1) Grandes Infiéis, Violins (2005)
Mais do que nunca a pergunta que cabe nesse momento é simples e direta: o que um disco precisa para ser considerado o mais importante de toda uma década? Coloco na roda este questionamento porque Grandes Infiéis não tem absolutamente nada de revolucionário em termos de estrutura melódica (olá Animal Collective!), não tem nenhuma dose de experimentalismo vanguardista (olá Radiohead!), nem interpretações ‘pseudo-intensas’ (olá Arcade Fire!), não foi nenhum furor nas pistas de dança (olá Franz Ferdinand!) muito menos foi capaz de causar qualquer tipo de rebuliço no comportamento juvenil (olá Strokes!) – embora talvez como nenhum outro disco lançado na década falasse tão diretamente aos jovens. Evidentemente disso depreende-se que não foi um disco aclamado nem junto ao público, muito menos junto a crítica – o que em nenhum dos dois casos faz lá grande diferença. Oras, talvez vocês se perguntem 'o que há então de tão impressionante nesse álbum que justifique tal colocação'? Eu diria que o elementar: grandes canções. Simples assim, afinal, quando se tem o elementar não é preciso se utilizar de efeitos especiais para cobrir as inconsistências de roteiro. Grandes Infiéis nada mais é do que um disco de ROCK e este é exatamente o seu maior trunfo. Quem me conhece provavelmente não é capaz de entender a surpresa que é para mim mesmo chegar a conclusão de que o segundo cd dos goianos do Violins é nada mais nada menos do que o disco mais importante dessa década. Uma surpresa em todos os sentidos a começar pelo fato de que em meio a uma gama insondável de títulos estrangeiros os dois melhores trabalhos são nacionais. Para vocês terem uma noção, a minha idéia inicial era de fazer duas listas separadas contendo de um lado apenas bandas que cantam em inglês – porque eu realmente não tenho lá grande simpatia com outros idiomas ou murmúrios alienígenas (Olá Sigur Rós e Björk!) – e de outro aquelas que têm como língua de origem o português. No entanto, quando eu fiz uma pré-seleção eu percebi um fato inusitado: seria injusto fazer duas listas porque elas não dariam a dimensão mais correta do que esta década tinha significado. Em outras palavras me chamava atenção que embora houvesse uma safra de música nacional bastante produtiva nesta década, Ventura e Grandes Infiéis tinham uma qualidade muito acima dos demais dos discos. Ou seja, entre o segundo lugar e o terceiro havia um enorme abismo. Por outro lado estes discos eram tão, mas tão espetaculares que eram melhores, inclusive, do que os discos em entoados em inglês - fato realmente espantoso (para não dizer um verdadeiro sacrilégio) se considerarmos que no início da década eu sequer gostava de música nacional! Continuando com algumas curiosidades relativas a minha surpresa, lembro-me perfeitamente bem de quando tive acesso as primeiras músicas do Grandes Infiéis, disponibilizadas pelo site da banda em meados de 2005. Eram Hans e Atriz. Foi uma decepção total: ‘nossa, erraram a mão’! Simplesmente não havia nenhuma ligação com o trabalho anterior da banda, o rebuscado mas não menos excepcional Aurora Prima - cuja beleza eu finalmente havia assimilado naquela época e por isso mesmo aguardava o segundo petardo do Violins com alguma expectativa. O tempo passou e foi apenas no final do ano que eu finalmente consegui encontrar o disco para baixar no Soulseek. Àquela altura eu acreditava que ninguém mais seria capaz de tirar das mãos de 4, disco dos meus queridos Hermanos, o título de melhor disco nacional de 2005. E de fato ninguém tirou mesmo: eu simplesmente não conseguia aceitar que Grandes Infiéis era superior mesmo contra todas as evidências! Só que chega uma hora que a gente não consegue mais se enganar: o número de audições não mente jamais. O problema é que com o tempo eu fui percebendo que Grandes Infiéis não era apenas melhor do que ‘4’: tratava-se de um disco do nível do Ventura – até então nada mais nada menos do disco da minha vida. E foi nesse lugar que o disco figurou por um bom tempo dentro do meu catalogo afetivo até que finalmente eu pudesse aceitar: ‘Tá bom eu desisto, o Grandes Infiéis é verdadeiramente o disco da minha vida! Por pouquinha coisa, questão de milímetros mesmo, mas ele passou o Ventura’. Que Marcelo Buarque Camelo e Rodrigo Pessoa Amarante são geniais isso não há dúvida, no entanto o grande problema é que Beto Cupertino é ‘apenas’ a voz de toda uma geração. Trata-se do melhor letrista que eu já ouvi em toda a minha vida e isso não é nenhum exagero. Melhor, inclusive, do que o próprio Renato Russo - o único que se pode comparar a Beto Cupertino por uma simples questão: são letristas completos, pois não se limitam apenas às liras afetivas – embora as façam tão bem. Cada qual a sua maneira oferece panoramas mais amplos de uma época sendo acima de tudo grandes cronistas do cotidiano. Vale apenas fazer uma pequena observação que distingue Renato Russo e Beto Cupertino: se o primeiro diluía temáticas diversas nos discos da Legião Urbana, o segundo por sua vez tem uma predileção por discos conceituais. Sim, como sugere o nome, Grandes Infiéis tem como temática central a exploração da idéia de infidelidade. É interessante porque embora este disco não represente o auge de Beto Cupertino enquanto letrista, há em seus versos uma certa espontaneidade juvenil, diria até mesmo uma ingenuidade, que confere a este registro um frescor ainda maior.
