segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Alter-Ego ou Quebra-Cabeça (2)

Trapezista - Asas do Desejo

Dando continuidade a esta seção, a faceta da personalidade que explorarei hoje será aquela presente na personagem da Trapezista do filme Asas do Desejo, do Wim Wenders. Antes de mais nada, por indicação da Thais, resolvi alugar o filme Cidade dos Anjos, apesar de sempre ter me negado fazê-lo antes devido a presença de Nicolas Cage em seu elenco. Certo tempo depois resolvi procurar na internet por informações a respeito do filme Paris, Texas, do Wim Wenders quando, num blog, me deparo com o seguinte comentário: mal sabia eu que dois anos mais tarde o Wim Wenders iria me emocionar ainda mais. Fiquei curioso e intrigado em saber o nome e a sinopse de tal filme. Quando procuro a filmografia do Wenders, no referido ano está o título Asas do Desejo. Leio a sinopse e percebo a semelhança com a história presente em Cidade dos Anjos. Procurando mais um pouquinho encontro o motivo real de tal semelhança: Cidade dos Anjos é uma refilmagem de Asas do Desejo. Acabei resolvendo assisti-lo e eis que me deparo com a Thais presente na personagem supracitada.

O que há em comum entre as duas? Acho aque o mesmo que há em comum entre a Thais e a Clarice Lispector: o vazio da alma diante do absurdo da vida; uma certa angústa conformada; uma maturidade desproporcional. Embora todo o filme explore o recurso do fluxo de consciência, com narração dos pensamentos, isso fica muito mais patente nas falas emocionadas da trapezista ao invocar sua solidão e a procura diante dos caminhos impostos pela vida. Há uma dicotomia clara entre a postura dela no contato com o outro e no contato consigo mesma: ser x parecer. A própria metáfora da profissão trapezista reforça a luta pelo equilíbrio entre o ser e o parecer que me parece ser algo tão marcante na Thais e está também presente na personagem Clarissa Vaughn interpretada por Meryl Streep em As Horas. Não que isso signifique falsidade por parte da trapezista (e por consequencia, da Thais), mas sim uma omissão. Diz da própria dificuldade de se fazer bem compreendida por outrém, pelo medo do contato com seu íntimo, pelo próprio medo de se expor. A introspecção ganha um ar de redenção na Thais, de alguma maneira. E é isso que ressoa na trapezista. As cenas em que o seu fluxo de consciência aparecem são extremamente fortes e revelam todo um mundo que dificilmente alguém de fora, apenas de olhar, teria noção de que existiria. Um mundo em erupção precisando vir a tona mas que acaba sendo auto-censurado. Um grito que não sai da garganta. Urgência que tem seu pulso cortado.

As coisas devem ser simples, eu é que complico.

Não. Olhar de fora é sempre mais simples - e as vezes realmente necessário. No entanto, sentir é difícil. Lidar com os outros não é tarefa fácil, Thais. Mas é preciso tentar. Porque é lidando com os outros que conhecemos melhor a nós mesmos. Embora jamais chegemos a uma situação em que nos sintamos plenos, auto-suficientes, preeenchidos, é só no contato com o outro que conseguimos atingir esses pequenos momentos de completude. É isso justamente o que revela a fala final da trapezista, com toda a incoerencia coerente; com toda a incerteza certa; com toda a melancolia alegre, fragilidade forte e beleza em seu primeiro encontro com o anjo-humano.

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