terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Do Amor.

Não a banda, mas o sentimento. É exatamente dele, do amor, que tenho me ocupado por esses últimos dias. Mais especificamente de um dilema colocado por uma amiga: seria o amor um sentimento realmente puro? Temo desaponta-la, mas ao que me parece, a minha resposta é negativa, menina. O que não quer dizer que não haja nobreza em tal sentimento. No entanto, o amor, por si só nunca é realmente amor, isolado. Talvez em uma experiência de laboratório até poderíamos alcançar o amor em essência - e que provavelmente resultaria inútil desse modo. Mas não na vida real. E que caiba uma provocação bem humorada, não é apenas em Hollywood que o ódio também ama tanto quanto o amor, ou que o inverso se faz verdadeiro, qual seja, o amor odeia tanto quando o próprio ódio. Basta olhar para a sua vida, caro leitor. Quero dizer procurar vestígios em suas histórias amorosas. No fundo, amor e ódio são faces distintas de uma mesma moeda. Pela tendência que temos a acreditar numa vida que tenda a harmonia, acabamos por valorar de maneira tão agressiva esses dois pólos, que na verdade também não respondem por toda a complexidade desse sentimento dual - que na verdade não é amor nem ódio, mas está entre amor e ódio – cujo nome eu realmente sequer sei precisar. Ao contrário disso, não apenas a organização social como mesmo a estruturação pessoal tendem ao desequilíbrio, a alternância de contrários, ao conflito e não ao consenso. E isso não significa necessariamente briga, embora implique em diferença. E como poderia ser de outra forma se esse sentimento é um terceiro entre dois diferentes? Ele está em um constante embate. Quer estrutura cujo equilíbrio é mais precário do que um nós? Mas até aqui ainda nada foi explicado sobre o ódio, sobre o ‘amor presente no ódio’. Tudo bem: quer ódio maior do que ver uma pessoa que você gosta tanto te interpretar de maneira completamente equivocada? Isso significa menor afeto, menor consideração? Quero dizer, esse ódio implica em falta de amor? Não: é próprio exatamente do amor que a relação estabelece. A relevância da pessoa resulta na tentativa de tentar novamente se fazer entender. Outro exemplo banal: quer ódio maior do que ver alguém que você gosta tanto cometendo sistematicamente um mesmo erro? Sim, é ódio. Sim, é amor. Porque diz do zelo, da preocupação, da estima. Claro que essa última questão não é exatamente tão simples conforme foi posta, afinal, o que supostamente é visto como erro para um observador externo não é assim compreendido pelo sujeito que age. Aliás, essa questão também diz da tendência que, embora não admitamos, temos durante nossos relacionamentos: a de tentar moldar o outro de acordo com as nossas vontades. Uma tendência a principio sutil, de fato, mas que com o tempo ganha contornos mais marcantes. Sim, há no amor também uma parcela de egoísmo, de controle. Velado, mas existe. Trata-se de um espaço de luta, não necessariamente de briga - embora infelizmente possa resultar em - mas, sobretudo, de negociações constantes entre vontades e projetos distintos que ora se aproximam, ora se afastam. E ainda assim isso não o torna, em relação com o ódio, menos louvável, menos marcante. Claro que existem gradações, existem níveis de diálogo e de cooperação - ou falta de cooperação. ‘Tão contrário a si é o mesmo Amor’. A vastidão de sentimentos que atravessa a ‘alma’ jamais seria capaz de oferecer uma pureza ao Amor. Não fosse assim, provavelmente não haveria motivos para se escrever, não haveria as grandes reflexões da filosofia tampouco as belas produções literárias. E se as mesmas existem, assim como as obras cinematográficas e as letras de música, é porque a complexidade, a pluralidade, a efervescência desses sentimentos tão díspares também se dá na vida mundana, no dia-a-dia. Sim, matamos a quem amamos, é fato, mas ao mesmo tempo, num processo paradoxal, por meio dessas pequenas mortes construímos grandes vidas. Toma lá, dá cá. Ou seja: o amor junto com seu par ódio destrói e constrói simultaneamente. Fazemos isso o tempo todo, por vezes, sem sequer nos darmos conta. É nessa tensão que se produz movimento, que se produz deslocamento e não na harmonia. É no caos, lembra? Sim, realmente dói pois, por vezes ‘os aprendizados têm o peso de uma derrota’. Mas nem sempre. Isso mesmo: nem sempre. E tanto num caso quanto noutro há o peso do amor embutido, seja o amor concretizado, seja o amor negado. E não existe correlação direta entre amor concretizado como positivo, amor negado como negativo. Pode ser exatamente o inverso. O problema é que tendemos a querer ocultar o nosso amor por meio do ódio. Engraçado, não? Na verdade, o oposto da relação amor/ódio é justamente a indiferença, o não reconhecimento do outro em nossa vida. O outro como 'nada' é o pólo negativo, porque assim não existe sequer a possibilidade de interação, de relação. O passado, tão presente, é um dos tempos dos quais somos mais devedores. Por muitas vezes, nosso movimento diante dele é de ocultação total: damos por resolvido algo que jamais estará resolvido. E essa falta de resolução de alguma maneira permanece e nega a nós mesmos. Nega porque fingimos não guardar rancor quando, na verdade, guardamos e esse rancor apenas revela amor. Algo como quando um cílio cai dentro de um dos nossos olhos. No início, a todo custo, tentamos remove-lo. Quando percebemos que a tarefa é mais difícil do que imaginávamos, deixamos de lado até que o cílio, que a princípio incomodava tanto, deixa de machucar. Dizemos: 'ele não está lá' e exatamente por dizer isso sabemos que ele está, lembramos dele. O amor é justamente isso: o que existe, apesar de todo esforço de negação possível e imaginável. Algo como no poeminha do Mário Quintana intitulado cinicamente ‘Do Amoroso Esquecimento’:

