

1ºT Holanda 0 x 1 Brasil (Robinho)
2ºT Holanda 3 x 1 Brasil (Kuyt, Elia, Robben)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A arte de viver.

A arte de viver - visto que para viver é preciso maltratar os outros (veja-se a vida sexual, veja-se o comércio, veja-se qualquer atividade) - consiste em acostumar-se a fazer qualquer cachorrada sem abalar nossa ordem interior. Ser capaz de qualquer cachorrada é a melhor bagagem que um homem pode ter.

(O Ofício de Viver, Cesare Pavese)

domingo, 27 de junho de 2010

Do ofício. (3)

28 de janeiro de 1937.

Qualquer desgraça, ou é engano de nossa parte e não desgraça, ou então nasce de uma nossa insuficiência culposa. E já que nos enganamos a culpa é nossa, é somente a nós mesmos que cabe a culpa em qualquer desgraça. E agora console-se.


30 de setembro de 1937.

Mas isto é o mais atroz: a arte da vida consiste em esconder às pessoas mais queridas a alegria pessoal de estar com elas, senão acabamos por perdê-las.



16 de novembro de 1937.

Para possuir algo, ou alguém, é preciso não se lhe entregar, não perder a cabeça por isso, enfim, permanecer superior. Mas é lei da vida que a gente somente goza daquilo que se entrega. Os inventores do amor de Deus é que eram entendidos: não existe mais nada que ao mesmo tempo a gente consiga possuir e gozar.


17 de novembro de 1937.


Toda mulher deseja avidamente um amigo a quem fazer confidências e que possa preencher o vazio das horas em que o terceiro está distante; exige que esse amigo não a perturbe em seu amor: mas quando o amigo se recolhe dentro de si e reprime seus olhares e palavras com o único fito de não mais sofrer com aquele desejo, logo a mulher – toda mulher – volta a lançar olhares, unhas e palavras para saber e ver que ele sofre. E ela o faz sem perceber.

E, sobretudo, lembrar-se de que fazer poesia é como fazer amor: a gente nunca há de saber se a alegria que sente está sendo compartilhada.

É incrível que a mulher idolatrada venha dizer que seus dias são vazios e atormentados, mas que ela não quer nada conosco.

A recompensa por ter sofrido tanto é depois morrer como um cachorro.


(O ofício de viver, Cesare Pavese)

Do ofício. (2)

A mulher que não for tola, cedo ou tarde, encontra um farrapo humano e tenta salvá-lo. As vezes consegue. Mas a mulher que não for tola, cedo ou tarde, encontra um homem são e o reduz a um farrapo. E sempre consegue.

(Cesare Pavese)

Dos equivocos. (2)

Permitir ser desrespeitado por aqueles com quem se relaciona.

sábado, 26 de junho de 2010

Das mudanças.

Não existe. É agora ou nunca.

Três vivas!

À angústia.

Do ofício.

18 de setembro de 1938.

Nas relações com as pessoas, basta um instante de ingenuidade para sermos laureados com dias inteiros de submissão aos outros.

5 de janeiro de 1938.

A arte de viver é a arte de saber acreditar em mentiras. Mas o terrível é que, não sabendo quid sit veritas, sabemos no entanto o que é a mentira.

28 de junho de 1940.

Também na história ocorre que, quando uma coisa poderia vir a ser agradável, não se concretiza; só irá se realizar quando, para nós, for indiferente.

24 de outubro de 1940.

Somente sabemos adotar estratagemas amorosos quando não estamos apaixonados.

(O ofício de viver, Cesare Pavese)

A caminho da cama...

Eu sempre vou dormir com uma na cabeça...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Pilulas de sabedoria.

O inevitável não pode ser evitado.

(Roberto Santana)

terça-feira, 22 de junho de 2010

Acordar.

A vida não passa de um hábito de acordar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Ana, Ana...

vazio agudo
ando meio
cheio de tudo

(Paulo Leminski)

Para sossegar.

39

De repente, como se um destino médico me houvesse operado de uma cegueira antiga com grandes resultados súbitos, ergo a cabeça, da minha vida anónima, para o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido, é uma espécie de engano e de loucura. Maravilho-me do que consegui não ver. Estranho quanto fui e que vejo que afinal não sou.

Olho, como numa extensão ao sol que rompe nuvens, a minha vida passada; e noto, com um pasmo metafísico, como todos os meus gestos mais certos, as minhas ideias mais claras, e os meus propósitos mais lógicos, não foram, afinal, mais que bebedeira nata, loucura natural, grande desconhecimento. Nem sequer representei. Representaram-me. Fui, não o actor, mas os gestos dele.
Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu.

Vem-me, então, um terror sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a de
quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto, por um terramoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara.

Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê.
É tão difícil descrever o que se sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade real, que não sei quais são as palavras humanas com que possa defini-lo. Não sei se estou com febre, como sinto, se deixei de ter a febre de ser dormidor da vida. Sim, repito, sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que perdem a memória, e são outros durante muito tempo. Fui outro durante muito tempo - desde a nascença e a consciência -, e acordo agora no meio da ponte, debruçado sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui. Mas a cidade é-me incógnita, as ruas novas, e o mal sem cura. Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural.

Foi um momento, e já passou. Já vejo os móveis que me cercam, os desenhos do papel velho das paredes, o sol pelas vidraças poeirentas. Vi a verdade um momento. Fui um momento, com consciência, o que os grandes homens são com a vida. Recordo-Ihes os actos e as palavras, e não sei se não foram também tentados vencedoramente pelo Demónio da Realidade. Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Saber de si, de repente, como neste momento lustral, é ter subitamente a noção da mónada íntima, da palavra mágica da alma. Mas essa luz súbita cresta tudo, consume tudo. Deixa-nos nus até de nós.

Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui. E, por fim, tenho sono, porque, não sei porquê, acho que o sentido é dormir.

(Livro do Desassossego, Bernardo Soares)

terça-feira, 15 de junho de 2010

Resposta ao otimismo.

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você

(Futuros Amantes, Chico Buarque)

Dos equivocos.

