segunda-feira, 20 de abril de 2009

Os Discos da Década - Quinto Lugar.

5) Apologies to Queen Mary, Wolf Parade (2005)

Quanta saudade do Fábio Galão, meu eterno guia musical. Não tinha papas na língua e não errava jamais até... Apologies To Queen Mary, do Wolf Parade. Pela descrição na sua coluna o disco parecia realmente violento. A começar, obviamente, pela postura realmente crítica e, por vezes, polêmica do Galão – postura esta que eu tanto amo - e que vale, até como uma homenagem, reproduzir de maneira fiel por aqui:

A máquina do hype avisou, é melhor você acatar: o Canadá é o que há. Arcade Fire, The Dears, Broken Social Scene – elogie mesmo sem nunca ter ouvido nenhuma dessas bandas. Vai pegar muito bem, principalmente nas rodinhas de jornalistas. Mas, se você quiser realmente ouvir a melhor banda novata do Canadá, vai ter que se aprofundar um pouquinho. Porque a melhor banda novata do Canadá (ainda) não caiu nas conversas dos metidos a antenados. E ela se chama Wolf Parade.

Beleza. Baixei o disco e... nada. Nada. Que o Arcade Fire nunca me enganou era um fato concreto assim como 2 + 2 são 4 (será?), mas você, Galão, fazendo essa presepada, aí era demais para mim! Fiz um backup do álbum em um DVD - daqueles backups que são apenas para desencargo de consciência, pois eu jamais voltaria no álbum. Só que um belo dia eu fui obrigado a voltar. Este papo fica para outro momento. O que interessa mesmo aqui e agora é que eu voltei. E que o Galão não estava apenas certo: ele estava errado! O disco é muito mais do que isso! Muito mais. Uma coleção de 12 pérolas em que o pique não cai em um momento sequer. As composições são divididas entre o tecladista Spencer Krug e o guitarrista Dan Boeckner, o que garante uma riqueza e um encanto a mais para a sonoridade da banda por conta dos estilos próprios de cantar de cada um.

Dan Boeckner é o autor de Modern World, a melhor faixa do Arcade Fire que o Arcade Fire nunca irá compor - pois os estes desconhecem a importância da palavra simplicidade em suas composições pseudo-intensas. It’s a Curse e We Built Another World mostram um Boeckner preparado para as pistas de dança. Vale aqui um pequeno comentário - ou um gesto de indignação, como queiram: é no mínimo irônico o Wolf Parade jamais ter caído nas graças dos DJ’s das festas indies de Belo Horizonte. Bem, mas é com This Heart’s On Fire e Same Ghost Every Night que o guitarrista crava seus momentos mais perfeitos do cd. Na primeira, o teclado tosco e repetitivo de Krug faz cama para um vocal ainda mais apaixonado que o de Julian Casablancas destile toda a sua violência. A tonalidade aparentemente controlada do início de This Heart Is On Fire só serve mesmo para camuflar todo o sentimento que a faixa não consegue conter em seu final explosivo, mostrando que a última música de um cd não precisa necessariamente ser uma balada melancólica. Nesse caso não precisa porque ‘a’ balada de Boeckner está no meio do disco, mais precisamente na sexta posição. Uma música que reúne ao mesmo tempo a grandiosidade do Radiohead Ok Computer e a tensão do Interpol, mas que mesmo assim só poderia ser parida por uma banda como o Wolf Parade. A paradinha da bateria, o refrão acompanhada pelos gritos de Dan e o movimento crescente da canção são simplesmente dilacerantes. Isso sem falar no final devastador com os efeitos robóticos e o desespero no vociferar do guitarrista.

No entanto, por mais que isso pareça impossível, Apologies To Queen Mary é um disco de Spencer Krug. É curioso dizer isso porque se as composições de Boeckner são sensacionais, que nome eu devo dar a algo que está além disso? Da maneira como coloco pode parecer um tanto exagerado, mas eu os garanto, caros leitores, não é! Basta ouvir Fancy Claps, com seu começo errático e o ritmo explosivo dos teclados entremeado estrategicamente por palminhas. Ou então as lamúrias apaixonadas da mortal e decadente Dinner Bells e sua paradinha providencial aos 3:10 min e que dá um clima surreal a canção para, no momento seguinte, trazer o ouvinte abruptamente de volta a realidade cruel da vida.

O problema é que este disco é responsável pelo momento mais bonito de toda a década 00. E quando eu digo momento é porque não se trata de apenas uma faixa, mas de duas, cuidadosamente interligadas. A primeira é a cínica Dear Sons And Daughter of Hungry Ghosts que começa com os deliciosos versos: I got a hand/So I got a fist/ So I got a plan/ It's the best that I can do/ Now we'll say it's in God's hands/ But God doesn't always have the best goddamn plans, does he?. A voz desengonçada de Krug é atravessada por precisos fraseados da guitarra de Boeckner, ganha as tradicionais paradinhas da bateria e desemboca no momento mágico da canção: La La La La La La. Juro, eu choro. Não consigo me conter! Tudo isso para desembocar na canção definitiva da década. Eu realmente tenho noção que é responsabilidade demais colocar todo o peso de uma década nas costas de uma única música, mas I’ll Believe In Anything realmente consegue traduzir todas as nuances dos primeiros dez anos do novo milênio, ou seja: trata-se de uma canção paradoxal. Ao mesmo tempo em que é extremamente simples em sua estrutura linear, possui arranjos elaborados, grandiosos; é limpa, porém tosca; contida e ainda assim explosiva, visceral; arrastada com aquele gostinho de que a faixa não poderia acabar nunca; totalmente impregnada com aquela angústia juvenil e por isso mesmo adulta, profunda; melancólica, porém revestida de uma esperança inexplicável. Mas acima de qualquer contradição, I’ll Believe In Anything é uma faixa sincera, a começar pela falsa ingenuidade presente no início de sua letra: Give me your eyes I need sunshine your blood, your bones your voice, and your ghost. Versos tão bonitos e diretos para falar que se deseja o outro por inteiro – o que fica ainda mais marcante quando o eu lírico da canção diz querer, inclusive, o(s) fantasma(s) da pessoa amada! Foda! O vocal de Krug é algo certamente de outro mundo. Certa vez o Daniel fez um comentário que há um bom tempo eu já havia assimilado e que é completamente coerente: parece que ele canta as músicas como se fosse a última coisa que estivesse fazendo em vida tamanha a visceralidade de sua performance. Em outras palavras, a voz de Spencer Krug está impregnada de vida. Enquanto isso, o riff de guitarra prossegue calmamente até o momento pré-apocalíptico da canção quando o eu lírico dispara: And I could take another hit for you/ And I could take away your trips from you /And I could take away the salt from your eyes/ And take away the spitting salt in you/ And I could give you my apologies/ By handing over my neologies/ And I could take away the shaking knees/ And I could give you all the olive trees/ Oh look at the trees and look at my face/ And look at a place far away from here. Pronto, as portas do céu - ou do inferno, como preferirem – foram abertas: bem vindo! Uma canção tão impactante – não há como fugir de adjetivações ao falar do Wolf Parade, embora todas, paradoxalmente, sejam inúteis – que é capaz de nos fazer realmente acreditar em tudo, de querer compartilhar a vida, de levar nossa pessoa amada para um lugar distante onde ninguém a conheça e, portanto, não dêem a mínima para quem ela é.

Um disco que tem dois compositores de mão cheia em momentos inspiradíssimos, o momento mais bonito ‘E’ a música da década jamais poderia ficar desta lista. Sim, Galão, você estava certo, quero dizer, errado! Enfim: que bom!

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