terça-feira, 21 de abril de 2009

Os Discos da Década - Terceiro Lugar.

3) Shut Up I Am Dreaming, Sunset Rubdown (2006)

Como eu gosto de brincar, cada solução necessariamente acaba gerando um novo problema. Sendo assim, se a internet, com seu amplo terreno, possibilitou uma ‘democratização’ (entre aspas mesmo) das possibilidades de acesso a conteúdos culturais, por outro lado, com tanta quantidade de conteúdo disponível para ser acessado, cria-se o problema de uma filtragem de materiais que sejam realmente relevantes. E é justamente essa a grande função da crítica musical: servir como um guia interessante que nos ajude a separar o hype, quero dizer, joio do trigo. Não que o crítico tenha necessariamente um gosto superior, mas antes disso, compatível com o seu. E por um bom tempo coube ao blog Indienation suprir a lacuna deixada pelo meu querido – e já mencionado – Fábio Galão. Foi em uma das deliciosas e coerentes resenhas do César M. - autor do blog – que eu me deparei totalmente-meio-que-sem-querer com Shut Up I Am Dreaming, disco de estréia dos canadenses do Sunset Rubdown. Não me recordo quando fiz o download nem em que circunstâncias tal fato se deu. Lembro-me apenas de colocar o disco para tocar despreocupadamente no Winamp por volta de janeiro, fevereiro de 2007. Um daqueles chutes lá da retaguarda. E o CD ficava em looping enquanto eu me distraia mexendo na internet – um dos meus principais métodos de audição, bem que se diga. Sem que eu me desse conta eis que uma hora eu já estava totalmente absorvido por aquela atmosfera. Aquela voz angustiante e por vezes chorosa, a constante tensão das músicas, cujas estruturas a-lineares me matavam, não conseguiam sair da minha cabeça. Mas não era só isso. Não: foi ouvindo Shut Up I Am Dreaming – um álbum genial até no nome, como vocês podem notar – que eu percebi o quanto um instrumento aparentemente tão irrelevante quanto um xilofone usado de maneira apropriada pode te levar ao limite. Só de pensar nisso as lágrimas já vem ao encontro do meu rosto. A música responsável por isso? Us Ones In Between.

Um dia:

- Alan, olha só que música foda!
- Manda.
- Ah, estranha.
- Esse xilofone no final é simplesmente de matar.

O dia seguinte a um dia:

- É Guilherme... A Us Ones In Between realmente é matadora.
- E o ‘pior’, Alan, que não é só ela. O disco todo é fenomenal.

Us Ones In Between foi a música mais dilacerante que eu escutei na década. Dilacerante mesmo, passional, que vai fundo, retalha a ‘alma’ em um zilhão de pedacinhos. Ela é tão violenta, é tão minha, que, ao conversar com o Tio Beto, eu a elegi como a música tema do meu velório – por mais mórbido que isso possa parecer, escolhas são precisas! Tudo começa com um pianinho simples e cortado por uma voz que tenta a todo custo conter o choro na garganta. Pouco tempo depois entra uma distorção leve e constante, num crescente, e uma bateria seca. Na ponte, assovios e os xilofones em duelo para, finalmente, dar origem a uma espécie de berro contido. Suspendendo o crescente, surge então um primeiro momento mágico da canção com alguns dos versos mais doídos e comoventes da história da música: And I am a creature/ And I am survivin’/ And I want to be alone/ But I want your body/ So when you eat me/ Mother and baby/ Oh baby, mother me/ Before you eat me. O andamento original é retomado desta vez com um belíssimo dueto com uma voz feminina até que a distorção é provisoriamente desligada para dar origem ao segundo momento mágico da canção, uma paradinha em que o eu lírico profere os seguintes versos: You are a waterfall/ Waiting inside a well/ You are a wrecking Ball /Before the building fell. O dueto surge ainda mais forte e pungente até a distorção ser novamente suspensa, desta vez em definitivo, quando a voz do cantor é abafada e os xilofones literamente falam, mostram toda a sua importância dentro da história do rock, em um dos finais mais desconcertantes da música contemporânea. Se você não desabou ainda, então agora já pode deixar de se fazer de forte e cair com o terceiro momento mágico da canção. Não foram poucas as vezes em que eu adiantava a canção toda até chegar nos ‘benditos’ xilofones do final. Ainda falando do disco e da Us Ones In Between em particular, vem a minha mente um caso interessante. Certa vez decidi gravar o cd para o Gabriel, um amigo da faculdade. E enfatizei que se tratava de um disco diferente, mas que se a barreira do estranhamento fosse superada, ele provavelmente soaria nada menos do que sublime, definitivo. Na semana seguinte, Gabriel me procurou e disse: mas o que que é aquele Sunset Rubdown? E eu não sabia definir se ele tinha achado o disco bom ou ruim. Na verdade, nem ele: estava exatamente em cima da corda bamba, com aquela sensação gostosa de estranhamento, que podia cair tanto para um lado, quanto para o outro. Mas a primeira pista positiva foi ele ter gostado demais da última faixa do disco Shut Up I Am Dreaming With Places Where Lovers Have Wings, a mais acessível do cd – mas nem por isso menos impressionante. Durante essa nossa segunda conversa eu cantei o caminho das pedras: presta atenção na Us Ones In Between. Não falamos mais sobre o disco até um dia em que o Gabriel teve de vir a minha casa para fazer um trabalho da matéria que fazíamos juntos. Depois da reunião viemos ao computador juntamente com o Fred, meu amigo, para ouvir algumas músicas. E o assunto Sunset Rubdown foi retomado. Como o Gabriel nunca havia visto uma performance da banda ao vivo resolvi colocar um vídeo do Youtube contendo a Us Ones in Between. Tal foi a minha surpresa quando vi aquele cara grandalhão cantando a música de cabo a rabo e ao final proferir as seguintes palavras: essa música é linda demais; dá até vontade de chorar – enquanto lutava para não ceder à tentação das lágrimas. Palavras que eu jamais esperaria ouvir com tanta franqueza do Gabriel. Até o Alan ficou pasmo quando relatei o episódio. Ou seja: àquela altura o Gabriel também já estava totalmente consumido pelo disco, conforme ele mesmo me confidenciou.