Viver se contentando em pegar as migalhas espalhadas pelo chão.

Do existir.

A existência só é tolerável quando ela mesma é suplantada.

Admito.

Eu errei.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Repostando.

Well I say it's just smoke
So you say it's the hair of ghosts
So I say it's the white hair of Poseidon
Ebbing in the tide in some dead sea

So you say it's some Shroud of Turin
And the sun wore it white and the earth wore it thin
Or the sun wore it white and His faith wore it thin
Unraveling heavenward
It's saddled to tiny birds
Or other such winged things
Either way they are struggling
Either way they are miniature
Either way they're invisible
But either way they're confused
As Hell would have them

And the pattern of flight is chaotic and blind
But it's right cause chaos is yours and it's mine
And chaos is luck and like love and love blind
The pattern of flight is chaotic and blind
But it's right cause chaos is yours and chaos is mine mine mine mine
And chaos is love and they say love is blind

But they're subject to hating us
Oh, just like the rest of us
Oh, we're just like the rest of us
They need the rest of us to stay alive
So thats not where confusion lies
That's not where illusions to the fact that the truth is just smoke in your eyes
Does lie

Confusion lies in which other wicked things do lie with
Confusion lies in which other wicked things do lie with
And chaos is yours
And chaos is mine
And chaos is love and they say love is blind

So I say oh I see now it's just smoke
So I say oh I see now it's just smoke
Oh I say oh I see now it's just smoke
Oh I say oh I see now it's just smoke

(Winged/Wicked Things, Sunset Rubdown)

domingo, 13 de junho de 2010

Magic vs. Midas.

Todo amor é necessariamente uma forma de constrangimento.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Das tragédias.

Obrigado pelo presente de grego: estou novamente apaixonado.

domingo, 6 de junho de 2010

Um verso.

(Pode ser) Um vírus grave ou uma simples falta de atenção.

Na torcida.

Por Arjen Robben.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Il Maledito.

Sim espera você a sua vez que eu não sei esperar.

sábado, 29 de maio de 2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

domingo, 23 de maio de 2010

Das incógnitas.

Como conseguir não esperar absolutamente nada da vida? Se alguém souber a resposta, por favor, me ajude.

Mais uma palavra:

Abulia.

sábado, 22 de maio de 2010

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Da funcionalidade.

Nada como ter Spencer Krug como terapeuta.

Entendimentos.

- Poxa, você entendeu as coisas da maneira errada...
- Muito pelo contrário. Essa sua fala apenas me confirma que eu entendi tudo certinho, certinho!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Cave-o-Sapien.

I got you 'til you're gone.

domingo, 16 de maio de 2010

Fatalismos.

A gente até tem certa sintonia, certo entendimento. Mas é aquele tipo de entendimento que mais cedo ou mais tarde vai terminar em desentendimento. Inevitavelmente.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

domingo, 2 de maio de 2010

Penalidade máxima.

E de repente voltamos ao começo, embora todo recomeço nunca seja exatamente um início propriamente dito. As desproporções imperfeitas estão todas lá com uma única diferença: dessa vez realmente existem para além da pura imaginação. Não há como deixar de rebobinar o vídeo: a gargalhada fatal ainda consta no compacto. A circularidade da vida me instiga. Como não ficar atônito ao ver o mesmo gol no replay? Está lá, a mesmíssima trajetória parabólica da bola a sair dos pés de diferentes cobradores. Eu, por minha vez, permaneço no gol pulando no canto errado.

O presente pede passagem. O juiz coloca novamente a bola na marca do pênalti. A cobradora toma a distância, sorri, e vem em direção a bola enquanto, concentrado, estou novamente a um centésimo de segundo da decisão...

(É na hora das penalidades que os grandes goleiros se mostram).

A segunda lei da termodinâmica.

Tudo vai dar merda.

(Maridos e Esposas, Woody Allen)

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Uma idéia.

Tudo está melhor agora que o mundo acabou lá fora e a gente vai poder reinventar a roda de bom humor.

(A Reinvenção da Roda, Violins)

terça-feira, 27 de abril de 2010

Desejo.

Uma vez na vida eu gostaria de ser salvo deste pesadelo.

sábado, 17 de abril de 2010

A recíproca é verdadeira.

When someone loves you very much
You're fucked

(Skeleton Man, Evangelicals)

terça-feira, 13 de abril de 2010

Um trecho.

Ninguém explodiu em mil
Milhões de vezes
Ninguém morreu e nasceu diversas vezes
Como eu
Ninguém!

(Fluorescente, Violins)

domingo, 11 de abril de 2010

sábado, 10 de abril de 2010

A virtude do amor...

...é a possibilidade do auto esto-esquecimento.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Ciorando (14).

É preciso uma considerável dose de inconsciência para entregar-se sem reservas a qualquer coisa. Os crentes, os apaixonados, os discípulos, só percebem uma face de suas deidades, de seus ídolos, de seus mestres. O entusiasta permanece inelutavelmente ingênuo. Há sentimento puro onde a mescla de graça e imbecilidade não se traia, e admiração devota sem eclipse da inteligência? Quem entrevê simultaneamente todos os aspectos de alguém ou de algo permanece para sempre indeciso entre o arrebatamento e o estupor. Disse que qualquer crença: que fausto do coração — e quanta ignomínia por baixo! É o infinito sonhado em um esgoto e que conserva, indeléveis, sua marca e seu fedor. Há um notário em cada santo, um quitandeiro em todo herói, um porteiro no mártir. No fundo dos suspiros esconde-se uma careta; aos sacrifícios e às orações misturam-se os vapores do bordel terrestre. Consideremos o amor: há expansão mais nobre, arrebatamento menos suspeito? Seus estremecimentos competem com a música, rivalizam com as lágrimas da solidão e do êxtase: é o sublime, mas um sublime inseparável das vias urinárias: transportes vizinhos à excreção, céu das glândulas, santidade súbita dos orifícios... Basta um momento de atenção para que essa embriaguez, abalada, nos lance nas imundícies da fisiologia, ou um instante de fadiga para constatar que tanto ardor só produz uma variedade de ranho. O estado de vigília altera o sabor de nossos arroubos e transforma quem os sofre em um visionário pisoteando pretextos inefáveis. Não se pode amar e conhecer ao mesmo tempo, sem que o amor padeça e expire sob o olhar do espírito. Investigue suas admirações, perscrute os beneficiários de seu culto e os que se aproveitam de seus abandonos: sob seus pensamentos mais desinteressados descobrirá o amor-próprio, o aguilhão da glória, a sede de domínio e de poder. Todos os pensadores são fracassados da ação que se vingam de seu fracasso por meio de conceitos. Nascidos aquém dos atos, os exaltam ou os menosprezam, conforme aspirem ao reconhecimento dos homens ou à outra forma de glória: seu ódio; elevam indevidamente suas próprias deficiências, suas próprias misérias à categoria de leis, sua futilidade ao nível de princípios.