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?


E por falar em cinismo, como não se lembrar de um dos versos mais geniais de Cartola, presente na letra de ‘O Mundo é um Moinho’? ‘De cada amor tu herdarás só o cinismo’. Forte, bonito, direto, mas... falso. De cada amor há sim o cinismo, mas não só: há também os cínicos. De cada amor se guarda o próprio amor, desvelado em toda a sua gama de tons, nos sentimentos mais ambíguos, na alegria dos momentos bonitos, nas dores, no ódio, na frustração, nas promessas que embora não tenham sido feitas ficarão por serem cumpridas, nos descompassos que jamais poderiam ser imaginados. Sim, de cada amor se guarda o próprio amor, a potência presente dentro dele. O impuro amor, que muitas vezes nos prende, mas que por outro lado nos ajuda a desfrutar de um pouco de liberdade, de ar. O amor é bonito e feio ao mesmo tempo, sujo e limpo, glorioso e ofensivo e nem por isso menos redentor. Intenso e vazio. O amor é sempre uma porta, uma possibilidade e mesmo a busca de um beco, de um abrigo ou quem sabe de um poço sem fundo.

Não por acaso, a meu ver, um dos maiores cronistas de toda essa geração – que jamais receberá os seus devidos créditos infelizmente – atende pelo nome de Beto Cupertino, vocalista e letrista dos 'finados' goianos do Violins, banda esta ultra amada (‘odiada’) e referenciada por esse espaço. Em outro momento já perdi um bocado de tempo escrevendo sobre a ‘poesia’ de Beto, ressaltando sua paixão pelos sentimentos 'ocultos', que muitas vezes fazemos questão de colocar para debaixo do tapete e que, no entanto, fazem parte de cada um de nós em alguma medida sem que isso tenha exatamente um caráter negativo ou destruidor. Cabe encerrar essas pequenas considerações - que na verdade são uma opinião e não se pretendem colocar como uma verdade universal, mas apenas como algo para ser pensado - com uma das letras mais fenomenais – dentre tantas letras igualmente fenomenais do Beto – intitulada ‘Mulher Bomba’. Que venha esse sentimento terceiro que integra tão bem amor e ódio a ponto de nos querer fazer aspirar a algo que possamos chamar de vida!

Se eu pudesse surpreender o seu sono com um pouco do som com o que você me infernizou quando se mudou... O que eu espero de você é uma morte bela. E que haja beleza na morte do que a gente foi - e nem sempre há. O que é bom pra você, não é bom pra mim. Porque o que é bom pra nos dois é tão ruim? Eu sempre volto a rir, quando você sumir. Dizer que há maldade em fazer o que eu sempre quis é não ter bondade pra ver o que eu sempre fiz. E eu sempre volto a rir, quando você explodir.

