quinta-feira, 31 de julho de 2008

Abril Despedaçado...

Meu coração é de papel. Meus sentimentos são só grafite que desliza sem sangrar. Desgasto o tempo recortando outros tempos em que transito por onde não há lugar. Se eu te falar que a distância é uma gota d’água que vira mar quando ouve o choro da esperança, talvez você acredite no que eu não te disse. Fingi saber – sem viver – sambando um “tangomigo”.

Seis, sete, oito, nove... Quatro... Quase zero... Descubro o preço, mas não tenho pra pagar. O mesmo efeito: ver Paris chegando perto e perceber que o Mojave mora lá. De que adianta sentir o que eu senti na hora se volto sempre a sentir o que sempre sem ti? Mas um dia aprendo: o bastante nunca é o que basta e que o gesso, em pedaços, faz de mim concreto.

Por que você atravessou o meu vazio e mudou os rumos de uma vida que não tinha rumo ainda? Hoje eu morri. O que me vem depois da morte, então?

(Colo de mãe e sonhos pra colar).

- Engavetei a solução que só existe por não ser. Valeu a pena? Amanheceu...

Dói vezenquando...

sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu deus como você me doía vezenquando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando olhando e pensando meu deus ah meu deus como você me dói vezenquando

(Harriett, Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 29 de julho de 2008

Da série: Grandes perguntas da humanidade.

- E quando temos medo de perder algo que nunca sequer chegou de fato a ser nosso?

Do fundo do baú...

O seu sol se pôs
Depois que o meu corpo trouxe a luz
E eu fiz você brilhar
Sem você notar

E nem tudo foi feito em vão
Eu me entreguei

(O Vendedor de Sol, Violins)

sábado, 26 de julho de 2008

Bilhete.

Viver não bastaria, era mais do que preciso,
O abismo: encontrar e se perder
Nas margens que separam - cemitérios clandestinos
Os destroços são relíquias pra você.

O eco do seu riso é apenas um vestígio,
Confidências que a tesoura escolheu.
Das mechas que estão guardadas, cada despedida,
Esquivar do soco não é se esconder.

Mas não tema as estrelas:
Em cada esquina há um céu ao seu lado
Disfarçado de breu e pesadelo pra encobrir as suas mãos,
Em vão...

Então não mais faria sem sentir,
Os passos traem o querer,
Mas insistir no ‘erro’ é deixar um rastro:
Vencer sem saber.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Pensamentos ao acaso.

Se eu dissesse que não certamente estaria mentindo. Por isso não digo embora, por vezes, maldiga. Ainda há pouco tudo começou na tentativa de investigar o porquê de tudo ter terminado. E isso fica ainda mais irônico justo por ser o final de algo que sequer teve um começo – mas que inegavelmente, por mais contraditório que o pareça, certamente sei que aconteceu. Intenso e vazio. Entre os extremos concretamente inconcretos venho tentando me equilibrar desde que te conheci. De quando em quando, ainda incrédulo, me pego pensando na ocasião em que tudo (não) começou. Sete chaves abertas entre uma conversa e outra em que eu não conseguia conter aquele misto de euforia e espanto ao pensar nos contornos que você passou a assumir em minha vida. Aliás, se há uma sensação por excelência que me toma por inteiro nesses momentos ainda mais do que a euforia certamente é o espanto: nunca iria ser capaz de prever que aquele dia, na verdade aquele fatídico dia, mudaria minha vida tempos mais tarde. Isso porque a consciência é sempre posterior ao ato. Daí simbologias. E amor tem a ver com todas as simbologias possíveis, imagináveis, sensíveis. Talvez por isso nesse momento esteja cético: falta algo em que se acreditar de verdade. E acreditar de verdade é entrar de cabeça sem medo num mundo de mentiras, que nada tem de mentiroso. Mentiras sinceras me interessam também.

Naquele dia dois estranhos se estranhavam pela primeira vez e de tanto se estranharem perceberam-se espantados por serem tão íntimos em seus estranhamentos. Não havia mais volta.