O pensamento é uma mentira, como o amor e a fé. Pois as verdades são fraudes e as paixões, odores; e, no final das contas, a escolha está entre o que mente e o que fede.

(Breviário de Decomposição, Emil Cioran)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Eu te avisei...

Todas as nossas bobagens têm consequências.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Em busca da ataraxia.

A ingenuidade de ainda acreditar talvez seja o maior de todos os meus (numerosos) equívocos.

Dos sonhos.

Eu queria minha vida de volta.

Ah sim...

... : o coxismo não tem limites.

Termômetro.

Cada parte do meu corpo é um outro eu do qual eu não tenho nenhum controle.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Registro.

A vida é engraçada! Quem quer apostar?

k.

k = agir x pensar

Conclusão: a pedra é a filosofia em estado bruto.

Da sabedoria alheia.

Em algum nível a gente tem que ser realista, mesmo que em um sonho.

A charada.

Qual a diferença entre o acaso e o descaso?

Prova ontológica.

133 : 3

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Minha vida severina.

Minha vida é como o sertão nordestino. O ano inteiro é marcado pela seca, pela estiagem. Em compensação, quando a chuva aparece é temporal: inunda tudo o que restou.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Dos perigos.

A última vez que meu ano começou mal ele terminou muito mal. Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos.

quarta-feira, 17 de março de 2010

A Arte da Vida.

Por trás do frenesi da vida cotidiana está sempre a fuga de nós mesmos, a tentativa de nos atordoarmos para não enfrentar as questões verdadeiramente importantes da existência: a inevitabilidade da morte, a miséria e a infelicidade da própria condição. Aquilo que os homens mais desejam é ser distraídos; o que mais temem é ficar sozinhos e quietos em um quarto, sem nada para fazer. O verdadeiro propósito de qualquer tipo de atividade ou compromisso, mesmo eticamente honroso, é chegar inadvertidamente à morte, suprimir a consciência da nossa finitude.

Nada é mais insuportável para o homem do que ficar em descanso absoluto, sem paixões, sem nada para fazer, sem divertimento, sem uma ocupação. É então que ele percebe a sua nulidade, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Logo brotarão do fundo de sua alma o tédio, a melancolia, a tristeza, a aflição, o ressentimento, o desespero. A infelicidade dos homens deriva de uma única coisa, que é não conseguirem ficar sossegados em um quarto.

De todas as condições que se imagine, juntando todos os bens que se possa reunir, a condição de rei é a melhor do mundo, imaginando-se, portanto, um rei cercado de todos os prazeres de que pode desfrutar. Se, porém, o imaginarmos privado de distrações, enquanto reflete e avalia sua existência, felicidade e prazeres não lhe valerão mais, e ele fatalmente sucumbirá diante das ameaças que vê, das revoltas que podem ocorrer e, finalmente, da morte e das doenças que são inevitáveis. E assim, privado do que se denomina distração, eis que está infeliz, mais infeliz ainda que o último dos seus súditos que joga e pode distrair-se.

Isto explica porque o jogo e a busca da companhia feminina, a guerra e os altos cargos são objetivos tão almejados. Não porque encerrem em si a felicidade. O que buscamos não é a suavidade e placidez desta posse, que nos deixa pensar na infelicidade da nossa condição; nem os perigos da guerra, nem as preocupações dos cargos, mas o estrépito que nos impede de pensar a respeito e nos distrai. Motivo pelo qual amamos mais o ato de caçar do que a presa em si. Aquela lebre não nos impediria a visão da morte e das misérias, mas a caça, que nos distrai delas, pode fazê-lo. Todas as atividades mundanas mesmo as mais honradas nascem de uma fuga dos problemas existenciais. O rei está cercado de pessoas que só pensam em fazer com que se divirta e em impedi-lo de pensar em si mesmo. Por que mesmo sendo rei, se pensar, será infeliz. Isso é tudo que os homens puderam inventar para ser felizes.

O modo de enganar a si mesmo é postergar para um eterno futuro o momento da serenidade, para então se dedicar à reflexão sobre a inevitabilidade da morte. E assim transcorre a vida. Busca-se o descanso enfrentando uma série de obstáculos; e, superados estes, o descanso torna-se insuportável porque nos faz pensar nas misérias presentes ou naquelas que nos ameaçam. E mesmo se nos sentíssemos protegidos o bastante por todos os lados, o tédio, com a sua costumeira autoridade, não deixaria de se soltar do fundo do coração, onde, naturalmente se enraizou, e de encher o espírito com o seu veneno.

(Blaise Pascal)

terça-feira, 16 de março de 2010

Depois da queda.

Você só viu, não aprendeu
Eu aprendi porque você contou tudo
Eu não vi

Agora a gente tem que se ajudar
O que você viu e o que eu posso assimilar
Precisam se tornar um só fato

Sou mera página em branco
Então comece a escrever
Relate o que vê
De fato o mundo perdeu o som?
Ninguém mais ouve você e eu
Será que a gente morreu
Na pressa de maldizer o fato?
Na pressa de convencer um lado
De que o outro é que vai vencer

(Um Só Fato, Violins)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Ad infinitum...

