Pois então, eu agüentei. Mas não gosto de contar isso a ninguém, não gosto de tirar a fé das pessoas, a fé num lindo equívoco, que origina tantos sofrimentos, mas também muitas coisas maravilhosas: atos heróicos, obras de arte, esforços humanos extraordinários. Você se acha num estado de espírito desses, eu sei. Ainda assim quer que eu diga?…
Bem, se você quer. Mas depois não fique zangada comigo. Veja, querida, Deus me surrou e me castigou com isso, com o fato de que eu descobri e suportei e não morri. O que descobri?… Bem, que não existe mulher de verdade.
Um dia despertei, sentei na cama e sorri. Nada mais doía. E de súbito compreendi que não existe mulher de verdade. Nem na terra nem no céu. Não existe em lugar algum, aquela. Existem apenas pessoas, e em todas há um grão da verdadeira, e nenhuma delas tem o que do outro nós esperamos e desejamos. Não existe pessoa completa, e não existe aquela, a única, a maravilhosa, plenamente satisfatória, excepcional. Existem apenas pessoas, e em cada pessoa existe também tudo, dejeto e luz, tudo… Lázár sabia disso quando à porta da sua casa eu me despedi e ele silenciou, sorriu, porque eu disse que ia embora e procuraria a mulher de verdade para o meu marido. Ele sabia que ela não existe em lugar algum… Mas ele calou, e depois foi para Roma e escreveu um livro. No final, os escritores sempre fazem isso.
Meu marido, coitado, não era escritor; era um burguês e um artista que não tinha uma forma de expressão. Por isso sofria. E, quando um dia apareceu Judit Áldozó, que ele acreditava ser a mulher de verdade, e ela usava colônia Atkinson e disse, meio à inglesa, no telefone: “Hello!”, nós nos separamos. Foi uma separação difícil, como eu disse, levei embora até mesmo o piano.
Ele não se casou com ela logo, mas somente depois de um ano. Como eles vivem?… Acho que bem. Você viu há pouco, ele estava levando cascas de laranja cristalizada para ela.
Só que ele envelheceu. Não muito, mas de um modo triste. Que acha, ele já sabe?… Receio que seja tarde quando descobrir; nesse meio-tempo a vida terá passado.
Veja, eles vão fechar mesmo.
Sim?… O que você está perguntando? Por que eu chorei há pouco, quando o vi? Se um dia passa a não existir mais a mulher de verdade e tudo acaba e a gente se cura, por que comecei a passar pó no rosto quando ouvi que ele ainda guardava a carteira de crocodilo? Espere, vou pensar. Acho que sei a resposta. No meu constrangimento, comecei a passar pó no rosto porque a mulher de verdade não existe, porque as ilusões passam, mas eu gosto dele, e isso faz toda a diferença. Quando gostamos de uma pessoa, o coração bate forte sempre que ouvimos falar nela ou a vemos. Na realidade, acredito que tudo passe, a não ser o amor. Mas isso não tem mais nenhum significado prático.
Um beijo, querida. Terça que vem de novo aqui, você quer?… Conversamos tão bem. Por volta das seis e quinze, se for bom para você. Não muito mais tarde. Eu certamente estarei aqui às seis e quinze.
Bem, se você quer. Mas depois não fique zangada comigo. Veja, querida, Deus me surrou e me castigou com isso, com o fato de que eu descobri e suportei e não morri. O que descobri?… Bem, que não existe mulher de verdade.
Um dia despertei, sentei na cama e sorri. Nada mais doía. E de súbito compreendi que não existe mulher de verdade. Nem na terra nem no céu. Não existe em lugar algum, aquela. Existem apenas pessoas, e em todas há um grão da verdadeira, e nenhuma delas tem o que do outro nós esperamos e desejamos. Não existe pessoa completa, e não existe aquela, a única, a maravilhosa, plenamente satisfatória, excepcional. Existem apenas pessoas, e em cada pessoa existe também tudo, dejeto e luz, tudo… Lázár sabia disso quando à porta da sua casa eu me despedi e ele silenciou, sorriu, porque eu disse que ia embora e procuraria a mulher de verdade para o meu marido. Ele sabia que ela não existe em lugar algum… Mas ele calou, e depois foi para Roma e escreveu um livro. No final, os escritores sempre fazem isso.
Meu marido, coitado, não era escritor; era um burguês e um artista que não tinha uma forma de expressão. Por isso sofria. E, quando um dia apareceu Judit Áldozó, que ele acreditava ser a mulher de verdade, e ela usava colônia Atkinson e disse, meio à inglesa, no telefone: “Hello!”, nós nos separamos. Foi uma separação difícil, como eu disse, levei embora até mesmo o piano.
Ele não se casou com ela logo, mas somente depois de um ano. Como eles vivem?… Acho que bem. Você viu há pouco, ele estava levando cascas de laranja cristalizada para ela.
Só que ele envelheceu. Não muito, mas de um modo triste. Que acha, ele já sabe?… Receio que seja tarde quando descobrir; nesse meio-tempo a vida terá passado.
Veja, eles vão fechar mesmo.
Sim?… O que você está perguntando? Por que eu chorei há pouco, quando o vi? Se um dia passa a não existir mais a mulher de verdade e tudo acaba e a gente se cura, por que comecei a passar pó no rosto quando ouvi que ele ainda guardava a carteira de crocodilo? Espere, vou pensar. Acho que sei a resposta. No meu constrangimento, comecei a passar pó no rosto porque a mulher de verdade não existe, porque as ilusões passam, mas eu gosto dele, e isso faz toda a diferença. Quando gostamos de uma pessoa, o coração bate forte sempre que ouvimos falar nela ou a vemos. Na realidade, acredito que tudo passe, a não ser o amor. Mas isso não tem mais nenhum significado prático.
Um beijo, querida. Terça que vem de novo aqui, você quer?… Conversamos tão bem. Por volta das seis e quinze, se for bom para você. Não muito mais tarde. Eu certamente estarei aqui às seis e quinze.
(De Verdade, Sandor Márai)
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