terça-feira, 24 de março de 2009

Uma cena em uma cena.

Mais uma daquelas cenas que irrompem diante de você e te deixa totalmente nu, sem reação. Foi exatamente isso que ocorreu hoje quando cheguei à Fafich, por volta das 8:15h. Detalhe: em condições habituais, eu estaria cruzando o saguão do segundo andar – lugar do desenlace – apenas por volta das 9:15h. No entanto, por conta de uma reunião tive de sair mais cedo e, conseqüentemente, pisar naquele local exatamente naquele horário, como se aquela cena estivesse esperando ansiosamente pela minha presença.

Na verdade, não havia absolutamente nada de mais, como nos momentos mais marcantes de nossa vida. Não disse bonito, porque não era esse exatamente o caso em questão. Alguns até enxergariam beleza, mas era, na verdade, um sentimento de outra natureza que se sobrepunha e invadia. Estava rumo ao terceiro andar, onde me encontraria com a minha professora orientadora por volta das 8h, quando de repente vejo uma menina – escondida - chorando enquanto falava ao celular. Não qualquer choro. O rosto já estava vermelho, o corpo encolhido. O lenço já não era suficiente para um álibi.

Não era qualquer choro, como disse. E não apenas por ser uma pessoa que conheço – embora ela não me conheça. A questão é justamente a materialização da dor. É aquele choro que interpela quem está ao redor, que fere tanto aquele que chora quanto o que, de fora, observa. Não me contive: zanzei ao redor dela, como quem queria fazer algo e simplesmente não conseguia. Sentei-me no banco em frente, fingindo ler apenas para de alguma maneira tentar me fazer mais próximo – uma proximidade idiota, admito, porque ali eu não era absolutamente ninguém. A esta altura, a reunião era o de menos. Já não fazia mais sentido subir diante daquele drama oculto.

É tão difícil se sentir impotente ao participar de uma comunhão invisível. Não é a primeira vez que me pego agindo de tal maneira desengonçada diante de um fato de mesma natureza. Um incômodo que não é seu, mas ainda assim te penetra, persegue e incomoda de uma maneira tal que te paralisa, mortifica, remete a.

Como cena puxa cena, não por acaso as lágrimas de Thereza me fizeram recordar outra, ficcional, que retrata com maestria esta sensação. Trata-se de um fragmento pontual do filme ‘Não Amarás’, do diretor polonês Krzysztof Kieslowski. Num dado momento da película, Tomek, o jovem protagonista da trama, se corrói inteiramente ao observar por uma luneta que a mulher por quem está apaixonado está sofrendo bastante. Condoído, perde completamente o sono. Fica inquieto. A mãe de seu amigo, mulher com quem mora, notando a movimentação de Tomek o chama para conversar. Notadamente angustiado ele adentra o quarto dela como quem precisa dizer urgentemente algo que o perturba e não sabe a melhor maneira; como quem procura desesperadamente por uma resposta que não existe. Eis então, que surge um daqueles diálogos econômicos, mas que ao contrário do que poderiam fazer supor, longe de ser pobre, condensa com tal maestria toda a força emotiva da cena.

- Por que as pessoas choram?
- Não sabe? Nunca chorou?
- Uma vez há muito tempo.
- Quando te deixaram?
- (...)
- As pessoas choram por vários motivos. Quando alguém morre, quando alguém fica só. Quando não conseguem suportar...
- O que?
- Viver. Quando sofrem.
- Pode-se fazer algo para ajudar?

O que fazer para solucionar o que não padece de solução?

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