Hora de deixar de papo mole e ir direto ao que interessa: as grandes canções. No entanto vou comentá-las desta vez não pela ordem que elas se encontram no disco, mas, de maneira diversa, criarei um mapa de exploração do Grandes Infiéis. Sendo assim, existem duas músicas no cd que servem para arrombar a porta, por assim dizer: Vendedor de Rins e Glória. A primeira se trata de uma deliciosa e emocionante balada roqueira que conta o dilema de um... Vendedor de Rins! Sim, o Beto Cupertino adora explorar fatos pouco comuns – para não dizer bizarros dentro da temática usual roqueira – como, também o fez, por exemplo, no ótimo lado-B-que-inexplicavelmente-nunca-ganhará-registro-oficial-dentre-tantas-outras-canções-simplesmente-geniais (nem um pouco tiete, não é mesmo?) Células Tronco. Mas voltando ao Vendedor de Rins, cabe, a título de curiosidade, um depoimento do Beto no show de estréia da turnê dos Grandes Infiéis quando dos preâmbulos da execução da música: ‘Essa música também está no disco novo. Todo mundo fala que não entendeu a letra da música e... nem eu’. Tudo Bem, Beto, tudo bem, mas não há como segurar as lágrimas ao ouvir quando eu quis me consertar alguém chegou pra me elogiar. Tá vendo? Foi só colocar a música por aqui que eu me emocionei. Oquei. Mudemos de canção antes do dilúvio: Glória - como se isso fosse suficiente para conter a emoção. Glória é um rock encorpado que faz apologia ao fracasso em versos como eu sei que o mundo não comporta mais deuses e sei que o amor não me suporta mais vezes. Em certa altura da letra Beto já nos deixa a par do seu cinismo marcante e da sua predileção pela temática explicita do ódio, das emoções vis que não são exatamente negativas, mas que na verdade nos constituem e reforçam toda a nossa complexidade interior: o eu-lírico fala a seu interlocutor sobre a vontade de dar um murro nos olhos e das rugas que este o proporcionou. Como não ficar perplexo diante de uma sinceridade tão explícita?
Uma vez arrombada a porta não há mais como se perder – na verdade, não há mais como se encontrar. Ok Ok, canção que fecha o disco, é bonita de doer: simples, circular, com violões, arranjo de metais e uma letra de dar inveja a qualquer compositor! Oras, como alguém pode dizer tanto com tão pouco?
Sobrou pra mim
A felicidade sempre ofende
Mas tristeza demais cansa
(Que se fodam os ofendidos)
Então respira mais
Que eu respiro mais
Ok, ok
Então respira mais que eu respiro mais. Eu fico atordoado quando leio esse verso. E pensar que no meio de tanta infidelidade uma frase como essas é a tradução exata de um amor perfeito. Ok, ok: mais um ponto pra você, Beto. Realmente você sabe como ninguém a maneira mais correta de me deixar esfacelado. Enquanto eu junto o que restou de mim, Il Maledito não é apenas um rock daqueles, mas o grito de uma geração. De fato: a melhor música nacional da década - mesmo não sendo exatamente a minha preferida deste cd. Beto a lá Cioran rompe com a vida enquanto busca por um estado de paz e anuncia ironicamente que é pra viver mais quando você vê que você padece do que te satisfaz/ quando você vê que ninguém merece o peso dessa paz. O refrão, me desculpem, é - literalmente - urgente e antológico: Então um viva à insensatez que suja a sua tez/ Num bar ou num sexo a três espera a sua vez/ Sim, espera você a sua vez que eu não sei esperar. En-fim... Pena que não é o fim: Ensaio Sobre Poligamia tem guitarras preciosas que emulam U2 – pena que o U2 jamais fez alguma coisa realmente classuda. Em uma letra que questiona os clichês que insistem em nos falar que precisamos de alguém que nos torne mais feliz, o momento mais alto marcante é pura ingenuidade: conta que eu amo as putas, conta o quanto eu te quis quando você me quebrou o nariz. Difícil encontrar alguém mais sincero. Nada Sério por sua vez é a minha canção predileta no disco: o início com pianos entremeado por guitarras doídas e vocalizações – uhhhh não há de ser nada sério - faz um contraponto perfeito para a verocidade das distorções que entram na parte final da música. Sobre Atriz e Hans, músicas que eu reneguei de início, pra variar um pouco eu estava errado. O cinismo da primeira - vir você me ameaçar depois de tudo o que eu te fiz é só enxergar o seu nariz – e a amargura irônica da segunda - aqui é tudo impressão, tudo em preto e branco enfim. É tudo impresso todo relatório te diz que você pode rir agora – são retratos fiés extraidos da realidade de relacionamentos cotidianos onde é preferível sustentar o rancor a promover um diálogo. S.O.S e Matusalém tem imenso potencial radiofônico. Angelus com seus pianos e vocalizações fala da solidão, revelando o drama de um homem que não consegue lidar bem com a existência de um Deus. Convênio com sua letra ge-ni-al (nesse tom ridiculamente pausado, mesmo) é a grande pérola pop a ser descoberta no cd.
Não bastassem essas 12 relíquias, há mais em Grandes Infiéis: sua capa é sem sombra de dúvidas a mais bonita desta década. E consegue isso mais uma vez optando pela força da simplicidade através da metáfora de uma gaiola aberta em meio a um fundo branco.
Como se pode observar, com tantos predicados não é um mero detalhe que Grandes Infiéis tenha sido um dos discos que eu mais recomendei, gravei e eventualmente fiz questão de presentear com o próprio original. Simplesmente porque - para aproveitar a fala do eu lírico de Matusalém - há toda uma estrada a ser descoberta, esmiuçada, neste registro que eu tanto quis dividir com as pessoas mais queridas. Uma gama de sentimentos complexos, bonitos, exagerados, imperfeitos envolta por um instrumental contagiante é o que oferece uma incomparável beleza a esta bolachinha. Pena que pouca gente tenha conseguido ultrapassar a barreira imposta pela voz do Beto Cupertino. Mas para meu orgulho, quem conseguiu superar este obstáculo não se arrependeu! E eu não poderia deixar de citar o grande Daniel! De tanto torrar a paciência dele para dar uma chance, de cantar todas as bolas possíveis para ele, um belo dia a ficha caiu. E o Daniel ainda veio pegar no meu pé:
- Como é que você nunca tinha me falado da Ensaio Sobre Poligamia?
- Claro que eu já tinha falado, Daniel, mas você não me escutou, pô!
Vale ressaltar aqui o fato de que a exemplo de Spencer Krug o Beto Cupertino é um dos poucos compositores que consegue manter um ritmo de produção verdadeiramente industrial sem que isso seja capaz de comprometer a qualidade de suas criações. Por conta disso, Grandes Infiéis também serve como cartão de visitas da irretocável discografia do Violins – incluindo aí além dos discos oficiais - Aurora Prisma, Tribunal Surdo e A Redenção dos Corpos - também todas as canções que, como eu já bem frisei, inexplicavelmente ficaram de fora das gravações de estúdio e que para o bem ou para o mal não são poucas.
A nota triste é que assim como a vida o que é bom invariavelmente dura muito pouco: a banda encerrou suas atividades no ano passado. Mas exatamante como a mesma vida o pouco é sempre o suficiente para deixar marcas profundas.