De alguma maneira falar sobre isso parece engraçado de tão absurdo: começos que parecem ter começado em outra vida – por mais que eu particularmente não acredite nessa idéia, embora ali isso fizesse sentido até mesmo para mim. ‘Faz tanto tempo’, eu disse e, no entanto, apenas poucas horas haviam transcorrido – o bastante, ou talvez o insuficiente que sempre nos leva a querer mais o bastante. Não havia nada de mais como sempre acontece nos dias mais importantes de nossas vidas: apenas banalidades, uma companhia, conversas, e pequenas grandes surpresas, comemoradas com muito alarde, internamente, diante de cada nova revelação. Cuidado pueril despedida difícil. Um começo? Um final? Tudo ali, no lugar, como quem encontra sem se dar conta o que há muito procurava – e quando se dá conta não o tem mais, mitifica, perde aquela pontinha de contato com o real, exagera, desfaz. A primeira impressão... A primeira impressão poucas vezes engana. Pelo menos comigo é assim, inexplicável. Simbologias (sim, elas!), sorrisos bobos estampados na face... Lembrar é como mergulhar e se afogar. Os detalhes, como o sal, ficam e fincam.

Gestos calados, silêncios falados, reconhecimentos tímidos, votos implícitos, desejos trancafiados em ostras, muros que não separam mas que marcam lugares de encontro – sobretudo em cima dele -, desencontros, gesso, confidências, dependência velada, fugas, carências, afagos, afetos disfarçados de desinteresse, pena e tinteiro noites a fio, negações, afirmações, conclusões - inconclusivas, bem que se diga -, pedras atiradas em todas as direções, prenúncios que não são levados a cabo a não ser..., palavras e gestos do que poderia – e foi mesmo sem ser – m-e-d-o, covardia, problemas, um problema: amor.

Mosaicos nos parecem difusos, confusos e a primeira vista sem sentido, mas guardam a unidade que fecha tudo sob algum prisma. E, no entanto, cotidianamente vivemos livremente presos dentro de um grande mosaico cuja percepção de seu significado, sempre alterável, maleável, transmutável, vai sendo lapidada entre atos a passos de formiga. É exatamente sobre isso que eu quis dizer com ‘não havia mais volta’: de repente já é tarde demais e você está no olho do furacão sem ao menos saber como foi parar por lá. A lentidão do tempo nos engana por sua própria velocidade. E seu mundo, nesse movimento, gira sem você saber. Pés no chão feito de céu. Pedrinha por pedrinha o mosaico vai construindo a imagem – que você faz de tudo para não ver, o que apenas comprova o que você já sabe. M-e-d-o. Situações limite: a diferença entre um beijo e um tapa é o segundo que você arrisca - até porque na prática o nada tem o mesmo peso de um tapa, ou pior. Risco. Beijo. Tapa. Muro. Em cima do muro, de mãos dadas as mãos atadas. E o fim está tão perto, embora disso você realmente não saiba... ainda. Porque é quando o mosaico se fecha que tudo termina: a certeza de nada mais adianta. Pode mergulhar agora, afinal, já retiraram a água da piscina.

A triste constatação: tudo terminou exatamente no momento em que ‘tudo começou’. A importância dos começos é correlata da dos finais: dois pontos imprecisos que fogem ao alcance das nossas mãos.

Ao mestre, com carinho.