Novos personagens, velhas incompreensões, a mesma história! Como é emocionante ver a vida da televisão!

domingo, 14 de março de 2010

Da arqueologia.

Mais legal do que uma história propriamente dita é a sua pré-história oculta.

sábado, 13 de março de 2010

Em cartaz.

Guilherme Jones: Em Busca da Ataraxia Perdida.

Tolos Mudam.

As lombadas não adiantam mais
estou de bicicleta
eu me estresso por coisas banais
você que me disperta
tem coisas que são tão legais
ocorrem na hora certa
por isso já não ligo mais
pra quem me alfineta...

Ainda bem
que eu não estou só

Na escola de errar eu sei
já sou um graduado
mas quem se achar perfeito não
esconde um ser frustrado
aos meus amigos toda acidez
de um abraço embriagado
e a simplicidade de quem tem
um par de tênis furado

Melhor assim
que eu não estou só

(Aos Meus Amigos, Superguidis)

segunda-feira, 8 de março de 2010

Onde os fracos não tem vez.

A vida foi feita para os brutos. Nunca ninguém fez uma revolução por meio das palavras.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

17 de Fevereiro de 2006.

Eu não sou eu.
Sou este
Que vai ao meu lado sem eu vê-lo;
Que, por vezes, vou ver,
E que, às vezes, esqueço.
O que se cala, sereno, quando falo,
O que perdoa, doce, quando odeio,
O que passeia por onde estou ausente,
O que ficará de pé quando eu morrer.

(Juan Ramón Jiménez)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O preço.

Encontrar o mistério é abrir mão da ilusão que o sustenta.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Saudade. (2)

Quanta saudade do que eu nunca vivi!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Coração.

Can I lift my dress up for you?
Can I lift it in the night?
White undersides of my thighs look much better
In the dark light

There’s a kid in there
And he’s big, and dumb,
And he’s… kinda scared
Well, he’s too old to be there

And he’s just looking for a light.

Well, I’ll lift it to the ceiling tiles
I’ll stay —- in a trance
You see something to reach about
I’ll tell you that it’s mine
I’m sorry that your mother died
That one was my fault
I’m sorry anybody dies at all these days

I still find reasons to pout.

Oh I see the night…
With my own two eyes.

(Stadiums and Shrines II, Sunset Rubdown)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Quem sou eu?

Uma ausência presente.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Para constar.

Valeu até uma sonora gargalhada!

sábado, 30 de janeiro de 2010

Desconstruindo Guilherme.

Cenas para os próximos capítulos.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sono.

De repente, como se um destino médico me houvesse operado de uma cegueira antiga com grandes resultados súbitos, ergo a cabeça, da minha vida anônima, para o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido, é uma espécie de engano e de loucura. Maravilho-me do que consegui não ver. Estranho quanto fui e que vejo que afinal não sou.

Olho, como numa extensão ao sol que rompe nuvens, a minha vida passada; e noto, com um pasmo metafísico, como todos os meus gestos mais certos, as minhas idéias mais claras, e os meus propósitos mais lógicos, não foram, afinal, mais que bebedeira nata, loucura natural, grande desconhecimento. Nem sequer representei. Representaram-me. Fui, não o ator, mas os gestos dele.

Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu.

Vem-me, então, um terror sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a de quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto, por um terremoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara.

Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê.

É tão difícil descrever o que se sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade real, que não sei quais são as palavras humanas com que possa defini-lo. Não sei se estou com febre, como sinto, se deixei de ter a febre de ser dormidor da vida. Sim, repito, sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que perdem a memória, e são outros durante muito tempo. Fui outro durante muito tempo – desde a nascença e a consciência –, e acordo agora no meio da ponte, debruçado sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui. Mas a cidade é-me incógnita, as ruas novas, e o mal sem cura. Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural.

Foi um momento, e já passou. Já vejo os móveis que me cercam, os desenhos do papel velho das paredes, o sol pelas vidraças poeirentas. Vi a verdade um momento. Fui um momento, com consciência, o que os grandes homens são com a vida. Recordo-lhes os atos e as palavras, e não sei se não foram também tentados vencedoramente pelo Demônio da Realidade. Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Saber de si, de repente, como neste momento lustral, é ter subitamente a noção da mônada íntima, da palavra mágica da alma. Mas essa luz súbita cresta tudo, consume tudo. Deixa-nos nus até de nós.

Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui. E, por fim, tenho sono, porque, não sei porquê, acho que o sentido é dormir.

(O Livro do Desassossego, Bernardo Soares)

Absurdo.

Tornarmo-nos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque, de resto, nós o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que somos realmente. O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios. O absurdo é o divino.

Estabelecer teorias, pensando-as paciente e honestamente, só para depois agirmos contra elas — agirmos e justificar as nossas ações com teorias que as condenam. Talhar um caminho na vida, e em seguida agir contrariamente a seguir por esse caminho. Ter todos os gestos e todas as atitudes de qualquer coisa que nem somos, nem pretendemos ser, nem pretendemos ser tomadas como sendo.

Comprar livros para não os ler; ir a concertos nem para ouvir a música nem para ver quem lá está; dar longos passeios por estar farto de andar e ir passar dias no campo só porque o campo nos aborrece.

(O Livro do Desassossego, Bernardo Soares)

Da vaidade.

As pessoas se sensibilizam com a morte da jornalista Lanusse Martins, mas, por outro lado, não questionam a falta de necessidade da própria cirurgia a que ela se submeteu. Ah, a vaidade...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Da sabedoria.

Só tem medo da morte aquele que não viveu.

Is Love Simple?

Don't be afraid
You're already dead

(Love Is Simple, Akron/Family)

Musas. (14)

Ser.

Chega a ser contraditório o ser humano se orgulhar imensamenente justamente daquilo que lhe faz mais mal. Depois ainda dizem que são racionais.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Poisé.

Tristeza não tem fim. Felicidade sim.

Parabéns!

Quanta felicidade saber que muito em breve teremos dois comunicólogos a menos no mundo! Porque não vale a pena desperdiçar talento mesmo com essa área! Parabéns Fred e Desireê! U-hu!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Vida.

