sábado, 30 de janeiro de 2010

Desconstruindo Guilherme.

Cenas para os próximos capítulos.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Sono.

De repente, como se um destino médico me houvesse operado de uma cegueira antiga com grandes resultados súbitos, ergo a cabeça, da minha vida anônima, para o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido, é uma espécie de engano e de loucura. Maravilho-me do que consegui não ver. Estranho quanto fui e que vejo que afinal não sou.

Olho, como numa extensão ao sol que rompe nuvens, a minha vida passada; e noto, com um pasmo metafísico, como todos os meus gestos mais certos, as minhas idéias mais claras, e os meus propósitos mais lógicos, não foram, afinal, mais que bebedeira nata, loucura natural, grande desconhecimento. Nem sequer representei. Representaram-me. Fui, não o ator, mas os gestos dele.

Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, por que agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu.

Vem-me, então, um terror sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a de quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto, por um terremoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara.

Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê.

É tão difícil descrever o que se sente quando se sente que realmente se existe, e que a alma é uma entidade real, que não sei quais são as palavras humanas com que possa defini-lo. Não sei se estou com febre, como sinto, se deixei de ter a febre de ser dormidor da vida. Sim, repito, sou como um viajante que de repente se encontre numa vila estranha sem saber como ali chegou; e ocorrem-me esses casos dos que perdem a memória, e são outros durante muito tempo. Fui outro durante muito tempo – desde a nascença e a consciência –, e acordo agora no meio da ponte, debruçado sobre o rio, e sabendo que existo mais firmemente do que fui até aqui. Mas a cidade é-me incógnita, as ruas novas, e o mal sem cura. Espero, pois, debruçado sobre a ponte, que me passe a verdade, e eu me restabeleça nulo e fictício, inteligente e natural.

Foi um momento, e já passou. Já vejo os móveis que me cercam, os desenhos do papel velho das paredes, o sol pelas vidraças poeirentas. Vi a verdade um momento. Fui um momento, com consciência, o que os grandes homens são com a vida. Recordo-lhes os atos e as palavras, e não sei se não foram também tentados vencedoramente pelo Demônio da Realidade. Não saber de si é viver. Saber mal de si é pensar. Saber de si, de repente, como neste momento lustral, é ter subitamente a noção da mônada íntima, da palavra mágica da alma. Mas essa luz súbita cresta tudo, consume tudo. Deixa-nos nus até de nós.

Foi só um momento, e vi-me. Depois já não sei sequer dizer o que fui. E, por fim, tenho sono, porque, não sei porquê, acho que o sentido é dormir.

(O Livro do Desassossego, Bernardo Soares)

Absurdo.

Tornarmo-nos esfinges, ainda que falsas, até chegarmos ao ponto de já não sabermos quem somos. Porque, de resto, nós o que somos é esfinges falsas e não sabemos o que somos realmente. O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios. O absurdo é o divino.

Estabelecer teorias, pensando-as paciente e honestamente, só para depois agirmos contra elas — agirmos e justificar as nossas ações com teorias que as condenam. Talhar um caminho na vida, e em seguida agir contrariamente a seguir por esse caminho. Ter todos os gestos e todas as atitudes de qualquer coisa que nem somos, nem pretendemos ser, nem pretendemos ser tomadas como sendo.

Comprar livros para não os ler; ir a concertos nem para ouvir a música nem para ver quem lá está; dar longos passeios por estar farto de andar e ir passar dias no campo só porque o campo nos aborrece.

(O Livro do Desassossego, Bernardo Soares)

Da vaidade.

As pessoas se sensibilizam com a morte da jornalista Lanusse Martins, mas, por outro lado, não questionam a falta de necessidade da própria cirurgia a que ela se submeteu. Ah, a vaidade...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Da sabedoria.

Só tem medo da morte aquele que não viveu.

Is Love Simple?

Don't be afraid
You're already dead

(Love Is Simple, Akron/Family)

Musas. (14)

Ser.

Chega a ser contraditório o ser humano se orgulhar imensamenente justamente daquilo que lhe faz mais mal. Depois ainda dizem que são racionais.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Poisé.