Elogiar não é lá das tarefas mais fáceis, ainda mais quando antes se foi contemplado com um gesto de carinho: periga-se sempre cair numa daquelas situações com 'gostinho de sorriso amarelo'. Não é o que acontece nesse espaço, até porque preferi, antes de qualquer palavra, o peso dos gestos. Trata-se portanto não de um reconhecimento em si, mas, digamos, de uma confirmação deste reconhecimento que começou com o compartilhamento: aos amigos mais próximos, explicando em sigilo o contexto, eu lhes oferecia palavras que me traziam a salvação – porque esta é sempre um ato muito mais simples do que se costuma esperar dela. Sim, porque a grande importância das palavras é justamente de se encontrar, de fazer não se perceber só. E naquele espaço - na verdade ‘naqueles espaços’, considerando que nosso contato foi um prolongamento de um reconhecimento anterior – havia muito mais do que simples palavras e textos formatados: por trás de tudo havia uma pessoa. Não apenas uma pessoa, eu diria, mas na verdade uma grande pessoa que, olhe a ironia, buscando o exercício da salvação sem se dar conta salvava àqueles que sequer tinha conhecimento de que existiam. Portanto sua maestria consistia - e ainda consiste - não em estar acima, mas ao lado. Dramas cotidianos, palavras certeiras, humor, sarcasmo, amor. Um daqueles espaços em que mais primordial do que passar a acompanhar é voltar nos arquivos e entender – porque com isso é quase como, de fora, conseguir se entender também. Não por acaso quis ter algum acesso ao homem por trás dos indícios e, para minha grata surpresa, percebi que eu não havia me enganado: uma pessoa extremamente fascinante. Depois de distintas encarnações e alterações nos seus propósitos, a complexidade aumentou ainda mais quando tive acesso a outras de suas facetas. Diria eu daqui que é provavelmente um dos últimos românticos do jornalismo, tal a consciência da profissão que carrega em si mesmo para além de qualquer corporativismo barato. Não bastasse isso tudo, volto ao começo real: um resenhista de mão cheia, como poucos que li até hoje, que se não for pedir bastante, poderia voltar a nos agraciar com uma ou outra crítica daquelas de encher os olhos, imaginar e querer correr atrás.

Se este espaço hoje existe, se eu nos momentos difíceis encontrei algum alento para seguir, podem ter certeza de que isso se deve a existência de http://eueopop.wordpress.com/ e mais do que isso: se deve a existência do meu ‘queridão lá de São Paulo’ – como o costumo chamar 'nos corredores', entre amigos – José Franco Jr., a quem agradeço a atenção e o carinho de sempre. Mais uma vez, agora publicamente, o meu muito obrigado!

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Sobre pares e pares...

É no primeiro olhar: o holofote circunscreve, restringe. Você tenta de toda forma disfarçar pois se chamar atenção sabe alguém ao seu redor pode perceber. Nessas circunstâncias todo cuidado é pouco. Como quem não quer nada você observa detalhe por detalhe daquela beleza que de tão rara teima em ofuscar os demais. Nem sempre é exatamente uma paixão a primeira vista, por certo, mas a verdade é que a estranheza fascina, entranha, toma conta. Diante disso não resta outra alternativa: estabelecer um primeiro contato, ainda bastante tímido. ‘Parece o meu número exato’, você pensa se vangloriando em ter a chance de desfrutar daquele modelo único. E quando percebe ele já te acompanha para todos os lugares, passo a passo. Naquele primeiro momento você até constata estar errada: ‘realmente a beleza inicial engana’. Às vezes um pouco mais largo, às vezes mais apertado, mas nunca o mesmo número. Nada mais natural, portanto, do que haver um certo desconforto daquele tipo ao qual toda descoberta nos remete. Chamam isso de fase de adaptação: é preciso aprender a ceder um pouco, lacear. Mesmo quando está sem ele aos seus pés de alguma maneira você dá um jeitinho de traze-lo para junto de si. E essa paixão, ardente, muitas vezes desperta olhares invejosos, cobiça alheia, afinal, ‘a felicidade sempre ofende’ como já frisou com sabedoria um grande compositor brasileiro. Você não liga, ou pelo menos finge não ligar, não demonstrar. É claro que você liga! Nesse vai e vem se dá conta de que não consegue mais viver sem ele, afinal, que vocês formam um grande par! ‘Batman e Robin’, ‘arroz com feijão’, ‘bife com chuchu’ sempre são lembrados por vocês quando a brincadeira começa! ‘Quem me vê sorrindo na fila do pão sabe que eu te encontrei! E como sabe’, envaidecida você cantarola para si mesma... Dá para ver no rosto a diferença, ainda que você negue ou resista a admitir por pura marra.

