segunda-feira, 22 de junho de 2009

Um túnel.

Foi uma espera interminável. Não sei quanto tempo passou nos relógios, desse tempo anônimo e universal dos relógios, que é alheio aos nossos sentimentos, aos nossos destinos, a formação ou ao desmoronamento de um amor, à espera de uma morte. Mas de meu próprio tempo foi uma quantidade imensa e complicada, cheio de coisas e voltas atrás, um rio obscuro e às vezes tumultuoso, outras vezes estranhamente calmo e quase mar imóvel e perpétuo onde Maria e eu estávamos frente a frente nos contemplando estaticamente, e outras vezes voltava a ser rio e nos arrastava como em um sonho aos tempos de infância e eu a via correr desenfreadamente em seu cavalo, com os cabelos ao vento e os olhos alucinados, e eu me via em meu vilarejo do sul, em meu quarto de doente, com o rosto colado ao vidro da janela, olhando a neve com os olhos também alucinados. E era como se nós dois houvéssemos estado vivendo em dois corredores ou túneis paralelos, sem saber que caminhávamos um ao lado do outro, como almas semelhantes em tempos semelhantes, para nos encontrarmos ao final daqueles corredores, diante de uma cena pintada por mim, como chave destinada tão somente a ela, como um secreto anúncio de que eu já estava ali e que os corredores haviam por fim se unido e que a hora do encontro havia chegado.

A hora do encontro havia chegado! Mas... os corredores haviam realmente se unido e nossas almas haviam se comunicado? Que estúpida ilusão minha havia sido tudo aquilo! Não, os corredores continuavam paralelos como antes, embora agora o muro que os separasse fossem como um muro de vidro, e eu pudesse ver Maria como uma figura silenciosa e intocável... Não, nem sequer aquele muro era sempre assim: às vezes voltava a ser de pedra negra e, então, eu não sabia o que estava acontecem do outro lado, que era feito dela naqueles intervalos anônimos, que estranhas coisas estariam acontecendo; e até pensava que naqueles momentos seu rosto mudava e que um esgar de escárnio o deformava e que talvez houvesse risinhos cruzados com um outro e que toda a história dos corredores era uma ridícula invenção ou crença minha e que em todo caso havia um só túnel, obscuro e solitário: o meu, o túnel em que havia transcorrido minha infância, minha juventude, toda minha vida. E, em um daqueles trechos transparentes do muro de pedra, eu havia visto aquela mulher e havia acreditado ingenuamente que vinha por outro túnel paralelo ao meu, quando na verdade pertencia ao vasto mundo, ao mundo sem limites dos que não vivem em túneis; e talvez havia se aproximado por curiosidade de uma de minhas estranhas janelas e havia entrevisto o espetáculo de minha irremediável solidão, ou a havia intrigado a linguagem muda, a chave de meu quadro. E então, enquanto eu avançava sempre por meu corredor, ela vivia lá fora sua vida norma, a vida agitada que levam essas pessoas que vivem lá fora, essa vida curiosa e absurda na qual há bailes e festas, alegria e frivolidade. E ás vezes acontecia que, quando eu passava frente a uma as minhas janelas, ela estava me esperando muda e ansiosa (por que me esperando? por que muda e ansiosa?); mas às vezes acontecia que ela não chegava a tempo ou se esquecia deste pode ser encaixotado, e então eu, com o rosto apertado contra o muro de vidro, a via ao longe sorrir ou dançar despreocupadamente ou, o que era pior, não a via em absoluto e a imaginava em lugares inacessíveis ou absurdos. E então sentia que o meu destino era infinitamente mais solitário do que eu havia imaginado.

(O Túnel, Ernesto Sábato)

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