Mais do que nunca a pergunta que cabe nesse momento é simples e direta: o que um disco precisa para ser considerado o mais importante de toda uma década? Coloco na roda este questionamento porque Grandes Infiéis não tem absolutamente nada de revolucionário em termos de estrutura melódica (olá Animal Collective!), não tem nenhuma dose de experimentalismo vanguardista (olá Radiohead!), nem interpretações ‘pseudo-intensas’ (olá Arcade Fire!), não foi nenhum furor nas pistas de dança (olá Franz Ferdinand!) muito menos foi capaz de causar qualquer tipo de rebuliço no comportamento juvenil (olá Strokes!) – embora talvez como nenhum outro disco lançado na década falasse tão diretamente aos jovens. Evidentemente disso depreende-se que não foi um disco aclamado nem junto ao público, muito menos junto a crítica – o que em nenhum dos dois casos faz lá grande diferença. Oras, talvez vocês se perguntem 'o que há então de tão impressionante nesse álbum que justifique tal colocação'? Eu diria que o elementar: grandes canções. Simples assim, afinal, quando se tem o elementar não é preciso se utilizar de efeitos especiais para cobrir as inconsistências de roteiro. Grandes Infiéis nada mais é do que um disco de ROCK e este é exatamente o seu maior trunfo. Quem me conhece provavelmente não é capaz de entender a surpresa que é para mim mesmo chegar a conclusão de que o segundo cd dos goianos do Violins é nada mais nada menos do que o disco mais importante dessa década. Uma surpresa em todos os sentidos a começar pelo fato de que em meio a uma gama insondável de títulos estrangeiros os dois melhores trabalhos são nacionais. Para vocês terem uma noção, a minha idéia inicial era de fazer duas listas separadas contendo de um lado apenas bandas que cantam em inglês – porque eu realmente não tenho lá grande simpatia com outros idiomas ou murmúrios alienígenas (Olá Sigur Rós e Björk!) – e de outro aquelas que têm como língua de origem o português. No entanto, quando eu fiz uma pré-seleção eu percebi um fato inusitado: seria injusto fazer duas listas porque elas não dariam a dimensão mais correta do que esta década tinha significado. Em outras palavras me chamava atenção que embora houvesse uma safra de música nacional bastante produtiva nesta década, Ventura e Grandes Infiéis tinham uma qualidade muito acima dos demais dos discos. Ou seja, entre o segundo lugar e o terceiro havia um enorme abismo. Por outro lado estes discos eram tão, mas tão espetaculares que eram melhores, inclusive, do que os discos em entoados em inglês - fato realmente espantoso (para não dizer um verdadeiro sacrilégio) se considerarmos que no início da década eu sequer gostava de música nacional! Continuando com algumas curiosidades relativas a minha surpresa, lembro-me perfeitamente bem de quando tive acesso as primeiras músicas do Grandes Infiéis, disponibilizadas pelo site da banda em meados de 2005. Eram Hans e Atriz. Foi uma decepção total: ‘nossa, erraram a mão’! Simplesmente não havia nenhuma ligação com o trabalho anterior da banda, o rebuscado mas não menos excepcional Aurora Prima - cuja beleza eu finalmente havia assimilado naquela época e por isso mesmo aguardava o segundo petardo do Violins com alguma expectativa. O tempo passou e foi apenas no final do ano que eu finalmente consegui encontrar o disco para baixar no Soulseek. Àquela altura eu acreditava que ninguém mais seria capaz de tirar das mãos de 4, disco dos meus queridos Hermanos, o título de melhor disco nacional de 2005. E de fato ninguém tirou mesmo: eu simplesmente não conseguia aceitar que Grandes Infiéis era superior mesmo contra todas as evidências! Só que chega uma hora que a gente não consegue mais se enganar: o número de audições não mente jamais. O problema é que com o tempo eu fui percebendo que Grandes Infiéis não era apenas melhor do que ‘4’: tratava-se de um disco do nível do Ventura – até então nada mais nada menos do disco da minha vida. E foi nesse lugar que o disco figurou por um bom tempo dentro do meu catalogo afetivo até que finalmente eu pudesse aceitar: ‘Tá bom eu desisto, o Grandes Infiéis é verdadeiramente o disco da minha vida! Por pouquinha coisa, questão de milímetros mesmo, mas ele passou o Ventura’. Que Marcelo Buarque Camelo e Rodrigo Pessoa Amarante são geniais isso não há dúvida, no entanto o grande problema é que Beto Cupertino é ‘apenas’ a voz de toda uma geração. Trata-se do melhor letrista que eu já ouvi em toda a minha vida e isso não é nenhum exagero. Melhor, inclusive, do que o próprio Renato Russo - o único que se pode comparar a Beto Cupertino por uma simples questão: são letristas completos, pois não se limitam apenas às liras afetivas – embora as façam tão bem. Cada qual a sua maneira oferece panoramas mais amplos de uma época sendo acima de tudo grandes cronistas do cotidiano. Vale apenas fazer uma pequena observação que distingue Renato Russo e Beto Cupertino: se o primeiro diluía temáticas diversas nos discos da Legião Urbana, o segundo por sua vez tem uma predileção por discos conceituais. Sim, como sugere o nome, Grandes Infiéis tem como temática central a exploração da idéia de infidelidade. É interessante porque embora este disco não represente o auge de Beto Cupertino enquanto letrista, há em seus versos uma certa espontaneidade juvenil, diria até mesmo uma ingenuidade, que confere a este registro um frescor ainda maior.