A fase dos calos passa, o tempo se cristaliza. Há um conforto que por vezes beira o comodismo. Conforto ou comodismo? Isso de alguma maneira começa a tomar conta de seus pensamentos, afinal, mais do que ninguém você acredita que o estar tudo muito bem é prenuncio de algo catastrófico. Aquela beleza, aquele entusiasmo inicial já começam a ficar pelo caminho: se antes aquele cuidado primeiro beirava o sufocante, hoje é o contrário, ou seja, parece haver certo descaso, um desgaste. Brasa, apenas. Se antes havia os calos que machucavam mas, paradoxalmente lhe davam aquele imenso prazer quase masoquista de estoura-los, o agora tem tom de desbotamento: as cores começam a se esconder. Ainda assim vocês insistem em continuar juntos, embora a balança comece a pender. Vocês escondem, não querem se ferir mutuamente, se enganam tentando disfarçar que as coisas já não são mais as mesmas. A rotina colocou pregas no entusiasmo. E a beleza? Ela está lá, mas ora vocês a encontram, ora relembram os primeiros momentos e não conseguem se dar conta de que é preciso a cada instante usar novas tintas para reconstruir os seus conceitos. O ‘para sempre’ do primeiro dia começa a entrar em contagem regressiva rumo ao 'para nunca', ainda mais quando você se percebe fascinada por outros modelos ao seu redor. Se antes ofuscava, agora que conhecido integralmente, com todos os seus prós e contras, ele está ofuscado novamente pelo sabor do desconhecido, do novo, das cores, da perfeição. Ele se sente descartável. A freqüência diminui: vocês se vêem cada vez menos e menos. O fim é iminente, a nostalgia pede passagem. Beleza, conforto, comodismo: são tantas variáveis a serem investigadas, colocadas em questão. ‘O que eu quero?’, confusa, você se indaga. Não quer dizer adeus, não sabe dizer adeus, mas precisa e mais do que isso quer e deseja com toda força sentir tudo de novo, o sentimento que não existe mais entre vocês. ‘Adeus’, você fala sem sequer ter coragem de olhar para frente porque no fundo tem a certeza de que dói usar essa palavra não por ter dado errado, mas ao contrário disso, exatamente por ter dado certo demais. É essa a consciência que lhe machuca mais. Mas você reconhece que é preciso andar em frente e guardar o gostinho doce do mito que você acabou de criar sem saber. Fotos, pensamentos, lágrimas e risos só mostram que um amor como esses não acaba jamais, como você acreditou um dia.

Viver é uma soma de recomeços, com todas as dificuldades e prazeres de cada inicio e final – sem final. E apesar disso, aos 22 anos até hoje eu ainda não aprendi a escolher meus tênis e meus amores. É por isso que tenho a certeza de que estou no caminho certo.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Cá, Fancy Claps, Lá... (2)

Em tempo: não precisa me colocar contra a parede. Sim, suas suspeitas estavam certas: você sabe quem é você.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

A solução é um problema.

Sempre existe um não-dito que dá sentido ao que foi dito. Entre os dois a mente confabula, se despe, se perde, insinua e se entrega. Enquanto isso a 'verdade' - ou melhor, 'o verdadeiro' - fica oscilando. Bem vindos ao terreninho acidentado - e põe acidentado nisso - da linguagem. Apenas símbolos que se referem a outros símbolos e não chegam a lugar algum.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Tim-tim.

