Hoje eu sei: foi o jeito que você me olhou. Intrusivo. Ainda agora me pego lembrando da sua fisionomia num desses instantes derradeiros: havia aquela distância entre nós, evidentemente, mas o que me chamava a atenção, o que ficou foi a insistência. Não era apenas um olhar. Era uma invasão da minha alma, um verdadeiro acampamento montado com bandeira fincada e tudo. Sem saber muito bem o que fazer – pra variar – eu olhava para um lado, olhava para o outro e quando voltava você ainda sustentava. Gozado, porque sempre fiquei com certa impressão de lerdeza de sua parte, uma malemolência, uma preguiça. Mesmo a sua voz – e as vozes são sempre marcantes – tinha aquele que de desleixo. Arrastada. Prenuncio do arrastão talvez. Mas o que ainda hoje me intriga apesar de tudo é o olhar fixo, como se houvesse mais por ali do que apenas olhos. Havia. Você congelava integralmente enquanto eu me perdia, ficava vulnerável. Porque, convenhamos, é no mínimo desconfortável – isso para não dizer desesperador – quando alguém está vasculhando alguma coisa perdida dentro de você. Esse é o ponto: você com seus olhos me comia, literalmente, penetrava em meu interior mais profundo, vazio, obscuro. É perturbador, me deixou totalmente perturbado, desconcertado a tal ponto que eu simplesmente já não conseguia me perceber enquanto dono de mim mesmo. Ali eu já estava vencido, não havia mais nada o que ser feito. As terras trêmulas e o que mais estava oculto já estavam entregues. Não havia armas. Apenas os seus olhos. Esses que agora vejo. Esses que hoje moram em mim.
sexta-feira, 10 de abril de 2009
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