Hora de deixar de papo mole e ir direto ao que interessa: as grandes canções. No entanto vou comentá-las desta vez não pela ordem que elas se encontram no disco, mas, de maneira diversa, criarei um mapa de exploração do Grandes Infiéis. Sendo assim, existem duas músicas no cd que servem para arrombar a porta, por assim dizer: Vendedor de Rins e Glória. A primeira se trata de uma deliciosa e emocionante balada roqueira que conta o dilema de um... Vendedor de Rins! Sim, o Beto Cupertino adora explorar fatos pouco comuns – para não dizer bizarros dentro da temática usual roqueira – como, também o fez, por exemplo, no ótimo lado-B-que-inexplicavelmente-nunca-ganhará-registro-oficial-dentre-tantas-outras-canções-simplesmente-geniais (nem um pouco tiete, não é mesmo?) Células Tronco. Mas voltando ao Vendedor de Rins, cabe, a título de curiosidade, um depoimento do Beto no show de estréia da turnê dos Grandes Infiéis quando dos preâmbulos da execução da música: ‘Essa música também está no disco novo. Todo mundo fala que não entendeu a letra da música e... nem eu’. Tudo Bem, Beto, tudo bem, mas não há como segurar as lágrimas ao ouvir quando eu quis me consertar alguém chegou pra me elogiar. Tá vendo? Foi só colocar a música por aqui que eu me emocionei. Oquei. Mudemos de canção antes do dilúvio: Glória - como se isso fosse suficiente para conter a emoção. Glória é um rock encorpado que faz apologia ao fracasso em versos como eu sei que o mundo não comporta mais deuses e sei que o amor não me suporta mais vezes. Em certa altura da letra Beto já nos deixa a par do seu cinismo marcante e da sua predileção pela temática explicita do ódio, das emoções vis que não são exatamente negativas, mas que na verdade nos constituem e reforçam toda a nossa complexidade interior: o eu-lírico fala a seu interlocutor sobre a vontade de dar um murro nos olhos e das rugas que este o proporcionou. Como não ficar perplexo diante de uma sinceridade tão explícita?
Uma vez arrombada a porta não há mais como se perder – na verdade, não há mais como se encontrar. Ok Ok, canção que fecha o disco, é bonita de doer: simples, circular, com violões, arranjo de metais e uma letra de dar inveja a qualquer compositor! Oras, como alguém pode dizer tanto com tão pouco?