Não é de hoje que eu quero lhe dizer que não sou feito de bits, bytes, muito menos da mesma matéria de que são feitos os sonhos – que, diferente de mim, não tem matéria alguma, pelo menos fisicamente falando. Seria bobagem negar que tenho uma também uma parte intangível, inacessível, inclusive a mim mesmo. E olha que não estou falando do meu inconsciente. O que eu fiz durante todo esse tempo? Você mais do que ninguém sabe a resposta, ainda que por capricho ou vaidade se faça de desentendida. Mas eu, como sou bonzinho – todo mundo que não me conhece me acha bonzinho e os que me conhecem acreditam mais ainda – eu vou te lembrar: eu quis tocar o intangível. Porém para tocar o intangível não basta um coração. Foi por isso que chamei você, para me ajudar a acreditar em todas aquelas histórias e baboseiras inacreditáveis que só existem, que só resistem quando dois corações batem ao mesmo tempo – ainda que em ritmos totalmente descompassados, difusos, loucos, lunáticos e diferentes. ‘Para se tocar o intangível é preciso se ter mãos’, você me disse logo quando te conheci. Lembro perfeitamente desse momento porque ali eu tinha feito as pazes com algo que há muito estava separado de mim e que se chama fé. Isso mesmo, essas duas letrinhas que nos lançam para dentro do abismo, de cabeça, e ainda por cima nos faz sentir o prazer da queda. A gravidade da fé puxa e amortiza a gravidade de Newton. Oras, eu estou falando das nuvens. E não: essa fé em nada tem a ver com seres míticos, deuses, idéias, códigos. Nada disso: tem a ver com carne. Isso mesmo, como esta que reveste o seu corpo, que o meu corpo, igualmente feito de carne, desejava avidamente. Muitos acham que a fé deve sempre ter a ver com aquilo que não se pode enxergar, mas eu te disse que isso é pura balela: fé tem a ver com o que não se pode prever. Porque eu podia te tocar – e até te toquei algumas vezes, ou pelo menos achei que havia te tocado – mas jamais pude te prever. E não podendo, eu me limitava a aceitar. Paz? Não, fé infelizmente não tem a ver com paz, mas com o caos. Convenhamos: se o mundo fosse regido pela paz, a fé não faria sentido, não é mesmo? E eu, quase ateu, cheio de fé, peguei na sua mão como quem procura não a salvação e sim a perdição - ou talvez seria mais apropriado dizer 'a salvação que existe por trás de toda perdição'. Lembro disso. Aliás, maldita memória que não me deixa escapar sequer uma faísca. E é por conta disso que a todo momento as suas palavras não pararam de pulular na minha cabeça, como aqueles sinos das antigas catedrais que de minuto em minuto insistiam em me dizer que eu estava vivo. E é aqui que eu volto ao começo, rebobino a fita – porque no meu tempo era preciso retroceder para recomeçar – e me pergunto: eu realmente estive vivo? Porque olho para meus braços e não os vejo; olho para minhas pernas e também não encontro nada. Não me sinto. Sou apenas sinais e letras numa folha, que na verdade nem uma folha é. Sou um cursor. Um cursor sem carne, com histórias, mas sem história. Cego, surdo, mudo. Um simples cursor e você sabe que cursores não têm sangue e muito menos uma bombinha que espalha esperança para as células, em formato de oxigênio. Um cursor que procura um corpo, que procura um criador, que procura um coração, que procura o outro coração, que clama e reclama o intangível e que nesse percurso encontra apenas justificativas, ou seja: nada. Sinais sem vida. Um algoritmo de mim mesmo sem mim, eterno, desprovido de efemeridade. Rastros, apenas, nada mais do que isso. E olha que no início eu achei que tinha vida... Que surpresa, não é mesmo? Eu piso na certeza e encontro a dúvida. Tateando a dúvida, revejo a certeza. Nem tudo que reluz é 'outro'. Sou um cursor, por exemplo. Destilo algo que aparenta ser intangível, mas você bem sabe que não o é. Faltam-me mãos para tocar no intangível. Não só as que não tenho, mas as que não tens. E um dia eu ainda pensei que uma navalha bastaria para mostrar que existe sangue escorrendo em minhas veias. Hoje, mais contido, percebo que navalha é uma palavra e sangue apenas uma idéia, bonita e perfeita como qualquer idéia que te prende a uma verdade. E eu, bobo, duvidei, neguei, evitei mas desde o início tinhas toda a razão: não sou capaz de sentir absolutamente nada. Nem você. Tim-tim!