Tristeza não tem fim. Felicidade sim.

Parabéns!

Quanta felicidade saber que muito em breve teremos dois comunicólogos a menos no mundo! Porque não vale a pena desperdiçar talento mesmo com essa área! Parabéns Fred e Desireê! U-hu!

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Vida.

Estado permanente de medo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Script.

Duas amigas veem um jovem casal se beijando. Uma delas comenta internamente:

- Que meigo!

A outra, por sua vez, resolve iniciar o diálogo com o casal:

- Vocês parecem tão felizes!
- É só fingimento... – provoca o rapaz, brincando.
- Aproveitem enquanto dura porque não dura muito tempo.
- Como?
- Vocês acham que é para sempre, mas não é. Logo começam a irritar um ao outro, já não conversam com o outro como antes, afinal, para quê? Você acha que te entendem mas o fato é que nunca entenderam.

A amiga tenta intervir, em vão:

- Ruth?
- Aí não só você não diz mais nada de verdadeiro como começa a mentir descaradamente. E quando você pensa que nada pode piorar, ele morre.

Os jovens tentam se desvencilhar de Ruth:

- Acho que a fila ali está menor – justifica o rapaz.
- Tchau – despede-se, a moça.

Mas...

- Não importa o que fizerem, ficarão sozinhos, sem saber quem são ou o que querem.

(O pé, A Sete Palmos)

Das profissões.

- Mãe, acho que descobri o que eu quero ser nessa vida.
- O que, meu filho?
- Carteiro.
- Carteiro?
- É. Eu não me formei em Comunicação? Então. Acho que estou mais do que habilitado para exercer essa função.

O coraçãozinho (não) sobreviverá.

- Quero dilacerar seu coraçãozinho.

U-hu!

Pra que tanta indecisão?
U-hu!

(Escolher pra quê?, Cidadão Instigado)

Da dubiedade.

'Não sou legal. Tô te dando mole'.

Será?

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A Solução.

Seria o Norte?

Musas. (13)

Das lições. (2)

- Cara, nunca dê seu coração para ninguém.
- Não, eu não dou.
- Você tá louco? O meu coração eu não dou para nenhum homem. Tsc, tsc. Posso dar o meu fígado, mas o meu coração eu guardo no máximo para minha mãe.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Do anti-amor.

- Porque quando penso em você eu lembro de mim.

Musas. (12)

Des-conhecer.

Todo conhecimento é também uma forma de desconhecimento.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Catastrofologia.

O mais legal das catástrofes é a premeditada falta de premeditação com a qual elas se iniciam.

Convênio.

A linguagem interna era cada vez menos familiar a Chloe, ou melhor, ela fingia esquecê-la, para não admitir negação. Recusava a cumplicidade na linguagem, fazia o papel de estrangeira, começava a me ver contra a luz, e achava erros. Eu não conseguia entender por que as coisas que eu estava dizendo e que no passado haviam sido tão atraentes, eram agora subitamente tão irritantes. Eu não conseguia entender por que, eu não tendo mudando, deveria agora ser acusado de ser ofensivo de cem formas diferentes. Entrando em pânico, embarquei numa tentativa de retornar à época de ouro, perguntando a mim mesmo, “o que eu estava fazendo então que talvez não faça agora?”. Tornei-me um conformista desesperado com relação a um eu passado que havia sido o objeto de amor. O que eu não havia conseguido perceber era que o eu passado era o que agora se mostrava tão irritante, e que eu portanto não estava fazendo nada senão acelerando o processo de dissolução.

***

Eu me tornei irritante, alguém que transcendeu a preocupação pela reciprocidade. Em comprava livros pra ela, levava os casacos dela para lavar a seco, pagava os jantares, sugeria que fizéssemos uma viagem a Paris no natal para comemorarmos nosso aniversário. Mas a humilhação podia ser o único resultado de amar contra todas as evidências. Ela podia ficar de cara amarrada, gritar comigo, me ignorar, me irritar, me tapear, me bater, me chutar e eu, mesmo assim, não reagia – e por isso ficava mais irritante.