Então pegue seu rabo e vá oferece-lo bem longe
Pegue seu carro e vá pra algum lugar bem longe
Pegue seus peitos e vá oferece-los bem longe
Pegue seu carro e vá pra algum lugar bem longe
Pegue seu rabo e vá pra algum lugar bem longe

5 comentários:

Anônimo disse...

segunda-feira, 8/12/2008, sonhando:

...estou num quarto de hotel,
parece que sozinha e meio
preocupada com alguma coisa.
não sei com quê. Desço até
a área comum do hotel, há
embaixo uma pequena sala de cinema;
algumas pessoas assistem a um
filme, vc é uma delas. Não consigo
saber bem qual é o filme e vc
não fala comigo. Saio dessa sala, volto ao meu quarto,acho que tomo um banho.
Desço ao saguão nua, somente enrolada
numa toalha mas levando
minha bolsa com cartões,
documentos e tudo mais
dentro dela. Apanho um táxi que
me leva pra longe, acho que para
o centro da cidade (é uma cidade
estranha, estrangeira, um lugar
que nunca vi antes). estou angustiada,
subo e desço por várias ruas, e só
então me dou conta de que estou
enrolada somente naquela toalha
de banho, estou descalça, estou
seminua no meio da rua e quase anoitece.
Penso: tenho minha bolsa, posso pegar um
táxi e voltar ao hotel. Só aí descubro
que não estou mais com a bolsa,
fico desesperada, com medo de
violência, com medo das pessoas
que passam. Vou atrás de alguns
táxis, ninguém pára. Um motorista
negro pára. "Eu levo vc, tudo bem'.
Aliviada. Entro no táxi, quase chorando (chorei no táxi de volta da sua casa aquela noite, o motorista era negro, tinha um jeito muito doce e ficou com pena: 'não chora, não, tudo vai
ficar bem. Ele é seu irmão ou é seu namorado?' eu respondo e deixo ele desconcertado:
'nenhum dos dois, mas poderia ser
qualquer um dos dois'...)
No sonho, percebo que minha bolsa
está no táxi, no banco, bem ao meu
lado. "Moço, foi o senhor quem me
trouxe pra cidade?" Ele responde:
'Não me lembro bem, talvez tenha
trazido. Trouxe há pouco uma mulher
de rosto triste, muito triste, mas não sei
se era você'. .. Eu respondo:
"Mas tinha que ser eu. minha bolsa
está aqui no seu táxi!!" E ele:
'que estranho, não pode ser!! Nunca
deixo nenhum objeto esquecido por
passageiro aí no banco; sempre me
certifico se esqueceram algo e se
esqueceram eu guardo, pra poder
devolver pro dono...". E eu:
'pois é moço, mas minha bolsa
tá aqui... que bom!!" E então aparece
um terceiro sujeito no táxi, do nada,
meio alucinado, meio alucinação, dizendo: 'Pois é,
esse táxi é legal, toh sempre aqui
viajando nele. Aprendi a olhar pras
coisas, a perceber melhor a paisagem. Vou
virar paisagista, vou ganhar grana e fama com
paisagismo de tanto que aprendi olhando
as coisas de dentro desse táxi"

volto ao hotel, volto à pequena sala de cinema,
vc ainda está, vejo sua silhueta no
escuro. (corta corta// o tempo passa).
Estamos os dois em uma casa tipo classe média baixa americana, vejo a cena de fora, do quintal. Quem sai da casa sou eu. Estou velhinha, tenho uns 70 anos, cabelos muito brancos e um rosto meio duro, de quem sofreu e não viveu com a intensidade que merecia, queria ou poderia.
Vc sai logo atrás, está velhinho, tem uma cabeleira branca cacheada e meio estranha.
Trocamos resmungos. "Vc sempre me atazanando"..."pois é, e vc também, então para de encher,
porque foi assim a vida toda e não adiantou nada!!"...
Vc vai pra uma espécie de garagem
ou de estufa no quintal, e faz uma cena como se falasse para uma câmera e eu é que estou atrás da câmera (não eu velhinha, eu mesma,
hoje, ansiosa por te ver, por te ouvir). Mas vc não fala nada. Só gesticula, faz que canta, faz
uns gestos suaves, teatrais, tira a parte de cima da cabeleira cacheada, que na verdade é como uma
pequena peruca, mas continua com cabelos bonitos, compridos, grisalhos, cacheados, caindo nos ombros. O seu rosto é bonito, muito bonito. O seu rosto e os seus gestos são de um velho. Que
é um menino... que nunca deixou de ser menino...

eu amo você (digo) ao fim do relato do meu sonho
para mim mesma, já que com quem eu sonho me disse
'então interrompa os sonhos que eu quero ficar na boa'.
eu digo, mas não sei a quem estou dizendo isso.


talvez
a um homem que está em sua terra, olhando o mar.
a um homem que está olhando o mar fora de sua terra,
que nunca teve nenhum mar...


os dois me chamam
os dois choram
os dois se lamentam


exatamente ao mesmo tempo
concretamente
um na tela azul
outro disfarçando a emoção da voz ao telefone (como sempre fez!)