Rabisco.

Aquele primeiro rabisco apenas insinuava. Não tinha nenhuma idéia de onde isso iria dar. Se em nenhum momento eu disse ‘o primeiro traço’, é porque não havia um ponto de partida e por isso tampouco um de chegada. O traço liga enquanto meu simples rabisco se perde num oceano de possibilidades. Parei e examinei cuidadosamente aquele rabisco que, de alguma forma sutil me agradou. Adianto desde já que também não sou desenhista, não tenho a mínima vocação para isso. Sou completamente desprovido de algum tipo mínimo do que costumam chamar de ‘senso estético’. Por exemplo, se falo, ‘olha que desenho bonito’, alguém mais entendido no assunto logo me olha com a superioridade de quem se acha no direto de poder reprovar. Imagina só o que um entendido diria daquele meu humilde rabisco? Certamente daria risada, não levaria a sério, ‘coisa de amador’. Sim, amador, um amador que com a ingenuidade do seu amor, sem saber, segue com sua falta de senso estético para além da técnica profissional de ‘bater ponto’, daqueles que supostamente se orgulham de saber prever o espaço – e que, portanto, acabam se tornando reféns do mesmo.

Olhei meu rabisco de novo. Ele também me olhou. Estávamos frente a frente nos descobrindo. Mesmo sem ter boca – e não, ele não tinha olhos, pelo menos isso a que costumamos chamar de olhos, embora eu tivesse a nítida impressão de que me encarava – ele queria me dizer alguma coisa. Um caminho, uma verdade, uma saudade, um vestígio? Tudo isso? Dúvida. Duvido... Aquela voz presa dentro do meu caderno soava como uma canção que fica martelando dentro de nossa cabeça, mas cujo nome e a autoria não nos vêm à memória. Seria culpa da censura do nosso inconsciente? Assim tudo fica muito fácil de se explicar: basta se negar a explicar. Desculpas são saídas muito simples, vocês não acham? O problema é que a canção se mantém presa dentro de mim, quer dizer, a voz do meu rabisco não conseguia sair de sua boca, que como eu disse, ele não tinha. Restou-me então apenas uma alternativa. Na verdade com certeza haveria outras, mas naquele momento foi essa a que me pareceu mais sensata: continuar rabiscando. Foi quando o jogo se inverteu: a boca que não existia se fechou, o encanto se perdeu. A busca de uma forma se transformou em 'senso estético'. Talvez o passo em falso tenha me levado a um arroubo de genialidade, como os entendidos volta e meia gostam de encontrar. Em compensação aquela sedução primeira se foi. Perdi o fio da meada quando este parecia estar tão perto de atingir alguma coisa. Um detalhezinho, um movimento e tudo parecia estar desfeito. Em vez de deixar o rabisco me mostrar o que ele queria dizer, quis extrair dele algo que eu queria ouvir. Esse foi meu erro.

Amassei a folha de caderno como quem dá adeus a uma promessa. Mas quando estava prestes a arremessá-lo no lixo, sem querer, aquele papel amassado enganchou na espiral de aço do meu caderno, fazendo um pequeno rasgo em sua superfície. O suficiente para ouvir o seu pranto. Agora eu percebia que ele tinha textura, relevo e mais do que isso: uma certa imperfeição que conseguiu se opor à sede de certezas que minhas mãos, naquele segundo momento, queriam bruscamente extrair de sua incipiência. Velha pressa desesperada que anda em círculos e encontra a si mesma... Em suas lacunas, que eu acabava de descobrir, eu podia enxergar as minhas próprias. E quando, em pé, eu levantei aquela folha na altura dos meus olhos, já satisfeito com o resultado, foi que eu me dei conta de tudo o que ele queria tanto me falar: dentro de sua boca, agora existente, naquele exato vazio, um pequeno verso escrito na parede do meu quarto apontou para um rabisco maior existente dentro de mim. O singelo rabisco tinha sede apenas de me dizer 'rabisco'. Nada mais. Como já lhes disse, um rabisco, não um traço: não importa o sentido e sequer a direção. O que vejo são suas pegadas por onde caminho.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Trilha sonora...