***

Ao final de uma refeição que eu havia passado duas horas preparando (em grande parte envolvido por uma discussão sobre a história dos Bálcãs), peguei as mãos de Chloe e disse a ela:

- Eu só queria dizer, e sei que parece sentimental, que por mais que briguemos e tudo o mais, eu ainda gosto de você de verdade, e quero que as coisas dêem certo entre nós. Você significa tudo para mim, você sabe disso.

Chloe (que sempre lera mais livros de psicanálise do que romances) olhou para mim com suspeitas e replicou:

- Escute, é gentil da sua parte dizer isso, mas isso me preocupa; você precisa parar de me transformar em seu ego ideal.

***

As coisas haviam se reduzido a um cenário tragicômico: de um lado, o homem identificando a mulher como um anjo, do outro, o anjo identificando o amor como algo quase patológico.

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

Fases do amor.

O mais engraçado da minha vida é que eu já vivenciei todas as fases de um relacionamento amoroso sem sequer ter vivido um. E não estou falando aqui em imaginação.

Outra de amor... (3)

Um dos maiores defeitos do amor é que, pelo menos por algum tempo, ele corre o risco de nos tornar felizes.

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

sábado, 16 de janeiro de 2010

Das contradições.

A indiferença raramente é indiferente.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Teatro.

Roteiro - "Where I'm Anymore" ou "Não Fosse o Bom Humor...".

Personagens:

Renata
Baratas
Clarice Lispector
Falta de Noção
Hipocrisia
Medo
Silêncio

Locação:

Sanatório

Cena 1 – “A porta da rua” ou “Educação custa caro”.

Toc Toc:

Renata: Oi, tudo bem?
Guilherme: Tudo, e você?
R: Eu estou bem! Gostei da sua casa, sabia? Tem tanta coisa bacana por aqui... Posso vir te visitar vezenquando?
G: Poxa vida, claro. Fique a vontade!
R: Nossa, como você é uma pessoa gentil!
G: Obrigado! Você também me parece ser muito legal!

(...)

Cena 2 – “Malas” ou “Presente de Grego”.

R: Sabia que eu estou completamente apaixonada por você?

Cena 3 – “O Telefone Imaginário” ou “Tum-Tum-Tum-Tan-Tan”.

R: Por que você não atende meus telefonemas?
G: Talvez seja porque eu não use telefone.


Cena 4 – “A Bandeira” ou “Mamãe Postiça”.

R: Pois fique sabendo que você é um escroto! Quando é que você vai parar com isso?
G: Como? Com isso o que?
R: Você sabe muito bem.
G: Ahn?
R: Você não percebe o quanto é egoísta! Faz tudo errado o tempo todo e vive me machucando.
G: O que?
R: Seu dissimulado!

Cena 5 – “Nonada” ou “Nua”.

R:
(Sentindo).

Cena 6 – “As Baratas” ou “A Lixeira”.

R: Cala sua boca! Para de jogar entulho no meu quintal! Você quer que eu te expulse da minha casa, seu moleque?

Cena 7 – “A Porta da Rua (Epílogo)” ou “Kafka”.

R: Eu já me cansei. Não agüento mais! Ponha-se para fora agora junto com as suas coisas. Você tem quinze minutos para desocupar o quarto de hóspedes. Antes disso assine aqui o papel da transferência da escritura para o meu nome, seu grosso! E não se esqueça de sair pelos fundos!

Observação: Qualquer semelhança entre os personagens desta peça de teatro e pessoas reais (ou realmente fictícias) não passa de mera coincidência.

Outra de amor... (2)

Descartes revisitado.

Amo-te, logo ofendo-te.

Faz (muito) sentido.

Ser amado por alguém é perceber o quanto eles partilham das mesmas necessidades dependentes da resolução do que nos atraiu a eles em primeiro lugar. Não amaríamos se não houvesse carência dentro de nós, mas por paradoxo, somos ofendidos por uma carência semelhante no outro. Esperando encontrar a resposta, descobrimos apenas a duplicata de nosso próprio problema. Percebemos o quanto eles também necessitam descobrir um ídolo, vemos que o Amro não foge à nossa sensação indefesa, e somos, portanto, forçados a desistir da passividade infantil de nos escondermos por trás de uma admiração e veneração divinas para assumir a responsabilidade de carregar e ser carregado.

