Não é novidade para quem me conhece que eu gosto essencialmente de dois gêneros cinematográficos aparentemente – e isso é bom frisar – antagônicos: os dramas e as comédias. Bem que se diga, algumas das melhores obras a que assisti são aquelas que conseguem aliar de maneira hábil uma carga dramática envolvente e uma boa dose de humor – de preferência bem ácido – receita esta que pode ser encontrada em Beleza Americana, o filme da minha vida até o momento. Porém não será desta vez que tratarei desta magnífica – e no caso de Beleza Americana todo elogio é sempre pouco – obra neste espaço. Na verdade, quero apenas fazer alguns poucos comentários sobre o gênero drama propriamente dito tomando como base os últimos três filmes que vi.
Ainda ontem fiquei me perguntando sobre os perigos que circundam este gênero e cheguei a duas conclusões bastante modestas, que os mais aficionados pela tal ‘sétima arte’ – o que não é exatamente o meu caso, pois a minha relação com o cinema é puramente intuitiva, baseada apenas em critérios estritamente subjetivos de qualidade - provavelmente já devem ter alcançado em um momento ou outro de suas respectivas vidas. O primeiro perigo, portanto, é a busca por um tipo de profundidade excessiva que invariavelmente acaba gerando roteiros com narrativas e diálogos demasiadamente forçados, caracterizando o que se pode chamar de ‘dramalhão’. É nesta categoria que eu encaixaria o filme ‘Minha Vida Sem Mim’, obra cujo título sem dúvida já deve ter enganado muita gente. Em linhas gerais, o filme trata da mesma ladainha já apresentada no clássico da apelação – ou da comoção, como preferirem – Minha Vida, com o ‘Batman’ Michael Keaton, qual seja, o relato de uma protagonista que se descobre com uma doença terminal e, diante disso, ao tomar consciência da fragilidade da vida começa, procura viver intensamente os últimos dias que lhe restam e deixando registros de sua existência antes do último suspiro. Uma espécie de atualização do Carpe Diem produzido apenas e tão somente para gerar lágrimas. Depois de assistir a um filme como esses, totalmente broxante de tão previsível, parece impossível dizer que Adorno e sua turma estavam equivocados em suas constatações.
Mas se existem filmes que apelam para o dramalhão, há também aqueles que incorrem no problema oposto: a total falta de profundidade. Este é o caso de Geração Prozac, cuja única virtude é possuir a belíssima atriz Christina Ricci no elenco – o que, convenhamos, é muito pouco, mesmo que seus dotes artísticos sejam tão qualificados quanto os físicos. Geração Prozac acaba caindo na mesma armadilha de Minha Vida Sem Mim: o título é melhor do que o filme-em-si-mesmo. É interessante frisar que o filme simplesmente não corresponde à sinopse informada no encarte do DVD. Portanto, não há efetivamente uma discussão sobre a validade do uso de anti-depressivos, isto é, se são substâncias que realmente são úteis ou meros paliativos produzidos em larga escala para os problemas do homem moderno. Trata-se de algo tão discrepante, que tudo o que é dito sobre anti-depressivos acontece apenas nos últimos dez minutos de projeção. E nem o nome Prozac é citado, a não ser para dizer que o filme foi feito tendo como base o livro best-seller do mesmo nome – sim, quantidade é qualidade, não? Pra variar, Geração Prozac termina com aquela esperança plástica individualista norte-americana, com o indivíduo racional capaz de controlar seu destino e seus impulsos!