Cena final. Os primeiros acordes começam. O piano é conduzido enquanto uma guitarra levemente distorcida aumenta a tensão. O filme termina. A história começa. Xilofones...

Depois desse primeiro momento, olhar para trás, perceber o impacto do que acabou de terminar (ou de começar) é extremamente extenuante. Ainda sentado numa das poltronas daquele velho cinema do ‘dia-a-dia’, algumas cenas ainda insistem em ficar martelando dentro da cabeça. O exercício de organiza-las é sempre um vir a ser que não se conclui jamais por completo: parece que retiraram da edição final momentos preciosos que explicariam melhor a trama. Completar essas lacunas não é portanto tarefa das mais simples. Encontrar as trilhas sonoras mais improváveis, os caminhos obscuros, as locações ausentes, os atores mais imperfeitos, a iluminação inadequada, os silêncios imprecisos.

- Será que aqui se encaixaria melhor uma lágrima ou um sorriso? Porque o sorriso de hoje será a lágrima do amanhã e na condição de roteirista eu não saberia dizer o que é mais justo de se mostrar. Escolher é ocultar, cortar, percorrer apenas um caminho.

- Onde começa a história? Onde termina? De que maneira isso acontece? Será que ela realmente termina em algum momento? Como fazer com que isso não soe clichê? Ou talvez, como usar os clichês de maneira que tudo pareça autêntico? Porque as situações da vida são sempre passíveis de se encaixarem em algumas fôrmas.

E quando parece que finalmente você consegue alcançar o ponto, construir uma obra-prima, de repente, vem o presente e te desmente.

- Não foi bem assim...

E então eu me pergunto: Afinal de contas, onde eu vivo? Na ‘realidade ficcionalizada’ ou na ‘ficção da realidade’? Pena que dicotomias são sempre insuficientes para nos localizarmos... Mas isso realmente importa? Sim e não.

Enquanto isso as histórias se entrecruzam indefinidamente, com novos velhos personagens criando mais lacunas para explicar as antigas. Buracos tapando buracos. Ou seja: soluções. Provisórias, mas ainda soluções. E em cada segundo um novo final começa, enquanto um novo começo termina. Ensaio contínuo. Mais créditos e descréditos. Lágrimas de sorriso, sorrisos de lágrima embalados pela trilha sonora do momento.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

O que é, o que é...

...uma linha entre dois abismos?

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Biscoitinho da sorte. Ou não.

O que consideramos verdadeiro devemos dizê-lo e dizê-lo corajosamente. Gostaria de descobrir, mesmo se me custasse caro, uma verdade que chocasse todo o gênero humano. Eu a diria à queima-roupa.

(Emil Cioran)

terça-feira, 8 de julho de 2008

(In)Certezas.

Só tem convicções aquele que não aprofundou nada.

(Emil Cioran)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Aquecimento.

São tantas perguntas que atropelam minha vontade de raciocinar.
Não quero dar explicação.

(Não Quero Dar Explicação, Nervoso e os Calmantes)

Genialidade.

- Você não tem valores. A sua vida é cinismo, niilismo, sarcasmo e orgasmo.
- Na França eu seria eleito com esse slogan.

(Desconstruindo Harry, Woody Allen)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Continuando a saga...