Estado permanente de medo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Script.

Duas amigas veem um jovem casal se beijando. Uma delas comenta internamente:

- Que meigo!

A outra, por sua vez, resolve iniciar o diálogo com o casal:

- Vocês parecem tão felizes!
- É só fingimento... – provoca o rapaz, brincando.
- Aproveitem enquanto dura porque não dura muito tempo.
- Como?
- Vocês acham que é para sempre, mas não é. Logo começam a irritar um ao outro, já não conversam com o outro como antes, afinal, para quê? Você acha que te entendem mas o fato é que nunca entenderam.

A amiga tenta intervir, em vão:

- Ruth?
- Aí não só você não diz mais nada de verdadeiro como começa a mentir descaradamente. E quando você pensa que nada pode piorar, ele morre.

Os jovens tentam se desvencilhar de Ruth:

- Acho que a fila ali está menor – justifica o rapaz.
- Tchau – despede-se, a moça.

Mas...

- Não importa o que fizerem, ficarão sozinhos, sem saber quem são ou o que querem.

(O pé, A Sete Palmos)

Das profissões.

- Mãe, acho que descobri o que eu quero ser nessa vida.
- O que, meu filho?
- Carteiro.
- Carteiro?
- É. Eu não me formei em Comunicação? Então. Acho que estou mais do que habilitado para exercer essa função.

O coraçãozinho (não) sobreviverá.

- Quero dilacerar seu coraçãozinho.

U-hu!

Pra que tanta indecisão?
U-hu!

(Escolher pra quê?, Cidadão Instigado)

Da dubiedade.

'Não sou legal. Tô te dando mole'.

Será?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A Solução.

Seria o Norte?

Musas. (13)

Das lições. (2)

- Cara, nunca dê seu coração para ninguém.
- Não, eu não dou.
- Você tá louco? O meu coração eu não dou para nenhum homem. Tsc, tsc. Posso dar o meu fígado, mas o meu coração eu guardo no máximo para minha mãe.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Do anti-amor.

- Porque quando penso em você eu lembro de mim.

Musas. (12)

Des-conhecer.

Todo conhecimento é também uma forma de desconhecimento.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Catastrofologia.

O mais legal das catástrofes é a premeditada falta de premeditação com a qual elas se iniciam.

Convênio.

A linguagem interna era cada vez menos familiar a Chloe, ou melhor, ela fingia esquecê-la, para não admitir negação. Recusava a cumplicidade na linguagem, fazia o papel de estrangeira, começava a me ver contra a luz, e achava erros. Eu não conseguia entender por que as coisas que eu estava dizendo e que no passado haviam sido tão atraentes, eram agora subitamente tão irritantes. Eu não conseguia entender por que, eu não tendo mudando, deveria agora ser acusado de ser ofensivo de cem formas diferentes. Entrando em pânico, embarquei numa tentativa de retornar à época de ouro, perguntando a mim mesmo, “o que eu estava fazendo então que talvez não faça agora?”. Tornei-me um conformista desesperado com relação a um eu passado que havia sido o objeto de amor. O que eu não havia conseguido perceber era que o eu passado era o que agora se mostrava tão irritante, e que eu portanto não estava fazendo nada senão acelerando o processo de dissolução.

***

Eu me tornei irritante, alguém que transcendeu a preocupação pela reciprocidade. Em comprava livros pra ela, levava os casacos dela para lavar a seco, pagava os jantares, sugeria que fizéssemos uma viagem a Paris no natal para comemorarmos nosso aniversário. Mas a humilhação podia ser o único resultado de amar contra todas as evidências. Ela podia ficar de cara amarrada, gritar comigo, me ignorar, me irritar, me tapear, me bater, me chutar e eu, mesmo assim, não reagia – e por isso ficava mais irritante.

***

Ao final de uma refeição que eu havia passado duas horas preparando (em grande parte envolvido por uma discussão sobre a história dos Bálcãs), peguei as mãos de Chloe e disse a ela:

- Eu só queria dizer, e sei que parece sentimental, que por mais que briguemos e tudo o mais, eu ainda gosto de você de verdade, e quero que as coisas dêem certo entre nós. Você significa tudo para mim, você sabe disso.

Chloe (que sempre lera mais livros de psicanálise do que romances) olhou para mim com suspeitas e replicou:

- Escute, é gentil da sua parte dizer isso, mas isso me preocupa; você precisa parar de me transformar em seu ego ideal.

***

As coisas haviam se reduzido a um cenário tragicômico: de um lado, o homem identificando a mulher como um anjo, do outro, o anjo identificando o amor como algo quase patológico.

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

Fases do amor.

O mais engraçado da minha vida é que eu já vivenciei todas as fases de um relacionamento amoroso sem sequer ter vivido um. E não estou falando aqui em imaginação.

Outra de amor... (3)

Um dos maiores defeitos do amor é que, pelo menos por algum tempo, ele corre o risco de nos tornar felizes.

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

sábado, 16 de janeiro de 2010

Das contradições.

A indiferença raramente é indiferente.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Teatro.

Roteiro - "Where I'm Anymore" ou "Não Fosse o Bom Humor...".

Personagens:

Renata
Baratas
Clarice Lispector
Falta de Noção
Hipocrisia
Medo
Silêncio

Locação:

Sanatório

Cena 1 – “A porta da rua” ou “Educação custa caro”.

Toc Toc:

Renata: Oi, tudo bem?
Guilherme: Tudo, e você?
R: Eu estou bem! Gostei da sua casa, sabia? Tem tanta coisa bacana por aqui... Posso vir te visitar vezenquando?
G: Poxa vida, claro. Fique a vontade!
R: Nossa, como você é uma pessoa gentil!
G: Obrigado! Você também me parece ser muito legal!

(...)

Cena 2 – “Malas” ou “Presente de Grego”.

R: Sabia que eu estou completamente apaixonada por você?

Cena 3 – “O Telefone Imaginário” ou “Tum-Tum-Tum-Tan-Tan”.