Na ocasião em que aluguei ‘Minha Vida Sem Mim’ e ‘Geração Prozac’, por conta do pouco tempo que teria para assistir a mais filmes, acabei por deixar na prateleira ‘O Mundo de Leland’, provavelmente por não ter um título tão sugestivo quanto os demais - o que apenas atesta a nossa tendência a nos preocuparmos mais com a embalagem do que com o conteúdo, se bem que, no fundo no fundo, talvez seja melhor assim. Em todo caso, assim que tive outra oportunidade de ir à locadora não pensei duas vezes e tratei logo de reparar o meu erro: encontrei a terceira margem do rio. Não se trata de um filme perfeito, posso adiantar logo de cara. Só que há nele algo que o separa tanto dos dramalhões como das farsas: uma visão peculiar sobre a realidade que nos cerca. É a diferença no olhar, na maneira como se capta o que está escancarado a nossa frente o critério que separa o joio do trigo. Ou seja: é menos uma questão de originalidade a mais de autenticidade. O Mundo de Leland é, em alguma medida, parente de ‘O Estrangeiro’, de Albert Camus. Um rapaz numa pequena cidade assassina um deficiente mental, o que, como seria de se esperar, acaba causando um misto de revolta e comoção entre os moradores locais. Para minha grande surpresa, Kevin Spacey – um dos motivos que me levaram a alugar o filme, símbolo de credibilidade para mim, ainda que seus últimos trabalhos tenham deixado a desejar – tem apenas um personagem secundário, cabendo todo o destaque ao seu filho na trama, Leland, interpretado por Ryan Gosling. É de uma situação corriqueira e banal que nasce o poder do filme: a motivação de Leland é posta em segundo plano, até mesmo porque o próprio protagonista parece não conhecê-la ao certo e o que se vê em cena, nos diálogos do réu com seu professor dentro do presídio, são observações bonitas e fortes sobre a vida, sem apelar para clichês otimistas. Talvez o mais bonito do filme seja a capacidade que ele tem de expressar, por meio do absurdo, um certo fatalismo que nos conduz. Um fatalismo que, embora possa soar contraditório, está além da idéia de um destino traçado, pré-moldado. É a partir do ponto de vista deste fatalismo que o tema da hipocrisia ganha relevo e poesia, que o cinema ganha um filme tocante e que o espectador perde o chão. Pra variar, um filme que não tem nada demais e exatamente por conta disso, por fugir das firulas, se torna verdadeiramente grandioso.
Em homenagem ao grande Leland, mais um grande personagem presente a minha galeria de prediletos, segue um poema do igualmente grande Alberto Caeiro:
Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão -
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.
Ainda ontem fiquei me perguntando sobre os perigos que circundam este gênero e cheguei a duas conclusões bastante modestas, que os mais aficionados pela tal ‘sétima arte’ – o que não é exatamente o meu caso, pois a minha relação com o cinema é puramente intuitiva, baseada apenas em critérios estritamente subjetivos de qualidade - provavelmente já devem ter alcançado em um momento ou outro de suas respectivas vidas. O primeiro perigo, portanto, é a busca por um tipo de profundidade excessiva que invariavelmente acaba gerando roteiros com narrativas e diálogos demasiadamente forçados, caracterizando o que se pode chamar de ‘dramalhão’. É nesta categoria que eu encaixaria o filme ‘Minha Vida Sem Mim’, obra cujo título sem dúvida já deve ter enganado muita gente. Em linhas gerais, o filme trata da mesma ladainha já apresentada no clássico da apelação – ou da comoção, como preferirem – Minha Vida, com o ‘Batman’ Michael Keaton, qual seja, o relato de uma protagonista que se descobre com uma doença terminal e, diante disso, ao tomar consciência da fragilidade da vida começa, procura viver intensamente os últimos dias que lhe restam e deixando registros de sua existência antes do último suspiro. Uma espécie de atualização do Carpe Diem produzido apenas e tão somente para gerar lágrimas. Depois de assistir a um filme como esses, totalmente broxante de tão previsível, parece impossível dizer que Adorno e sua turma estavam equivocados em suas constatações.
