terça-feira, 6 de maio de 2008

Alter-Ego ou Quebra-Cabeça (3)

Jane Burnham – Beleza Americana

Jane...
Jane...
Jane...

O retorno desta seção não poderia ter um pretexto melhor. Olhar para a Jane é um verdadeiro convite a se enxergar a Thais. Já faz um bom tempo que penso em traçar um paralelo entre as duas mas não por conta do óbvio ululante: a semelhança estética entre ambas, que salta aos olhos. Há, nas entrelinhas, uma relação muito particular entre essas duas figuras, a meu ver expressa em alguns momentos por relações e posturas tanto diferentes que possuem um significado mais geral bastante próximo. Sendo assim, vamos começar pelo que é mais evidente: a insegurança.

Insegurança é uma faca de dois gumes, a meu ver: ela pode tanto guardar um determinado charme, quando dá as mãos a volubilidade, quanto pode seguir no sentido diametralmente oposto, tendo um efeito completamente negativo. Felizmente tanto as duas personagens de quem tenho o privilégio de comentar sabem filtrar bem essa característica de modo a usá-la como um fator propulsor, ou melhor, sedutor. A insegurança que por vezes as duas tentam mascarar acaba por ser envolta por um ideal de mistério que as faz com que quem está de fora as queiram decifrar. E quando se tem a oportunidade de conhecer mais afundo a intimidade desse tipo de personagem, percebe-se a sua complexidade. É nesse ponto que Jane e a Thais novamente se entrelaçam: há em ambas a dicotomia fragilidade x maturidade. Por trás dessa insegurança há exatamente um paradoxo um maior o que torna essas pessoas tão interessantes. Particularmente se existe algo que eu gosto na Thais, que se aplicaria também a Jane caso ela extravasasse o limite da tela, seria uma total adequação em sua conduta para cada tipo de situação que se coloca a sua frente: tem humor quando se precisa; sabe ser séria; sabe ser profunda; sabe fazer pirraça; mas faz tudo isso de acordo com o que o momento pede o que a faz uma companhia extremamente agradável, fugindo do lugar comum da pessoa rasa e da pessoa cult. Tudo se liga nesse ponto de insegurança. Uma cena bonita quanto a isso, dentro do Beleza Americana diz do momento em que Ricky, em sua casa, consegue fazer com que Jane consiga se sentir bonita a ponto de mostrar para ele seus seios, parte de seu corpo que até então ela não gostava. De alguma forma essa insegurança quanto a aparência, ainda que diluída, está presente na Thais também, afinal, o parâmetro de beleza acaba sendo atravessado pelo olhar de aprovação ou reprovação de outra pessoa. Sobre esse ponto a beleza, muito mais do que um dado puramente concreto, diz de um sentimento sobre si mesmo com base em suposições dos que o cercam. Apenas para constar, reiterando a semelhança física entre a Thais e a Jane, as duas possuem um padrão de beleza que até então foge de um padrão dominante de uma busca pelo corpo perfeito, cheio de medidas precisas e sacrifícios. No entanto aquela beleza que verdadeiramente seduz e tortura está presente nas duas, porque, conforme eu já disse, elas são corpos que contém em sim mais do que corpos propriamente ditos. Há vida. Sim, há uma vida que dilacera e faz delas seres completos.

Dando prosseguimento, agora com ligações tanto quanto menos nítidas, há no filme uma tensão existente entre a personagem Jane e seus pais. Esse fato ao que me consta não pode ser transposto para a Thais, pelo menos de uma forma tão forte e direta quanto mostrada pelo filme. Só que por trás disso, sobretudo na vontade de Jane assassinar seu pai, há o que a liga à Thais: certa carência. Ok, é muito fácil fazer uma ligação dessas pois no fundo no fundo todos nós seres humanos somos seres de falta, como na concepção freudiana, e, portanto carentes. Só que, a meu ver, existem certos graus de carências, mais ou menos visíveis, explícitos. E nesse ponto há uma equivalência na carência entre a Jane e a Thais, que acaba sendo forte mas discreta, velada, até por conta de preocupação que ambas tem em tentar invisibilizar suas inseguranças. O que as duas querem, não apenas de seus respectivos pais, mas das pessoas que a cercam é um pouco de atenção e confiança. Isso me lembra um verso de Auto-Paparazzi, música do Violins: mas sei que você precisa de mais, só um pouco mais de atenção. Por outro lado, as duas também possuem um gênio forte e são desconfiadas o que pode dificultar uma aproximação de alguém de fora. Isso pode ficar claro pelo fato de que tanto a Jane quanto a Thais, em condições, digamos, rotineiras, costumam falar menos e escutar mais. Um desafio interessante é tentar fazer com que elas tomem a palavra, expressem o que estão sentindo, o que demanda justamente confiança e a já citada atenção, afinal, são pessoas que se revelam tímidas. Continuando essas considerações, vale a pena perceber também um esforço de ambas em se construir uma identidade própria, autônoma, independente de modismos ou de convenções já consolidadas, cada qual à sua maneira. Exemplo disso é a maquiagem forte que costumam utilizar. Há nelas uma imperfeição assumida, de certa maneira, o que também contribui para a questão da insegurança.

Outro ponto que me chama atenção é uma tendência das duas a, por vezes, negar o que se sente. Isso fica claro quando Jane, no início do filme, tenta esconder de Ângela e de si mesma uma atração que ela teve por Ricky, temendo ser censurada pela amiga. A Thais, de certa maneira, também as vezes acaba incorrendo nesse mesmo caso até que, em um dado momento, acaba aceitando o que se está sentindo, ainda que talvez não o faça de maneira explicita.

Por fim, reservo a cena mais bonita do Beleza Americana, qual seja, o encontro de Jane com Ricky no qual eles vêem a cena do saquinho plástico, para tocar em duas questões centrais presentes na supracitada Jane, bem como na Thais: a sensibilidade em relação à força. É incrível como essas duas personagens são extremamente sensíveis e fortes ao mesmo tempo. A maneira como a Jane suporta o Ricky enquanto este está compenetrado com a cena do filme diz muito da forma como a Thais leva a sua vida. É uma pessoa que embora não se dê conta possui uma força tremenda, uma capacidade simplesmente infindável. Ao mesmo tempo, sua força não é bruta – embora possa ser – mas tem toques de pincel, bastante pontuais, precisos, delicados e, por que não, singelos. Na corda bamba, a Thais se equilibra, ora envergando para um lado, ora par o outro, mas sempre guardando dentro de si uma força sincera que coexiste ao lado de sua fraqueza. Só que, ao contrário de algumas pessoas, ela entende o momento em que precisa ser forte e aquelas em que não é possível – embora nesses últimos precise saber que não há motivo para ter vergonha, ou algum medo. Por mais que a estrada invariavelmente seja tortuosa, há sempre beleza no percurso, que longe de ser um ‘anti-climax’ torturante, ao contrário disso se revela como sendo o verdadeiro clímax. E disso eu tenho certeza que a Thais sabe.

Um comentário:

Anônimo disse...

cause there's beauty in the breakdown.
agora eu entendi...