R: Por que você não atende meus telefonemas?
G: Talvez seja porque eu não use telefone.


Cena 4 – “A Bandeira” ou “Mamãe Postiça”.

R: Pois fique sabendo que você é um escroto! Quando é que você vai parar com isso?
G: Como? Com isso o que?
R: Você sabe muito bem.
G: Ahn?
R: Você não percebe o quanto é egoísta! Faz tudo errado o tempo todo e vive me machucando.
G: O que?
R: Seu dissimulado!

Cena 5 – “Nonada” ou “Nua”.

R:
(Sentindo).

Cena 6 – “As Baratas” ou “A Lixeira”.

R: Cala sua boca! Para de jogar entulho no meu quintal! Você quer que eu te expulse da minha casa, seu moleque?

Cena 7 – “A Porta da Rua (Epílogo)” ou “Kafka”.

R: Eu já me cansei. Não agüento mais! Ponha-se para fora agora junto com as suas coisas. Você tem quinze minutos para desocupar o quarto de hóspedes. Antes disso assine aqui o papel da transferência da escritura para o meu nome, seu grosso! E não se esqueça de sair pelos fundos!

Observação: Qualquer semelhança entre os personagens desta peça de teatro e pessoas reais (ou realmente fictícias) não passa de mera coincidência.

Outra de amor... (2)

Descartes revisitado.

Amo-te, logo ofendo-te.

Faz (muito) sentido.

Ser amado por alguém é perceber o quanto eles partilham das mesmas necessidades dependentes da resolução do que nos atraiu a eles em primeiro lugar. Não amaríamos se não houvesse carência dentro de nós, mas por paradoxo, somos ofendidos por uma carência semelhante no outro. Esperando encontrar a resposta, descobrimos apenas a duplicata de nosso próprio problema. Percebemos o quanto eles também necessitam descobrir um ídolo, vemos que o Amro não foge à nossa sensação indefesa, e somos, portanto, forçados a desistir da passividade infantil de nos escondermos por trás de uma admiração e veneração divinas para assumir a responsabilidade de carregar e ser carregado.

Albert Camus sugeriu que nos apaixonamos pelas pessoas porque, do lado de fora, elas parecem tão inteiras, inteiras tanto no físico quando coesas nas emoções, quando subjetivamente nos sentimos tão dispersos e confusos. Por falta de uma narrativa coerente, uma personalidade estável, uma direção fixa, uma unidade temática, alucinamos essas qualidades no outro. Não haveria algo disso em minha relação com Chloe, isto é, do lado de fora (antes do contato epidérmico) ela parecia maravilhosamente controlada, dona de um caráter distinto e contínuo, ao passo que após o coito eu a via como vulnerável, prestes a entrar em colapso, dispersada, necessitada? Não era um caso de um eu nietzschiano, a mera soma de suas ações, ligadas e sexualmente atraídas pela idéia do eu essencial do Bispo Butler? Daí o eco da famosa frase “don’t fall aparto on me (tonight)” (“não desabe sobre mim (esta noite)”) de Bob Dylan depois que as lágrimas rolaram.

Existe uma longa e sombria tradição do pensamento ocidental que afirma que o amor pode, em última instância, apenas ser considerado um exercício marxista irrecíproco e admirador, em que o desejo luta com a impossibilidade de ver algum dia seu amor ser retribuído. Segundo essa visão, o amor é só uma direção, não um lugar, e se consome com a obtenção de seu objetivo, a posse (na cama ou em outro local) do amado. O conjunto da poesia dos trovadores provençais do século XII era baseado na demora do coito, o poeta repetindo seus pedidos a uma mulher que repetidamente declinava a oferta do homem desesperado. Quatro séculos depois, Montaigne teve a mesma idéia do que fazia o amor crescer quando declarou: “no amor, não existe nada senão um desejo frenético de que foge de nós” – uma visão compartilhada pela máxima de Anatole France: “não é costume se amar o que se tem”. Stendhal acreditava que o amor podia ser provocado apenas na base do medo de perder o amado; Denis de Rougemount argumentava, “a obstrução mais séria é a preferida, afinal de contas, É a mais adequada para intensificar a paixão; e Roland Barthes limitava o desejo a uma vontade de se ter o que era, por definição, inalcançável.

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Outra de amor...

Toda paixão envolve o triunfo da esperança sobre o autoconhecimento.

No táxi a caminho da cidade, senti uma curiosa sensação de perda, de tristeza. será que aquilo poderia realmente ser amor? Falar de amor depois de mal termos passado uma manhã juntos era se deparar com cargas de ilusão romântica e imprecisão semântica. Mas só podemos nos apaixonar sem conhecer por quem nos apaixonamos. O movimento inicial está necessariamente fundamentado na ignorância. Então, se eu chamei isso de amor em face a tantas dúvidas, tanto psicológicas quanto epistemológicas, era talvez por uma crença de que a palavra nunca pudesse ser usada de forma precisa. Como o amor não era um lugar, uma cor, ou produto químico, mas toods os três e mais, ou nenhum deles e menos, será que qualquer pessoa não poderia falar e decidir como desejase quando a coisa chegasse a esse ponto? Essa questão não ficaria além do reino acadêmico do verdadeiro e do falso? Amor ou simples obsessão? Quem, senão o tempo(que mente por si próprio), poderia possivelmente começar a contar?

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

Do Desejo.

Há algumas frases que, não sei bem por qual motivo, simplesmente entram em nossa mente e ali fixam residência. Recordo-me de um texto em que a Ana dizia, entre algumas idéias que desenvolvia, ‘talvez porque me faltem umas carnes’. O resto é história, enquanto esta pequena e aparentemente despropositada colocação se tornou memória. Como não poderia deixar de ser, se tornou memória muito provavelmente pelo mesmo motivo que ganhou materialidade no referido texto: certa contraposição. No meu caso em particular, isso talvez tenha a ver com a minha predileção pelas meninas ‘um pouquinho mais gordinhas’. É incrível porque não existe uma garota em forma que tenha o encantamento que estas tais meninas provocam em mim. Basta um olhar para sentir a diferença; uma gargalhada é a perdição. Há uma vitalidade que eu simplesmente não sou capaz de encontrar em nenhuma modelo. Mais uma vez isso, a tal da vida - nua e crua.