Albert Camus sugeriu que nos apaixonamos pelas pessoas porque, do lado de fora, elas parecem tão inteiras, inteiras tanto no físico quando coesas nas emoções, quando subjetivamente nos sentimos tão dispersos e confusos. Por falta de uma narrativa coerente, uma personalidade estável, uma direção fixa, uma unidade temática, alucinamos essas qualidades no outro. Não haveria algo disso em minha relação com Chloe, isto é, do lado de fora (antes do contato epidérmico) ela parecia maravilhosamente controlada, dona de um caráter distinto e contínuo, ao passo que após o coito eu a via como vulnerável, prestes a entrar em colapso, dispersada, necessitada? Não era um caso de um eu nietzschiano, a mera soma de suas ações, ligadas e sexualmente atraídas pela idéia do eu essencial do Bispo Butler? Daí o eco da famosa frase “don’t fall aparto on me (tonight)” (“não desabe sobre mim (esta noite)”) de Bob Dylan depois que as lágrimas rolaram.

Existe uma longa e sombria tradição do pensamento ocidental que afirma que o amor pode, em última instância, apenas ser considerado um exercício marxista irrecíproco e admirador, em que o desejo luta com a impossibilidade de ver algum dia seu amor ser retribuído. Segundo essa visão, o amor é só uma direção, não um lugar, e se consome com a obtenção de seu objetivo, a posse (na cama ou em outro local) do amado. O conjunto da poesia dos trovadores provençais do século XII era baseado na demora do coito, o poeta repetindo seus pedidos a uma mulher que repetidamente declinava a oferta do homem desesperado. Quatro séculos depois, Montaigne teve a mesma idéia do que fazia o amor crescer quando declarou: “no amor, não existe nada senão um desejo frenético de que foge de nós” – uma visão compartilhada pela máxima de Anatole France: “não é costume se amar o que se tem”. Stendhal acreditava que o amor podia ser provocado apenas na base do medo de perder o amado; Denis de Rougemount argumentava, “a obstrução mais séria é a preferida, afinal de contas, É a mais adequada para intensificar a paixão; e Roland Barthes limitava o desejo a uma vontade de se ter o que era, por definição, inalcançável.

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Outra de amor...

Toda paixão envolve o triunfo da esperança sobre o autoconhecimento.

No táxi a caminho da cidade, senti uma curiosa sensação de perda, de tristeza. será que aquilo poderia realmente ser amor? Falar de amor depois de mal termos passado uma manhã juntos era se deparar com cargas de ilusão romântica e imprecisão semântica. Mas só podemos nos apaixonar sem conhecer por quem nos apaixonamos. O movimento inicial está necessariamente fundamentado na ignorância. Então, se eu chamei isso de amor em face a tantas dúvidas, tanto psicológicas quanto epistemológicas, era talvez por uma crença de que a palavra nunca pudesse ser usada de forma precisa. Como o amor não era um lugar, uma cor, ou produto químico, mas toods os três e mais, ou nenhum deles e menos, será que qualquer pessoa não poderia falar e decidir como desejase quando a coisa chegasse a esse ponto? Essa questão não ficaria além do reino acadêmico do verdadeiro e do falso? Amor ou simples obsessão? Quem, senão o tempo(que mente por si próprio), poderia possivelmente começar a contar?

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

Do Desejo.

Há algumas frases que, não sei bem por qual motivo, simplesmente entram em nossa mente e ali fixam residência. Recordo-me de um texto em que a Ana dizia, entre algumas idéias que desenvolvia, ‘talvez porque me faltem umas carnes’. O resto é história, enquanto esta pequena e aparentemente despropositada colocação se tornou memória. Como não poderia deixar de ser, se tornou memória muito provavelmente pelo mesmo motivo que ganhou materialidade no referido texto: certa contraposição. No meu caso em particular, isso talvez tenha a ver com a minha predileção pelas meninas ‘um pouquinho mais gordinhas’. É incrível porque não existe uma garota em forma que tenha o encantamento que estas tais meninas provocam em mim. Basta um olhar para sentir a diferença; uma gargalhada é a perdição. Há uma vitalidade que eu simplesmente não sou capaz de encontrar em nenhuma modelo. Mais uma vez isso, a tal da vida - nua e crua.