I

Foi numa dessas manhãs sem sol que percebi o quanto já estava dentro do que não suspeitava. E a tal ponto que tive a certeza súbita que não conseguiria mais sair. Não sabia até que ponto isso seria bom ou mau — mas de qualquer forma não conseguia definir o que se fez quando comecei a perceber as lembranças espatifadas pelo quarto. Não que houvesse fotografias ou qualquer coisa de muito concreto — certamente havia o concreto em algumas roupas, uma escova de dentes, alguns discos, um livro: as miudezas se amontoavam pelos cantos. Mas o que marcava e pesava mais era o intangível.

Lembro que naquela manhã abri os olhos de repente para um teto claro e minha mão tocou um espaço vazio a meu lado sobre a cama, e não encontrando procurou um cigarro no maço sobre a mesa e virou o despertador de frente para a parede e depois buscou um fósforo e uma chama e fumei fumei fumei: os olhos fixos naquele teto claro. Chovia e os jornais alardeavam enchentes. Os carros eram carregados pelas águas, os ônibus caíam das pontes e nas praias o mar explodia alto respingando pessoas amedrontadas. A minha mão direita conduzia espaçadamente um cigarro até minha boca: minha boca sugava uma fumaça áspera para dentro dos pulmões escurecidos: meus pulmões escurecidos lançavam pela boca e pelas narinas um fio de fumaça em direção ao teto claro onde meus olhos permaneciam fixos. E minha mão esquerda tocava uma ausência sobre a cama.

Tudo isso me perturbava porque eu pensara até então que, de certa forma, toda minha evolução conduzira lentamente a uma espécie de não-precisar-de-ninguém. Até então aceitara todas as ausências e dizia muitas vezes para os outros que me sentia um pouco como um álbum de retratos. Carregava centenas de fotografias amarelecidas em páginas que folheava detidamente durante a insônia e dentro dos ônibus olhando pelas janelas e nos elevadores de edifícios altos e em todos os lugares onde de repente ficava sozinho comigo mesmo. Virava as páginas lentamente, há muito tempo antes, e não me surpreendia nem me atemorizava pensar que muito tempo depois estaria da mesma forma de mãos dadas com um outro eu amortecido — da mesma forma — revendo antigas fotografias. Mas o que me doía, agora, era um passado próximo.

Não conseguia compreender como conseguira penetrar naquilo sem ter consciência e sem o menor policiamento: eu, que confiava nos meus processos, e que dizia sempre saber de tudo quanto fazia ou dizia. A vida era lenta e eu podia comandá-la. Essa crença fácil tinha me alimentado até o momento em que, deitado ali, no meio da manhã sem sol, olhos fixos no teto claro, suportava um cigarro na mão direita e uma ausência na mão esquerda. Seria sem sentido chorar, então chorei enquanto a chuva caía porque estava tão sozinho que o melhor a ser feito era qualquer coisa sem sentido. Durante algum tempo fiz coisas antigas como chorar e sentir saudade da maneira mais humana possível: fiz coisas antigas e humanas como se elas me solucionassem. Não solucionaram. Então fui penetrando de leve numa região esverdeada em direção a qualquer coisa como uma lembrança depois da qual não haveria depois. Era talvez uma coisa tão antiga e tão humana quanto qualquer outra, mas não tentei defini-la. Deixei que o verde se espalhasse e os olhos quase fechados e os ouvidos separassem do som dos pingos da chuva batendo sobre os telhados de zinco uma voz que crescia numa história contada devagar como se eu ainda fosse menino e ainda houvesse tias solteironas pelos corredores contando histórias em dias de chuva e sonhos fritos em açúcar e canela e manteiga.

(Iniciação, Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Desculpas.

Só agora acabo de me dar conta do equivoco que cometi. Não o fiz de propósito, Renata. Aconteceu, na verdade, porque eu fui colar o trecho do Nietzche para manter o diálogo e na hora deu um problema que eu tive que digitar tudo de novo. Ai inconscientemente eu absorvi o 'então' que eu quis tanto enfatizar, ao seu 'nome'. Resultado: confusão. Resta-me aqui apenas pedir seu perdão.