Mas se existem filmes que apelam para o dramalhão, há também aqueles que incorrem no problema oposto: a total falta de profundidade. Este é o caso de Geração Prozac, cuja única virtude é possuir a belíssima atriz Christina Ricci no elenco – o que, convenhamos, é muito pouco, mesmo que seus dotes artísticos sejam tão qualificados quanto os físicos. Geração Prozac acaba caindo na mesma armadilha de Minha Vida Sem Mim: o título é melhor do que o filme-em-si-mesmo. É interessante frisar que o filme simplesmente não corresponde à sinopse informada no encarte do DVD. Portanto, não há efetivamente uma discussão sobre a validade do uso de anti-depressivos, isto é, se são substâncias que realmente são úteis ou meros paliativos produzidos em larga escala para os problemas do homem moderno. Trata-se de algo tão discrepante, que tudo o que é dito sobre anti-depressivos acontece apenas nos últimos dez minutos de projeção. E nem o nome Prozac é citado, a não ser para dizer que o filme foi feito tendo como base o livro best-seller do mesmo nome – sim, quantidade é qualidade, não? Pra variar, Geração Prozac termina com aquela esperança plástica individualista norte-americana, com o indivíduo racional capaz de controlar seu destino e seus impulsos!
Na ocasião em que aluguei ‘Minha Vida Sem Mim’ e ‘Geração Prozac’, por conta do pouco tempo que teria para assistir a mais filmes, acabei por deixar na prateleira ‘O Mundo de Leland’, provavelmente por não ter um título tão sugestivo quanto os demais - o que apenas atesta a nossa tendência a nos preocuparmos mais com a embalagem do que com o conteúdo, se bem que, no fundo no fundo, talvez seja melhor assim. Em todo caso, assim que tive outra oportunidade de ir à locadora não pensei duas vezes e tratei logo de reparar o meu erro: encontrei a terceira margem do rio. Não se trata de um filme perfeito, posso adiantar logo de cara. Só que há nele algo que o separa tanto dos dramalhões como das farsas: uma visão peculiar sobre a realidade que nos cerca. É a diferença no olhar, na maneira como se capta o que está escancarado a nossa frente o critério que separa o joio do trigo. Ou seja: é menos uma questão de originalidade a mais de autenticidade. O Mundo de Leland é, em alguma medida, parente de ‘O Estrangeiro’, de Albert Camus. Um rapaz numa pequena cidade assassina um deficiente mental, o que, como seria de se esperar, acaba causando um misto de revolta e comoção entre os moradores locais. Para minha grande surpresa, Kevin Spacey – um dos motivos que me levaram a alugar o filme, símbolo de credibilidade para mim, ainda que seus últimos trabalhos tenham deixado a desejar – tem apenas um personagem secundário, cabendo todo o destaque ao seu filho na trama, Leland, interpretado por Ryan Gosling. É de uma situação corriqueira e banal que nasce o poder do filme: a motivação de Leland é posta em segundo plano, até mesmo porque o próprio protagonista parece não conhecê-la ao certo e o que se vê em cena, nos diálogos do réu com seu professor dentro do presídio, são observações bonitas e fortes sobre a vida, sem apelar para clichês otimistas. Talvez o mais bonito do filme seja a capacidade que ele tem de expressar, por meio do absurdo, um certo fatalismo que nos conduz. Um fatalismo que, embora possa soar contraditório, está além da idéia de um destino traçado, pré-moldado. É a partir do ponto de vista deste fatalismo que o tema da hipocrisia ganha relevo e poesia, que o cinema ganha um filme tocante e que o espectador perde o chão. Pra variar, um filme que não tem nada demais e exatamente por conta disso, por fugir das firulas, se torna verdadeiramente grandioso.
Em homenagem ao grande Leland, mais um grande personagem presente a minha galeria de prediletos, segue um poema do igualmente grande Alberto Caeiro:
Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra coisa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão -
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.
3 comentários:
rapaz..sempre quis ver esse geração prozac.
Acho que tô pegando ele por torrent aqui faz umas duas semanas.
mas mesmo sendo um filme ruim, pelo menos tem a christina ricci hehe!
Ah, vou baixar ' o mundo de leland'.
