quarta-feira, 23 de julho de 2008

Sobre pares e pares...

É no primeiro olhar: o holofote circunscreve, restringe. Você tenta de toda forma disfarçar pois se chamar atenção sabe alguém ao seu redor pode perceber. Nessas circunstâncias todo cuidado é pouco. Como quem não quer nada você observa detalhe por detalhe daquela beleza que de tão rara teima em ofuscar os demais. Nem sempre é exatamente uma paixão a primeira vista, por certo, mas a verdade é que a estranheza fascina, entranha, toma conta. Diante disso não resta outra alternativa: estabelecer um primeiro contato, ainda bastante tímido. ‘Parece o meu número exato’, você pensa se vangloriando em ter a chance de desfrutar daquele modelo único. E quando percebe ele já te acompanha para todos os lugares, passo a passo. Naquele primeiro momento você até constata estar errada: ‘realmente a beleza inicial engana’. Às vezes um pouco mais largo, às vezes mais apertado, mas nunca o mesmo número. Nada mais natural, portanto, do que haver um certo desconforto daquele tipo ao qual toda descoberta nos remete. Chamam isso de fase de adaptação: é preciso aprender a ceder um pouco, lacear. Mesmo quando está sem ele aos seus pés de alguma maneira você dá um jeitinho de traze-lo para junto de si. E essa paixão, ardente, muitas vezes desperta olhares invejosos, cobiça alheia, afinal, ‘a felicidade sempre ofende’ como já frisou com sabedoria um grande compositor brasileiro. Você não liga, ou pelo menos finge não ligar, não demonstrar. É claro que você liga! Nesse vai e vem se dá conta de que não consegue mais viver sem ele, afinal, que vocês formam um grande par! ‘Batman e Robin’, ‘arroz com feijão’, ‘bife com chuchu’ sempre são lembrados por vocês quando a brincadeira começa! ‘Quem me vê sorrindo na fila do pão sabe que eu te encontrei! E como sabe’, envaidecida você cantarola para si mesma... Dá para ver no rosto a diferença, ainda que você negue ou resista a admitir por pura marra.

A fase dos calos passa, o tempo se cristaliza. Há um conforto que por vezes beira o comodismo. Conforto ou comodismo? Isso de alguma maneira começa a tomar conta de seus pensamentos, afinal, mais do que ninguém você acredita que o estar tudo muito bem é prenuncio de algo catastrófico. Aquela beleza, aquele entusiasmo inicial já começam a ficar pelo caminho: se antes aquele cuidado primeiro beirava o sufocante, hoje é o contrário, ou seja, parece haver certo descaso, um desgaste. Brasa, apenas. Se antes havia os calos que machucavam mas, paradoxalmente lhe davam aquele imenso prazer quase masoquista de estoura-los, o agora tem tom de desbotamento: as cores começam a se esconder. Ainda assim vocês insistem em continuar juntos, embora a balança comece a pender. Vocês escondem, não querem se ferir mutuamente, se enganam tentando disfarçar que as coisas já não são mais as mesmas. A rotina colocou pregas no entusiasmo. E a beleza? Ela está lá, mas ora vocês a encontram, ora relembram os primeiros momentos e não conseguem se dar conta de que é preciso a cada instante usar novas tintas para reconstruir os seus conceitos. O ‘para sempre’ do primeiro dia começa a entrar em contagem regressiva rumo ao 'para nunca', ainda mais quando você se percebe fascinada por outros modelos ao seu redor. Se antes ofuscava, agora que conhecido integralmente, com todos os seus prós e contras, ele está ofuscado novamente pelo sabor do desconhecido, do novo, das cores, da perfeição. Ele se sente descartável. A freqüência diminui: vocês se vêem cada vez menos e menos. O fim é iminente, a nostalgia pede passagem. Beleza, conforto, comodismo: são tantas variáveis a serem investigadas, colocadas em questão. ‘O que eu quero?’, confusa, você se indaga. Não quer dizer adeus, não sabe dizer adeus, mas precisa e mais do que isso quer e deseja com toda força sentir tudo de novo, o sentimento que não existe mais entre vocês. ‘Adeus’, você fala sem sequer ter coragem de olhar para frente porque no fundo tem a certeza de que dói usar essa palavra não por ter dado errado, mas ao contrário disso, exatamente por ter dado certo demais. É essa a consciência que lhe machuca mais. Mas você reconhece que é preciso andar em frente e guardar o gostinho doce do mito que você acabou de criar sem saber. Fotos, pensamentos, lágrimas e risos só mostram que um amor como esses não acaba jamais, como você acreditou um dia.

Viver é uma soma de recomeços, com todas as dificuldades e prazeres de cada inicio e final – sem final. E apesar disso, aos 22 anos até hoje eu ainda não aprendi a escolher meus tênis e meus amores. É por isso que tenho a certeza de que estou no caminho certo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei isso, mesmo mesmo. Tirando a parte do bife com chuchu... hahaha
não consigo ser séria aqui, não.