Minha vida em geral é marcada por recorrências. Como eu gosto de brincar, um eterno retorno do eterno retorno, quero dizer, as fôrmas coincidem, os percursos são cíclicos. Nessa infindável sucessão de repetições, vira e mexe o tema da felicidade volta à tona. De fato é impossível fugir do mesmo, até porque o tipo de consciência ocidental do qual faço parte acaba tendendo a conceber a vida enquanto uma incessante procura pela felicidade. E esse detalhe é, com efeito, o mais intrigante: até hoje essa idéia cola, faz sentido. O que quero dizer com isso é que existe uma crença implícita que sustenta toda uma estrutura vital presente em grande parte das pessoas do referido ocidente, qual seja, ‘um dia se encontrará um ponto do percurso em que os problemas serão suspensos e, diante disso, será atingido um estágio de felicidade plena, algo como um retorno a mítica idade do ouro’. Mesmo pessoas que afirmam não acreditar em tal possibilidade acabam por se contradizer: troca-se a palavra felicidade por sua irmã gêmea, a harmonia. Na prática, o que se deseja é a mesma coisa – algo que não existe e que se existisse seria o mais amargo dos remédios. Diante disso, é de se espantar a capacidade das pessoas de, a todo custo, tentarem negar os seus próprios sentimentos, a dor que é correlata e que, inclusive, sustenta a própria noção de felicidade. Essa apologia a felicidade é tão grande, é tão imensa e forte, que muitas vezes as pessoas sequer têm dimensão do que seja realmente tal estado. A felicidade, por definição, é uma inconsciência – não nos ditames psicanalíticos – um não saber, até porque a consciência é sempre posterior ao ato, de modo que jamais se pode afirmar com certeza algo como ‘eu sou feliz’. A felicidade não é, mas na verdade está, e com freqüência, muitas vezes não sabemos onde esteve ao certo. Duas conversas hoje – circulares, para variar – me fizeram novamente pensar sobre este assunto. Na primeira delas, com a querida amiga Desireê, apresentei uma alegoria que expressa bem a supracitada inconsciência da felicidade: ‘se você parar para pensar, quando a gente não está com dor de cabeça, a gente não reflete sobre isso, toma como algo natural que não é digna de uma celebração particular; em compensação, quando se tem dor de cabeça, a gente sabe na hora que não está bem, porque o incômodo provoca reflexão’. Agora à noite, em conversa com o Tio Beto, por ocasião da morte do Michael Jackson, o tema foi novamente retomado: ‘quem vê a vida dele de fora não entende praticamente nada, diz que ele tinha tudo e que não soube aproveitar a felicidade que tinha a disposição’. E ao que me parece, se teve uma coisa que toda a megalomania do Michael Jackson - por quem, aliás, eu tenho alguma admiração, ainda mais em comparação com a farsa chamada Madonna, esta sim muito ‘inteligente’ porém completamente limitada no que me interessa, a música – mostra e reforça é que a crença do ponto G de felicidade – ou GF, ou ainda de forma mais direta F - ainda é enorme. O dinheiro, o sucesso e a fama são as últimas das ilusões. Ter acesso a essa condição apenas serve para esfregar na cara de quem a tem a impossibilidade de tal perpétuo contínuo, o que revela a fragilidade dos seres humanos. Nesse ponto, Michael Jackson novamente é exemplar: tivemos a oportunidade de testemunhar por intermédio da mídia a perfeição da imperfeição, quero dizer, vida de um homem e não de um mito – por mais que as próximas gerações acabarão por vê-lo desta maneira, pois morreu a tempo de conseguir sua tão querida e verdadeira imortalidade. Num esforço generalista, eu me arriscaria a dizer que o saldo da vida de todas as pessoas deste globo terrestre obtido na relação entre a quantidade de felicidade que elas obtiveram e a quantidade de tristeza vivida, acaba sendo igual ou ao menos bem próxima de zero. Em condições especiais como, por exemplo, em estados de pobreza extrema isto talvez não se aplique – ou igualmente se aplique: quando a vida se resume a sobrevivência, não se medita sobre a natureza da felicidade, mas clama-se apenas pela próxima refeição, que por si só é uma concretização absoluta – e inconsciente - da mesma felicidade. Retornando novamente ao saldo nulo, isto não é primordialmente um problema. O problema verdadeiro é saber reconhecer e valorizar a felicidade enquanto esta se desenrola. E isso acontece mesmo nos momentos mais improváveis e, até mesmo, paradoxais. Vide hoje os balanços que tive com a Desireê e o Tio Beto – ainda que naquele momento não me desse totalmente conta, fui feliz, me realizei, por mais que os assuntos tratados não fossem exatamente os mais agradáveis ou felizes. Ter alguém para quem reclamar, alguém que te ouve e gosta de estar ao seu lado é uma felicidade secreta, um privilégio eu diria. Não precisar usar máscaras, não precisar ter pudor ou medir as palavras, quer dizer, ter a liberdade de ser você mesmo – mesmo não sabendo nunca o que realmente se é de fato – não deixa de ser algo louvável. São dessas felicidades ocultas que eu digo, momentos estes que se é feliz sem saber - e que com freqüência escorrem, vão para a lata do lixo. O tudo que é nada: a felicidade é uma mentira / e a mentira é a salvação.
sexta-feira, 26 de junho de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário