segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

D.

Para poder morrer
Guardo insultos e agulhas
Entre as sedas do luto.

Para poder morrer
Desarmo as armadilhas
Me estendo entre as paredes
Derruídas.

Para poder morrer
Visto as cambraias
E apascento os olhos
Para novas vidas
Para poder morrer apetecida
Me cubro de promessas
Da memória.

Porque assim é preciso
Para que tu vivas.

(Hilda Hilst)

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Que poema de Fernando Pessoa é você?

A vida é para nós o que concebemos nela. Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império lhe ainda é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas vêem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.
Isto não vem a propósito de nada.
Tenho sonhado muito. Estou cansado de ter sonhado, porém não cansado de sonhar. De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos. Em sonhos consegui tudo. Também tenho despertado, mas que importa? Quantos Césares fui! E os gloriosos, que mesquinhos! César, salvo da morte pela generosidade de um pirata, manda crucificar esse pirata logo que, procurando-o bem, o consegue prender. Napoleão, fazendo seu testamento em Santa Helena, deixa um legado a um facínora que tentara assinar a Wellington. Ó grandezas iguais à da alma da vizinha vesga! Ó grandes homens da cozinheira de outro mundo! Quantos Césares fui, e sonho todavia ser.
Quantos Césares fui, mas não dos reais. Fui verdadeiramente imperial enquanto sonhei, e por isso nunca fui nada. Os meus exércitos foram derrotados, mas a derrota foi fofa, e ninguém morreu. Não perdi bandeiras. Não sonhei até ao ponto do exército, onde elas aparecessem ao meu olhar em cujo sonho há esquina. Quantos Césares fui, aqui mesmo, na Rua dos Douradores. E os Césares que fui vivem ainda na minha imaginação; mas os Césares que foram estão mortos, e a Rua dos Douradores, isto é, a Realidade, não os pode conhecer.
Atiro com a caixa de fósforos, que está vazia, para o abismo que a rua é para além do parapeito da minha janela alta sem sacada. Ergo-me na cadeira e escuto. Nitidamente, como se significasse qualquer coisa, a caixa de fósforos vazia soa na rua que se me declara deserta. Não há mais som nenhum, salvo os da cidade inteira. Sim, os da cidade dum domingo inteiro – tantos, sem se entenderem, e todos certos.
Quão pouco, no mundo real, forma o suporte das melhores meditações. O ter chegado tarde para almoçar, o terem-se acabado os fósforos, o ter eu atirado, individualmente, a caixa para a rua, mal disposto por ter comido fora de horas, ser domingo a promessa aérea de um poente mau, o não ser ninguém no mundo, e toda a metafísica.
Mas quantos Césares fui!

(Livro do Desassossego, Bernardo Soares)

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sobre a lei das compensações.

Há compensações que não nos compensam.

Plínio (3).


You're gonna miss me when i'm gone.

Plínio (2).

Quem chegasse, por uma imaginação transbordante de piedade, a registrar todos os sofrimentos, a ser contemporâneo de todas as penas e de todas as angústias de um instante qualquer, esse – supondo que tal ser pudesse existir – seria um monstro de amor e a maior vítima da história do sentimento. Mas é inútil imaginarmos tal possibilidade. Basta-nos proceder ao exame de nós mesmos, praticar a arqueologia de nossos temores. Se avançamos no suplício dos dias, é porque nada detém esta marcha, exceto nossas dores; as dos outros nos parecem sempre explicáveis e suscetíveis de serem superadas: acreditamos que sofrem porque não têm suficiente vontade, coragem ou lucidez. Cada sofrimento, salvo o nosso, nos parece legítimo ou ridiculamente inteligível; sem o que, o luto seria a única constante na versatilidade de nossos sentimentos. Mas só estamos de luto por nós mesmos. Se pudéssemos compreender e amar a infinidade de agonias que se arrastam em torno de nós, todas as vidas que são mortes ocultas, precisaríamos de tantos corações quanto os seres que sofrem. E se tivéssemos uma memória milagrosamente atual que conservasse presente a totalidade de nossas penas passadas, sucumbiríamos sob tal fardo. A vida só é possível pelas deficiências de nossa imaginação e de nossa memória.

(A Chave de Nossa Resistência, Emil Cioran)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Plínio.

Um dos maiores problemas da vida é a facilidade que temos em nos afeiçoar.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Sapato Novo.

- Você tinha que ver, mãe. Ela disse que o coração dela disparou quando viu aquele sapato na loja como nunca quando me viu... - eu disse, provocando-a.
- Mas tem uma diferença substancial entre o sapato e você. Porque enquanto o encantamento pelo sapato pode ser até maior, eu sei que ele é efêmero. Por outro lado, a vontade de te ver, ainda que menos intensa, é mais alentadora e, justamente por isso, perpetua-se - ela replicou compreendendo.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Das batalhas.

Ah, Veruska...
Ê-Compós...
Ih, Guilherme.

Conselhos mete-físicos.

É muito fácil dizer a alguém: você não tem que entrar numa relação querendo que o outro te salve. Porque é um ato demagógico, pois no fim das contas o que se espera do amor, em tese, seja que ele constitua um espaço de revelação segura do ser - mas não existe revelação segura do ser, nem compreensão plena, nada disso. Desculpa. Na prática, o idiota que fala isso é o mesmo que quer ser salvo mas não quer assumir a responsabilidade de salvar ninguém. Nada mais humano querer as vantagens e não os ônus implicados na 'responsa'. O pobrema é mais grave: não existe espaço para salvação em vida. Essa salvação é sempre um sentimento de reconhecimento provisório e instantâneo, uma felicidade efêmera e não uma condição permanente. Uma metáfora do acolhimento. Então, rapaz, o que eu te falo é que quando você começar a idealizar uma pessoa - e esse é um sinal da bagaça - pague para ver, tente a encontrar com mais frequência, e vá operacionalizando a desidealização. Traga ela pro cotidiano e veja como ela funciona no dia-a-dia.