um diz:
não tive vc
não tenho nada
não tive filhos
tenho uma dor e devo tomar comprimidos pra sempre



o outro diz:
não tenho vc
nunca tive nenhuma a quem eu tenha amado
não compreendo bem isso de 'filhos'
não sei sentir




e eu amo os dois
e confundi minha vida pelos dois, duas vezes saí dos trilhos
e da primeira achei que jamais voltaria ao meu próprio lugar!




faço o que agora?
viro gelo? uma vez virei e não morri. mas morri.
viro fogo? ah, isso eu não poderia. não conheço o fogo. nem o rubi.





o que eu posso fazer por agora
é tentar não fugir do amor.
mas também preciso cuidar de mim.


e cuidar de quem me cuida.
de quem sonha comigo
de quem sonha ao meu lado
descobre sem querer os livros onde estão meus segredos

e me protege dos pesadelos que tentam me invadir pelas janelas, enquanto eu ainda não estou pronta...


pouco tempo pra viver.
um montão ainda pra aprender.
mas eu não desisto. não.

Where I'm Anymore disse...

Eu não entendo muito você, Renata. Aliás, não apenas você, mas as pessoas de modo geral: quando a gente se entrega, as pessoas recuam. Qual é a lógica disso? Aguardo uma explicação sua!

Desculpa a demora e o sumiço!

Beijão,

Guilherme

Anônimo disse...

toh meio cansada, estranha. me mandaram desenhos pesados hoje, violentos. humor ácido nas músicas, nos vídeos, nas entrelinhas. tudo se repetindo, mais leve, mas se repetindo. sei que também fui brusca, quase rude, mas foi uma resposta automática, como se o sonho tivesse me indicado que vamos ficando cada vez mais distantes, dizendo aqui o que tem que ser vivido, matando a vida por aqui. andei na chuva ontem, senti o cheiro das plantas molhadas à noite, o asfalto molhado, aquele monte de luzinhas brancas nas árvores, acendendo o chão. mas não chorei. difícil ficar de longe tentando entender... melhor tentar ver aonde vai o sentir. tá estranho. volto quando estiver melhor.


http://www.youtube.com/watch?v=f7vEHqnnGGA

Where I'm Anymore disse...

Pegou pesado, hein Renata! Beleza Americana é o filme da minha vida! Mas não apenas isso: essa cena do saquinho plástico é simplesmente brutal. Ela me causa arrepios. Eu acho muito bonito a Jane, o jeito que ela consola o Ricky quando pega em suas mãos. Quero dizer, ela realmente faz com que ele efetivamente sinta, entende a circunstância.

Mas infelizmente isso é ficção. Mas as ficções muito me comovem, verdade seja dita. Talvez porque minha vida, no fundo, seja uma grande ficção. Você já assistiu ao Descontruindo Harry, do Woody Allen? Tem uma parte que o Harry, personagem que o W. Allen interpreta, fala justamente que não tem habilidade de viver no mundo real, que por isso escreve suas ficções (ele é escritor, no filme). Não digo exatamente que haja uma equivalencia entre o Harry e eu, afinal, eu passo longe de me pretender escritor, mas por outro lado constato que não tenho habilidade nenhuma pra viver nesse mundo real, com pessoas reais. Tudo sempre me parece ilógico. As pessoas dizem querer amor, mas tem medo de serem amadas; querem que você chegue, mas quando chega, elas recuam, recusam. Sempre dão um passo a frente e dez para trás. Eu sou péssimo, interpreto muito mal a mim mesmo, verdade seja dita, mas em todo caso, vejo que tende-se a cobrar muito uma postura que não equivale com o que se diz. Eu entendo cada vez menos, penso cada vez mais, me sinto mais e mais desiludido. Porque simplesmente a vida não acontece. Não consigo conhecer ninguém que tenha a ver comigo e que mais do que isso, seja capaz de me entender, de sacar o que eu sinto, etc. Não há nada espontaneo, bonito. Quando me conhecem se afastam, me acusam. Acho estranho. Enfim. Talvez eu seja um monstro mesmo.

Se cuida!

Beijos e melhoras!

=) disse...

Então, achei muito interessante o que você escreveu sobre o amor.
Acredito sim, que o amor nos leva aos nossos limites, sejam eles com objetivos de vida ou morte. Ele nos leva da glória ao desastre...
Ainda que amor e ódio sejam duas faces da mesma moeda, e nisso eu muito acredito, o amor não deixa de ser um sentimento digno de ser vivido.
O mal entendido sempre existirá, a fala necessariamente precisa de não ser concreta para ser entendida (raiva para mim é diferente de raiva pra você por exemplo)e talvez o amor leve esse não entendimento aos limites, pq falar de amor com o ser amado por si só já é um equívoco, não é?!