-- zzzzzzzzzzzzzzzzz
-- ei Tereza, tá dormindo? dorme não! a vida é cheia de coisas pra se reparar e conversar e debater e preciso te falar que...
-- hein? me acordou pra quê? tava melhor dormindo.
-- desculpa aí, então... mas antes de voltar a dormir, queria te pedir pra parar de invadir a casa do vizinho todo dia. O cara veio reclamar aqui, disse que uma vez por semana, por mês, por ano, é até legal, mas todo dia pesa...o vizinho tá lá na dele, vendo seus próprios vídeos e discos chatos. Deixa ele na dele, Tereza, é um cara fechadão,mas é tranquilo, dorme de porta aberta, não quer se trancar mais uma vez pra evitar vizinhos como vc, que não sacam que pra tudo tem um certo limite
--hein? toh com sono, o corpo doendo... sem sermão, tá bom? e não toh muito mais a fim mesmo de visitar a trolha do vizinho.Só preciso esgotar minha curiosidade, toh quase lá. Além disso, a água dele, sem gelo na geladeira.Café fraco no fogão, outro dia encontrei até uma baratinha no bule. Músicas e filmes chatos. Livros também.
-- não quero saber da vida nem dos gostos do vizinho, na boa.Pra isso assino uma revista semanal, que tem críticos ótemos e outro dia achei lá um conto muuiito bacaninha, sabe? Só acho que ele tem direito de ter sossego, privacidade. E penso que ele não quer gritar isso pra ti, não me parece ser alguém que ache legal ter de gritar pra ser ouvido
-- olha, peguei na cabeceira dele um trecho marcado do Kundera (best seller, chatinho hahaha). 'A morte de Karenin'. Caramba. Eta texto melodramático, o cara descreve a morte da cachorra, a cachorra morre de câncer, aiaiai, detesto melodramas assim, e além disso...
--Tereza, me faz um favor? pq vc não vai à merda?
abs
Ana Maria
bacana o seu espaço
Renata, Renata.
Eu queria apenas entender o que você quer de mim com todos esses seus comentários ambíguos cheio de ataques estranhos e despropositados. Não que eu ache que sejam mal intencionados, mas eu apenas não consigo entender absolutamente nada.
Se você não gosta do que eu escrevo, se sente incomodada, se acha agressivo, se minhas opiniões são estúpidas, oras, por que você ainda frequenta este lugar? Isso é o que eu acho mais fascinante: ver o quanto as pessoas procuram, insistem naquilo que as fere. Porque infelizmente eu não vou me mudar, sou o que sou e vou continuar a escrever sobre o que se passa comigo. Esse é o compromisso e a razão de ser deste blog, ué. Imagina só se eu tiver que falar coisas com as quais eu não concordo, que eu não vejo adequação com o que eu sinto? Apenas não estarei sendo eu mesmo - seja lá o que isto signifique. Você quer que eu seja quem? Essa é a pergunta que eu tenho que fazer a todos, ao que parece. Bem ou mal, eu sou eu e apenas sei ser apenas eu mesmo. Só que no fundo todo mundo quer moldar todo mundo, condicionar, como ratinhos de laboratório. E quando isso não acontece, adora falar coisas como 'por que tudo tem que ser do seu jeito?'. Não existem jeitos certos ou errados, mas compatíveis, desejáveis e ponto final. Talvez no fundo no fundo todos sejamos totalmente incompatíveis, mas não queiramos admitir isso para tentar nos salvar de nossa solidão. Eu tenho realmente o direito, que eu saiba, de achar o tipo de enquadramento dado ao Minha Vida Sem mim um dramalhão barato e batido. O mesmo tema pode ter abordagens mais inteligentes. Vide o Invasões Bárbaras. Mesmo fio, mesmo pretexto, só que lá o drama da finitude é abordado de maneira muito mais bonita, realmente comovente. Da mesma maneira que no Insustentável Leveza do Ser a morte da cachorrinha faz sentido dentro da trama. Enfim.
Um abraço.
Guilherme.
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