Saio de casa com um objetivo de adquirir um novo par de calçados. Mas antes de ir a loja, resolvo dar uma caminhada pelo shopping e quando dou por mim, a minha atenção já está do lado de fora: dentro de uma loja apenas vejo aquela expressão faceira. E realmente se tem algo que é capaz de me destruir completamente essa coisa é exatamente a beleza, afinal, ela provoca um tipo de deslocamento que me deixa completamente alheio a tudo o que está em torno do objeto revelador. E ela estava ali, diante dos meus olhos, no meio de tanta gente que é difícil explicar como eu fui capaz de captar o seu faro. Tudo bem. Terminado o instante, resolvo prosseguir até a loja de calçados em que eu havia reservado meu novo tênis. Antes de entrar, fico em frente à vitrine fingindo observar atentamente os modelos e lembro dos traumas, sobretudo aqueles gerados em meus pés por conta de uma numeração errada. Hesito em fazer a compra. Eis então a menina novamente reaparece. Não tenho escolha: hesitação interrompida.

Peço para experimentar o tênis e enquanto aguardo pelo vendedor, novamente detenho meu olhar na menina. Mais uma troca de olhares acontece – a primeira se deu quando ela entrou na loja e eu não fiz questão nenhuma de desviar. Diante de mim, um corpo sensual, contendo exatamente aquelas carnes que me faltam. Mas não apenas isso. Afinal, não bastassem as carnes no lugar e aquele rosto expressivo, havia ainda – ou seria principalmente? – os pés. Unhas pintadas de vermelho, com um anelzinho e uma tatuagem junto ao tornozelo. Número 40 que soavam como se fosse 35 tamanha a turbulência que me causavam. Por um instante cheguei a pensar que trabalhar em uma loja de calçados pudesse ser o melhor emprego do mundo. Só depois me lembrei que nem toda cliente se parece com a menina em questão – na verdade, a maioria significativa tende a ser o oposto dela.

Saí da loja. O calçado parecia apertar um pouco meus pés, mas mesmo assim levei o pacote estava em minhas mãos. Talvez por impulso. Ou apenas para tentar trazer novamente meus pensamentos à terra.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Viver.

Como posso ser mais forte do que eu?
Você acha que isso é muito natural.
Não sei se vou conseguir.

(Contando Estrelas, Cidadão Instigado)

Dos bons momentos.

Ver um amigo até então desanimado aparecer com o ânimo revigorado.

Do platonismo barato.

E foi por sentir que éramos tão certos um para o outro (ela não só completava minhas frases, ela completava minha vida), que fui incapaz de considerar a ideia de que conhecer Chloe havia sido uma simples coincidência.

(Ensaios de Amor, Alain de Botton)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Não fosse o bom humor...

Queria ter muita coragem nessas horas
Poder dizer-te coisas antes de ir embora
Me dá um desespero, um nó em minha garganta
Não expressar opiniões não adianta

Um psiquiatra cairia bem
Não fosse o bom humor, meu estômago todo iria fritar
Meu estômago todo iria fritar

Desculpa se por um acaso eu te aborreça,
Mas o pior sempre está em minha cabeça

Um psiquiatra cairia bem, não fosse o bom humor
Um psiquiatra cairia bem
Não fosse o bom humor, meu estômago todo iria fritar
Meu estômago todo iria fritar

(Não Fosse o Bom Humor, Superguidis)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Auto-ajuda indie.

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.

(Clarice Lispector)

Teu Inglês.

Ninguém é perfeito
Ninguém é perfeito
Eu quis ser
Socialista!
Socialista!
Socialista!
Funziona senza vapore
Eu vi uma ema
No Palácio da Alvorada
Um ex-skinhead falava
Da sua namorada
Como gostava
Dela ser tapada
Funziona senza vapore

(Funziona Senza Vapore, Fellini)

Das síndromes.