Saio de casa com um objetivo de adquirir um novo par de calçados. Mas antes de ir a loja, resolvo dar uma caminhada pelo shopping e quando dou por mim, a minha atenção já está do lado de fora: dentro de uma loja apenas vejo aquela expressão faceira. E realmente se tem algo que é capaz de me destruir completamente essa coisa é exatamente a beleza, afinal, ela provoca um tipo de deslocamento que me deixa completamente alheio a tudo o que está em torno do objeto revelador. E ela estava ali, diante dos meus olhos, no meio de tanta gente que é difícil explicar como eu fui capaz de captar o seu faro. Tudo bem. Terminado o instante, resolvo prosseguir até a loja de calçados em que eu havia reservado meu novo tênis. Antes de entrar, fico em frente à vitrine fingindo observar atentamente os modelos e lembro dos traumas, sobretudo aqueles gerados em meus pés por conta de uma numeração errada. Hesito em fazer a compra. Eis então a menina novamente reaparece. Não tenho escolha: hesitação interrompida.

Peço para experimentar o tênis e enquanto aguardo pelo vendedor, novamente detenho meu olhar na menina. Mais uma troca de olhares acontece – a primeira se deu quando ela entrou na loja e eu não fiz questão nenhuma de desviar. Diante de mim, um corpo sensual, contendo exatamente aquelas carnes que me faltam. Mas não apenas isso. Afinal, não bastassem as carnes no lugar e aquele rosto expressivo, havia ainda – ou seria principalmente? – os pés. Unhas pintadas de vermelho, com um anelzinho e uma tatuagem junto ao tornozelo. Número 40 que soavam como se fosse 35 tamanha a turbulência que me causavam. Por um instante cheguei a pensar que trabalhar em uma loja de calçados pudesse ser o melhor emprego do mundo. Só depois me lembrei que nem toda cliente se parece com a menina em questão – na verdade, a maioria significativa tende a ser o oposto dela.

Saí da loja. O calçado parecia apertar um pouco meus pés, mas mesmo assim levei o pacote estava em minhas mãos. Talvez por impulso. Ou apenas para tentar trazer novamente meus pensamentos à terra.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Viver.

Como posso ser mais forte do que eu?
Você acha que isso é muito natural.
Não sei se vou conseguir.

(Contando Estrelas, Cidadão Instigado)

Dos bons momentos.

Ver um amigo até então desanimado aparecer com o ânimo revigorado.

Do platonismo barato.

E foi por sentir que éramos tão certos um para o outro (ela não só completava minhas frases, ela completava minha vida), que fui incapaz de considerar a ideia de que conhecer Chloe havia sido uma simples coincidência.

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Não fosse o bom humor...

Queria ter muita coragem nessas horas
Poder dizer-te coisas antes de ir embora
Me dá um desespero, um nó em minha garganta
Não expressar opiniões não adianta

Um psiquiatra cairia bem
Não fosse o bom humor, meu estômago todo iria fritar
Meu estômago todo iria fritar

Desculpa se por um acaso eu te aborreça,
Mas o pior sempre está em minha cabeça

Um psiquiatra cairia bem, não fosse o bom humor
Um psiquiatra cairia bem
Não fosse o bom humor, meu estômago todo iria fritar
Meu estômago todo iria fritar

(Não Fosse o Bom Humor, Superguidis)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Auto-ajuda indie.

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

(Clarice Lispector)

Teu Inglês.

Ninguém é perfeito
Ninguém é perfeito
Eu quis ser
Socialista!
Socialista!
Socialista!
Funziona senza vapore
Eu vi uma ema
No Palácio da Alvorada
Um ex-skinhead falava
Da sua namorada
Como gostava
Dela ser tapada
Funziona senza vapore

(Funziona Senza Vapore, Fellini)

Das síndromes.

Guilherme e a síndrome do dedo podre.

Musas. (11)

Atualizações alheias.

Carmem Luisa .
recebeu uma mensagem anônima: Ou somos os melhores ou não somos mais necessários.

Ótimo final de tarde!
(via Caixa da Verdade)

As Raízes da Paixão...

- G.H., tá na hora da sua comidinha minha filha!
- O que tem, mamãe?
- Adivinha... Seu prato preferido! Papinha de baratinha!
- Êêêêêê!!! Adolo, mamãe!
- Hoje tá mais do que especial. Preparei com a barata da vizinha, que tava na minha cama! Eu fiz essa papinha pra me defender!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Quando eu crescer eu quero ser...

Das receitas.

'' Jordana diz (05:17):
Basicamente tu só tem que olhar pra menina. Se ela desviar e olhar de volta, pronto. Dá um sorriso, ela vai rir também. Aí, mermão, tu tá feito.

Das constatações. (6)

- Mas você é praticamente uma lésbica que fica tentando seduzir mulheres heterossexuais...

Tabuleiro.

As peças estão nos lugares tão certos que tudo isso só pode dar muito errado mesmo. Mas quem disse que o errado não pode ser justamente o certo?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Caixa da verdade.

Nada mais nada menos do que uma prova cabal da completa fragilidade humana.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Dos Ditados.

Boa sorte, boa morte...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ciorando (13).

Respiro por preconceito. E contemplo o espasmo das idéias, enquanto que o Vazio sorri a si mesmo... Não há mais suor no espaço, não há mais vida; a menor vulgaridade a fará reaparecer: basta um segundo de espera.

Quando se percebe existir, experimenta-se a sensação de um demente maravilhado que surpreende sua própria loucura e busca inutilmente dar-lhe um nome. O hábito embota nosso assombro de existir: somos, e vamos além, ocupamos nosso lugar no asilo dos existentes.