Sobrou pra mim
A felicidade sempre ofende
Mas tristeza demais cansa
(Que se fodam os ofendidos)
Então respira mais
Que eu respiro mais
Ok, ok
Então respira mais que eu respiro mais. Eu fico atordoado quando leio esse verso. E pensar que no meio de tanta infidelidade uma frase como essas é a tradução exata de um amor perfeito. Ok, ok: mais um ponto pra você, Beto. Realmente você sabe como ninguém a maneira mais correta de me deixar esfacelado. Enquanto eu junto o que restou de mim, Il Maledito não é apenas um rock daqueles, mas o grito de uma geração. De fato: a melhor música nacional da década - mesmo não sendo exatamente a minha preferida deste cd. Beto a lá Cioran rompe com a vida enquanto busca por um estado de paz e anuncia ironicamente que é pra viver mais quando você vê que você padece do que te satisfaz/ quando você vê que ninguém merece o peso dessa paz. O refrão, me desculpem, é - literalmente - urgente e antológico: Então um viva à insensatez que suja a sua tez/ Num bar ou num sexo a três espera a sua vez/ Sim, espera você a sua vez que eu não sei esperar. En-fim... Pena que não é o fim: Ensaio Sobre Poligamia tem guitarras preciosas que emulam U2 – pena que o U2 jamais fez alguma coisa realmente classuda. Em uma letra que questiona os clichês que insistem em nos falar que precisamos de alguém que nos torne mais feliz, o momento mais alto marcante é pura ingenuidade: conta que eu amo as putas, conta o quanto eu te quis quando você me quebrou o nariz. Difícil encontrar alguém mais sincero. Nada Sério por sua vez é a minha canção predileta no disco: o início com pianos entremeado por guitarras doídas e vocalizações – uhhhh não há de ser nada sério - faz um contraponto perfeito para a verocidade das distorções que entram na parte final da música. Sobre Atriz e Hans, músicas que eu reneguei de início, pra variar um pouco eu estava errado. O cinismo da primeira - vir você me ameaçar depois de tudo o que eu te fiz é só enxergar o seu nariz – e a amargura irônica da segunda - aqui é tudo impressão, tudo em preto e branco enfim. É tudo impresso todo relatório te diz que você pode rir agora – são retratos fiés extraidos da realidade de relacionamentos cotidianos onde é preferível sustentar o rancor a promover um diálogo. S.O.S e Matusalém tem imenso potencial radiofônico. Angelus com seus pianos e vocalizações fala da solidão, revelando o drama de um homem que não consegue lidar bem com a existência de um Deus. Convênio com sua letra ge-ni-al (nesse tom ridiculamente pausado, mesmo) é a grande pérola pop a ser descoberta no cd.
Não bastassem essas 12 relíquias, há mais em Grandes Infiéis: sua capa é sem sombra de dúvidas a mais bonita desta década. E consegue isso mais uma vez optando pela força da simplicidade através da metáfora de uma gaiola aberta em meio a um fundo branco.
Como se pode observar, com tantos predicados não é um mero detalhe que Grandes Infiéis tenha sido um dos discos que eu mais recomendei, gravei e eventualmente fiz questão de presentear com o próprio original. Simplesmente porque - para aproveitar a fala do eu lírico de Matusalém - há toda uma estrada a ser descoberta, esmiuçada, neste registro que eu tanto quis dividir com as pessoas mais queridas. Uma gama de sentimentos complexos, bonitos, exagerados, imperfeitos envolta por um instrumental contagiante é o que oferece uma incomparável beleza a esta bolachinha. Pena que pouca gente tenha conseguido ultrapassar a barreira imposta pela voz do Beto Cupertino. Mas para meu orgulho, quem conseguiu superar este obstáculo não se arrependeu! E eu não poderia deixar de citar o grande Daniel! De tanto torrar a paciência dele para dar uma chance, de cantar todas as bolas possíveis para ele, um belo dia a ficha caiu. E o Daniel ainda veio pegar no meu pé:
- Como é que você nunca tinha me falado da Ensaio Sobre Poligamia?
- Claro que eu já tinha falado, Daniel, mas você não me escutou, pô!
Vale ressaltar aqui o fato de que a exemplo de Spencer Krug o Beto Cupertino é um dos poucos compositores que consegue manter um ritmo de produção verdadeiramente industrial sem que isso seja capaz de comprometer a qualidade de suas criações. Por conta disso, Grandes Infiéis também serve como cartão de visitas da irretocável discografia do Violins – incluindo aí além dos discos oficiais - Aurora Prisma, Tribunal Surdo e A Redenção dos Corpos - também todas as canções que, como eu já bem frisei, inexplicavelmente ficaram de fora das gravações de estúdio e que para o bem ou para o mal não são poucas.
A nota triste é que assim como a vida o que é bom invariavelmente dura muito pouco: a banda encerrou suas atividades no ano passado. Mas exatamante como a mesma vida o pouco é sempre o suficiente para deixar marcas profundas.
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