Guilherme e a síndrome do dedo podre.

Musas. (11)

Atualizações alheias.

Carmem Luisa .
recebeu uma mensagem anônima: Ou somos os melhores ou não somos mais necessários.

Ótimo final de tarde!
(via Caixa da Verdade)

As Raízes da Paixão...

- G.H., tá na hora da sua comidinha minha filha!
- O que tem, mamãe?
- Adivinha... Seu prato preferido! Papinha de baratinha!
- Êêêêêê!!! Adolo, mamãe!
- Hoje tá mais do que especial. Preparei com a barata da vizinha, que tava na minha cama! Eu fiz essa papinha pra me defender!

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Quando eu crescer eu quero ser...

Das receitas.

'' Jordana diz (05:17):
Basicamente tu só tem que olhar pra menina. Se ela desviar e olhar de volta, pronto. Dá um sorriso, ela vai rir também. Aí, mermão, tu tá feito.

Das constatações. (6)

- Mas você é praticamente uma lésbica que fica tentando seduzir mulheres heterossexuais...

Tabuleiro.

As peças estão nos lugares tão certos que tudo isso só pode dar muito errado mesmo. Mas quem disse que o errado não pode ser justamente o certo?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Caixa da verdade.

Nada mais nada menos do que uma prova cabal da completa fragilidade humana.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Dos Ditados.

Boa sorte, boa morte...

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ciorando (13).

Respiro por preconceito. E contemplo o espasmo das idéias, enquanto que o Vazio sorri a si mesmo... Não há mais suor no espaço, não há mais vida; a menor vulgaridade a fará reaparecer: basta um segundo de espera.

Quando se percebe existir, experimenta-se a sensação de um demente maravilhado que surpreende sua própria loucura e busca inutilmente dar-lhe um nome. O hábito embota nosso assombro de existir: somos, e vamos além, ocupamos nosso lugar no asilo dos existentes.

Conformista, vivo, tento viver, por imitação, por respeito às regras do jogo, por horror à originalidade. Resignação de autômato: simula fervor e ri disso secretamente; só submeter-se às convenções para repudiá-las às escondidas; figurar em todos os registros, mas sem residência no tempo; salvar a cara, quando seria imperioso perdê-la... Aquele que despreza tudo deve assumir um ar de dignidade perfeita, induzir ao erro os outros e até ele mesmo: cumprirá assim mais facilmente sua tarefa de falso vivente. Para que mostrar nossa ruína se podemos fingir a prosperidade? O inferno não tem boas maneiras: é a imagem exasperada de um homem franco e grosseiro, é a terra concebida sem nenhuma superstição de elegância e de civilidade.

Aceito a vida por cortesia: a revolta perpétua é de tão mau gosto como o sublime do suicídio. Aos vinte anos se rompe em impropérios contra os céus e a imundície que cobrem; depois se cansa. A pose trágica só corresponde à puberdade prolongada e ridícula; mas são necessárias mil provas para alcançar o histrionismo do desapego. Quem, emancipado de todos os princípios de costume, não dispusesse de nenhum dom de comediante, seria o arquétipo do infortúnio, o ser idealmente desgraçado. É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade...

Guardemos no fundo mais profundo de nós mesmos uma certeza superior a todas as outras: a vida não tem sentido, não pode tê-lo. Deveríamos nos matar imediatamente se uma revelação imprevista nos persuadisse do contrário. Se o ar desaparecesse, respiraríamos ainda; mas sufocaríamos no mesmo instante se nos fosse roubada a alegria da inanidade...

(Breviário de Decomposição, Emil Cioran)

"Da comoção" ou "na 'pós-hipocrisia'".

Das coisas mais constrangedoras que pode existir na vida de uma pessoa é ter sua querida vidinha privada circulando pelas intrincadas tubulações da FAMILÍA. Muitas vezes tratam-se de conexões altamente eficientes, de modo que o esgoto não acaba vazando para o membro, digamos, em questão. Mas, vocês sabem, quando o álcool entra, a verdade sai. O grande Drummond, em o Poema das Sete Faces já atentava para o potencial de comoção da ‘marvada’. E olha que a lua ainda nem estava no horizonte.