Conformista, vivo, tento viver, por imitação, por respeito às regras do jogo, por horror à originalidade. Resignação de autômato: simula fervor e ri disso secretamente; só submeter-se às convenções para repudiá-las às escondidas; figurar em todos os registros, mas sem residência no tempo; salvar a cara, quando seria imperioso perdê-la... Aquele que despreza tudo deve assumir um ar de dignidade perfeita, induzir ao erro os outros e até ele mesmo: cumprirá assim mais facilmente sua tarefa de falso vivente. Para que mostrar nossa ruína se podemos fingir a prosperidade? O inferno não tem boas maneiras: é a imagem exasperada de um homem franco e grosseiro, é a terra concebida sem nenhuma superstição de elegância e de civilidade.

Aceito a vida por cortesia: a revolta perpétua é de tão mau gosto como o sublime do suicídio. Aos vinte anos se rompe em impropérios contra os céus e a imundície que cobrem; depois se cansa. A pose trágica só corresponde à puberdade prolongada e ridícula; mas são necessárias mil provas para alcançar o histrionismo do desapego. Quem, emancipado de todos os princípios de costume, não dispusesse de nenhum dom de comediante, seria o arquétipo do infortúnio, o ser idealmente desgraçado. É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade...

Guardemos no fundo mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo. Deveríamos nos matar imediatamente se uma revelação imprevista nos persuadisse do contrário. Se o ar desaparecesse, respiraríamos ainda; mas sufocaríamos no mesmo instante se nos fosse roubada a alegria da inanidade...

(Breviário de Decomposição, Emil Cioran)

"Da comoção" ou "na 'pós-hipocrisia'".

Das coisas mais constrangedoras que pode existir na vida de uma pessoa é ter sua querida vidinha privada circulando pelas intrincadas tubulações da FAMILÍA. Muitas vezes tratam-se de conexões altamente eficientes, de modo que o esgoto não acaba vazando para o membro, digamos, em questão. Mas, vocês sabem, quando o álcool entra, a verdade sai. O grande Drummond, em o Poema das Sete Faces já atentava para o potencial de comoção da ‘marvada’. E olha que a lua ainda nem estava no horizonte.

De repente, em pleno churrasco casual, o telefone da minha tia toca. Uma, duas, três vezes. Risos e caretas do lado de cá da linha apenas evidenciavam o clima ‘entusiasmado’ do outro lado. “Ah, fulana, mas você sabe o quanto eu te amo, não é? Porque, poxa, eu te amo para caramba”. Frases como essa davam o tom do nível de carência que o álcool costuma gerar no fim das festas. Nada contra. É algo divertido, ainda mais para quem, careta como eu e que não tem a mínima vocação para a coisa, se mantém sóbrio. Mas de repente o inesperado acontece:

- Guilherme, a sua tia quer falar com você.

Evidentemente fico surpreso. Pera lá, como assim? Enfim... Ressabiado, pego o telefone celular. A ligação é péssima.

- Como foi a sua virada?
- Ahn?
- É, o ano novo?
- Ah, foi tudo bem. Normal.

Aparentemente uma daquelas conversas superficiais de costume, isto é, pura função fática. De repente, sem mais nem menos, o ar da graça:

- É que eu queria te dizer uma coisa. Assim, deixa eu ver como eu vou falar.
- Ué tia. Não precisa ficar escolhendo as palavras não. Seja direta, até porque enrolação só causa mais problemas.
- Tá bom. É porque você não precisa se sentir o patinho feio, sabe? (...).

E de repente a constatação: a minha vida privada era a bola da vez pelos encanamentos da FAMÍLIA. Porém desta vez a minha reação foi tanto quanto diferente. Se antes, provavelmente, eu ficaria completamente inibido e fugiria da raia, apenas tratei de dar uma cordinha. Talvez por culpa da ‘pós-hipocrisia’, mas decidi apenas ‘ligar o foda-se’. Minha mãe pediu o telefone uma, duas, três vezes, mas a curiosidade em saber o que vazava a meu respeito no interior das tubulações, acabou sendo maior. Terminado o momento, passei o celular para minha mãe.

Terminado em partes. Cinco minutos depois, toca o meu telefone. Era meu Tio. Papo vai, papo vem, ele resolve passar novamente para esta minha Tia. E ela volta com pilha total:

- Mas poxa, meu rapaz, você tá precisando de arrumar um buraco, não é mesmo? Você tem pinto, certo? Você tem tesão, não é? Então? O que mais falta?

Longe de ficar puto com essa espécie de invasão - principalmente com meu primo que certamente vazou informações que eu pensava serem confidenciais à sua mãe – eu simplesmente dei risada de tudo que estava acontecendo diante dos meus olhos, quero dizer, ouvidos. Não apenas porque muito provavelmente ela sequer se lembrará do que me disse, mas porque neste estado de ataraxia da ‘pós-hipocrisia’, tudo parece realmente irrelevante. Pouco importa as impressões – simplórias, ainda que bem intencionadas - dos outros sobre seus sentimentos. Saímos detrás da moita exatamente por meio da pequena rachadura presente na tubulação.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Lembrete.

Por outro lado, existem atitudes que são louváveies.

Da auto-estima.

Auto-estima só tem de auto, o nome. Por muito tempo eu acreditava piamente que a auto-estima florescia de fora, a partir de uma dinâmica intrincada de indentificações e reconhecimentos mútuos que permitiam a tal da auto-constituição pessoal. Não está totalmente errado. Mas há uma parte mais delicada que apenas agora compreendo com mais clareza: mais do que florescer de fora, a auto-estima, ao que parece, precisa ser conquistada de fora. O problema é que para ganhar um pouquinho infelizmente alguém tem que perder, afinal, o coeficiente de auto-estima é uma constante.

Das lições.

Se tem algo que é mais difícil e problemático que aprender, trata-se de reaprender. Isto porque todo re-aprendizado pressupõe necessariamente um duplo movimento: desconstruir uma idéia (ou prática) incorreta e rotinizada, para apenas assim, posteriormente poder conseguir fixar o entendimento (ou procedimento) mais adequado. Embora pareça algo tanto quanto simples, assim descrito, na teoria, sabemos, a prática é outra.