quinta-feira, 29 de maio de 2008

Um final sem um fim.

Ele se sentou à margem e esperou. E, como se sabe, toda espera guarda um limite, uma possibilidade, um quase – mesmo que tudo isso não passe de projeções alucinadas de um estado de pura blindagem interior. Diferente do que faz habitualmente, hoje ele resolveu não colocar uma barreira entre seus ouvidos e o mundo. Decidiu sair do seu mundo – embora não tenha saído efetivamente dele, ou talvez, com isso, tenha apenas tentado se aprofundar ao máximo em seu universo.

Esperou. E esperando permaneceu à margem. Esperou exatamente aquela espera que faz com que a estrada cumpra sua função de existir. Ficou imóvel. Pelo menos aparentemente, enquanto o que estava dentro se movimentava bruscamente, tentando se expulsar daquele limite tão frágil. De qualquer modo, apesar de todas as inconstâncias da sua respiração, havia certa serenidade em sua expressão. Talvez fingida, como eventualmente um ou outro riso que escapara naqueles momentos em que o fim parecia tão próximo.

Mas o fim não estava próximo. Porque no exato momento seguinte ele se dava conta que cada segundo parecia o começo de uma nova espera. O riso dissimulado não se modificava embora seu sentido, inapreensível como de costume, agora beijasse as mãos do desespero. Olhava quase que maquinalmente para seu relógio de pulso, por mais que soubesse que aquela informação não apontava para lugar algum. Tratava-se de uma espera sem saber exatamente o que se pretendia encontrar. Portanto não importava para ele que os dias passassem, que as estações se alterassem, que as horas corressem. Era inútil como o vento que tocava seu rosto. O tempo era sempre o mesmo tempo, embora revestido de maneiras distintas. Mas ainda assim, talvez por uma séria distração, ele não parava de olhar para o relógio até que, depois de muito tempo, ele mesmo, para os que passaram a ver aquela estranha condição, passou a ser um marcador de tempo.

Aquela espera tinha feito dele algo vivo por mais que efetivamente parecesse morto. A barba crescia. O cabelo crescia. As unhas cresciam. Mas sua vida – e não o seu tempo - parecia se contrair. De repente sem que ele se desse conta, da margem ele passou a ser o centro da atenção daqueles mesmos curiosos transeuntes que, incomodados, deram pela sua existência. Alguns alvoroçados o contemplavam como quem encontrasse a salvação, como quem sugerisse um caminho. Seria ele o novo messias? Tudo que se procura é justamente alguma mão, não é mesmo? No entanto, apesar dessa mudança, ele permanecia indiferente. Apenas se limitava a esperar, sentado, preso ainda à margem.

Olhava ao redor e não conseguia enxergar nada além de cores. Tudo eram cores, nada mais. Eventualmente esboçava alguns gestos que aqueles que o seguiam tentavam atribuir algum tipo de significado oculto a procura de alguma resposta. Nada além de gestos sem propósito que procuravam contornar o desgaste de seu corpo. O desespero dele aos poucos foi encontrando eco naqueles que o olhavam. A espera, com isso, parecia dividida embora ninguém ali se atrevesse a dizer o que esperavam diante daquele fato. Simplesmente esperavam. E pouco a pouco mais e mais pessoas comungavam com ele e aquela espera.

Um dia, olhou para seu relógio de pulso e notou que o mesmo, de repente, havia parado de funcionar. E pela primeira vez desde aquele dia que sua espera começou ele conseguiu distinguir formas entre as cores. Com isso ele percebeu a enorme quantidade de pessoas que estavam a seu redor. Achou estranho, evidentemente, afinal, em toda a sua vida não conseguia estabelecer quase nenhuma forma de comunicação com outro coração. Tentava e não adiantava. Faltava algo sempre. E agora lá estava ele perdido entre diferentes corações, em meio a tantas expectativas que não conseguiam encontrar propósito. E lá estava ele no centro daqueles corações que nada sabiam do sangue que circulava no seu. Havia apenas um silêncio compartilhado como se nele contivesse mais sentido que em qualquer palavra falada.

Foi quando, para a surpresa da multidão, ele se levantou. Todos os que estavam a seu redor apenas o olharam lentamente se dirigir para fora daquele furacão. Em seu lugar, apenas restou o olho, um vazio, o ponto central da circunferência. Ali pela metade do raio, ninguém mais conseguia distingui-lo entre as demais pessoas que se encontravam no lugar. Na presença, todos se pareciam na ausência. No entanto no olho do furacão era como se ele jamais tivesse saído dali; parecia haver magia e esperança para aquele tanto de gente que estava esperando. Para essas pessoas a espera finalmente havia conseguido encontrar algum fim – embora não se dessem conta de que nada havia mudado efetivamente em suas vidas. Mas ainda assim os mesmos passaram a se sentir um pouco maiores.

Já distante ele, ainda confuso, não entendia o que acabara de presenciar. Nada havia se modificado dentro daquele corpo até o momento em que ele, ao ver que uma jovem havia deixado cair sua bolsa no chão, pegou seu empecilho e correu em sua direção, para devolvê-lo. Sequer teve tempo para ter consciência de que ali a sua espera havia chegado ao fim. Um outro homem, mais atrás, confrontando sua aparência com a delicadeza da bolsa, apenas deduziu. Não bastou mais do que uma dedução e o sangue escorreu pela calçada. Enquanto isso, aquelas pessoas que o acompanharam por tanto tempo deixavam o centro se dirigindo à margem de suas vidas. No meio do caminho da volta dos cegos preenchidos havia, no centro, apenas um corpo inerte, vazio.

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