De repente, em pleno churrasco casual, o telefone da minha tia toca. Uma, duas, três vezes. Risos e caretas do lado de cá da linha apenas evidenciavam o clima ‘entusiasmado’ do outro lado. “Ah, fulana, mas você sabe o quanto eu te amo, não é? Porque, poxa, eu te amo para caramba”. Frases como essa davam o tom do nível de carência que o álcool costuma gerar no fim das festas. Nada contra. É algo divertido, ainda mais para quem, careta como eu e que não tem a mínima vocação para a coisa, se mantém sóbrio. Mas de repente o inesperado acontece:

- Guilherme, a sua tia quer falar com você.

Evidentemente fico surpreso. Pera lá, como assim? Enfim... Ressabiado, pego o telefone celular. A ligação é péssima.

- Como foi a sua virada?
- Ahn?
- É, o ano novo?
- Ah, foi tudo bem. Normal.

Aparentemente uma daquelas conversas superficiais de costume, isto é, pura função fática. De repente, sem mais nem menos, o ar da graça:

- É que eu queria te dizer uma coisa. Assim, deixa eu ver como eu vou falar.
- Ué tia. Não precisa ficar escolhendo as palavras não. Seja direta, até porque enrolação só causa mais problemas.
- Tá bom. É porque você não precisa se sentir o patinho feio, sabe? (...).

E de repente a constatação: a minha vida privada era a bola da vez pelos encanamentos da FAMÍLIA. Porém desta vez a minha reação foi tanto quanto diferente. Se antes, provavelmente, eu ficaria completamente inibido e fugiria da raia, apenas tratei de dar uma cordinha. Talvez por culpa da ‘pós-hipocrisia’, mas decidi apenas ‘ligar o foda-se’. Minha mãe pediu o telefone uma, duas, três vezes, mas a curiosidade em saber o que vazava a meu respeito no interior das tubulações, acabou sendo maior. Terminado o momento, passei o celular para minha mãe.

Terminado em partes. Cinco minutos depois, toca o meu telefone. Era meu Tio. Papo vai, papo vem, ele resolve passar novamente para esta minha Tia. E ela volta com pilha total:

- Mas poxa, meu rapaz, você tá precisando de arrumar um buraco, não é mesmo? Você tem pinto, certo? Você tem tesão, não é? Então? O que mais falta?

Longe de ficar puto com essa espécie de invasão - principalmente com meu primo que certamente vazou informações que eu pensava serem confidenciais à sua mãe – eu simplesmente dei risada de tudo que estava acontecendo diante dos meus olhos, quero dizer, ouvidos. Não apenas porque muito provavelmente ela sequer se lembrará do que me disse, mas porque neste estado de ataraxia da ‘pós-hipocrisia’, tudo parece realmente irrelevante. Pouco importa as impressões – simplórias, ainda que bem intencionadas - dos outros sobre seus sentimentos. Saímos detrás da moita exatamente por meio da pequena rachadura presente na tubulação.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Lembrete.

Por outro lado, existem atitudes que são louváveies.

Da auto-estima.

Auto-estima só tem de auto, o nome. Por muito tempo eu acreditava piamente que a auto-estima florescia de fora, a partir de uma dinâmica intrincada de indentificações e reconhecimentos mútuos que permitiam a tal da auto-constituição pessoal. Não está totalmente errado. Mas há uma parte mais delicada que apenas agora compreendo com mais clareza: mais do que florescer de fora, a auto-estima, ao que parece, precisa ser conquistada de fora. O problema é que para ganhar um pouquinho infelizmente alguém tem que perder, afinal, o coeficiente de auto-estima é uma constante.

Das lições.

Se tem algo que é mais difícil e problemático que aprender, trata-se de reaprender. Isto porque todo re-aprendizado pressupõe necessariamente um duplo movimento: desconstruir uma idéia (ou prática) incorreta e rotinizada, para apenas assim, posteriormente poder conseguir fixar o entendimento (ou procedimento) mais adequado. Embora pareça algo tanto quanto simples, assim descrito, na teoria, sabemos, a prática é outra.