Mas diferentemente de Funeral o não super mas hiper-estimado disco do Arcade Fire que se resume a Rebellion (Lies), Shut Up I Am Dreaming de modo algum pode ser resumido a Us Ones In Between. Stadiums and Shrines II, faixa que abre o disco, é prova incontestável disso: une a grandiosidade de um épico a uma estrutura totalmente tensa, claustrofóbica, em que os momentos de suspensão servem apenas para acentuar mais a angústia. Angústia essa que atinge o ápice por volta da metade da canção quando em uma instrumentação mínima e repetitiva o eu lírico dispara de maneira cínica contra o peso que seu interlocutor lhe confere: I’m sorry that your mother died/ But that one wasn't my fault/ I’m sorry anybody dies at all these days. Já They Took a Vote and Said No tem andamento totalmente quebrado que sugere uma polka (?!) marcada por xilofones (sempre eles) e uma sanfona. Não bastasse a melodia inovadora, sensacional, a letra é nada mais nada menos do que... Eu nem sei o que dizer: Well there are things/ That have to die / So other things/ Can stay alive / The fire burns/ It burns to give/ It has to burn, alive/ To live. Os pianinhos, as guitarradas e os berros da pop Snakes Got a Leg III são perfeitos. O Alan que o diga! Já The Empty Threaty Of Little Lord com seu clima gospel é parente de Where Is My Mind dos Pixies e apenas atesta a sensibilidade e a sinceridade presentes nas letras de todo o disco: If I ever hurt you/ It will be in self-defense. Simplesmente não há como segurar as lágrimas com o coral da parte final da canção: I wish you the best, you snake/ You are self-professed, you snake/ My heart’s in my chest you snake/ You can have the rest, you snake. Mais uma vez os velhos problemas de comunicação, para onde o Yankee Hotel Foxtrot já havia apontado. The Men Are Called Horsemen There com suas notas distorcidas tem tom suplicante e decadente. O disco termina com o épico de precisos 7:23min intitulado Shut Up I Am Dreaming With Places Where Lovers Have Wings. O violão cru e contido – assim como o vocal - acompanhado por xilofones marca a primeira parte da canção, que fecha com o emblemático verso oceans never listen to us, anyway antes de desembocar num caótico solo de guitarra, para retomar novamente a cadência do violão com o tilintar dos xilofones permeado por declarações timidamente tocantes como: I’m afraid of the water/ I’m afraid of the sky/ I’m tired of waiting. No último ato do movimento o eu lírico implora ‘para que não façam barulho’ e como que propositalmente para provocá-lo programações eletrônicas dão o ar da sua graça até desembocarem nos nossos queridos e amados xilofones que simulam uma canção de ninar. Não há como ser a mesma pessoa depois de ouvir Shut Up I Am Dreaming, o disco.

Ah sim: provavelmente a uma altura dessas vocês devam estar se perguntando, afinal de contas, quem é a cabeça alucinada por trás dessa banda. Obviamente que a omissão não foi acidental. O nome por trás do Sunset Rubdown é Spencer Krug. Sim, a inquieta metade do Wolf Parade responsável, dentre outras coisas, por I’ll Believe In Anything, música da década na opinião deste blogueiro – agora posso finalmente dizer então que se eu regressei ao Wolf Parade tempos mais tarde isso se deveu única e exclusivamente a descoberta de Shut Up I Am Dreaming. Inquieta metade porque Spencer Krug parece trabalhar em ritmo industrial – inexplicavelmente sem perder o seu padrão de qualidade, pois além das duas bandas mencionadas ainda compõe para o Swan Lake e ocasionalmente presta serviços para seus conterrâneos canadenses do Destroyer e do Frog Eyes. Não bastasse isso tudo, ainda por cima o pinta me deu um tremendo nó na cabeça por não conseguir admitir que o melhor compositor do mundo em minha opinião tem como instrumento de origem não uma das fabulosas guitarras, mas um simples teclado. Vale ainda dizer que em 2007 – ou seja, apenas um ano depois de Shut Up I Am Dreaming – o Sunset Rubdown lançou Random Spirit Lover, um disco tão excepcional quanto seu antecessor contendo faixas simplesmente históricas como The Mending Of The Gown, a ensandecida Up On Your Leopard, Upon The End Of Your Feral Days, a avassaladora Winged/Wicked Things, a danoninho For The Pier, a quase disco The Taming Of The Hands That Came Back To Life e a doce Child-Heart Losers, um desfecho surpreendente indo de encontro a tudo que a banda havia feito fez até então. Isso sem falar nas faixas já exibidas de Dragonslayer, próximo petardo da banda marcado para chegar ao mercado no dia 23 de junho, mas que já tem clássicos incontestáveis como Idiot Heart, Paper Lace, You Go On Ahead e a foderosíssima Dragon’s Lair, canção que fecha o disco. Ufa! Só me resta apenas uma coisa a dizer diante disso tudo: vida longa, Krugão!

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