Sempre o medo do limite me perseguiu. Encontrar o fim do mundo era ser dragado para o não-espaço. Não, não sou o homem medieval com aquele medo (hoje) ridículo dos monstros aquáticos. Longe disso, tenho dramas modernos, oras! Mas nos dramas modernos, talvez apenas os objetos de receio tenham mudado. Portanto, ao contrário do que até agora pouco eu pensava, talvez eu não seja assim tão diferente daquele homem medieval. Maldita arrogância dos modernos...
Eu ando. Sigo em frente. Às vezes corro, volto, penso, prossigo, respiro. E ando novamente. E chego sempre ao mesmo lugar. Foi assim que sempre aconteceu. Até que um dia, um dia diante dos meus olhos encontrei nada mais nada menos do que uma linha branca. Seria o fim da linha? O mistério se misturou ao medo. E o medo me despertou a curiosidade, como era de se esperar. Mas a minha curiosidade se revertia novamente em medo. Que belo ciclo! Afinal de contas, o que haveria do outro lado da linha? A verdade é que não parecia haver nada além de um árido deserto. Mas não, eu não me atreveria a atravessar aquela linha. Aprender a viver tem a ver com conhecer limites, não é mesmo? Ou os limites seriam apenas maneiras de nos privar do contato com aquilo que nos é mais íntimo? Não sei. Mas é melhor não pensar sobre isso.
De qualquer forma, toda vez que eu retornava para minha casa, aquela linha entrava em minha cabeça e começava a enrolar meus pensamentos. Uma linha tão extensa que parecia não separar absolutamente nada. Não havia nada para além. Poxa vida, não havia nada! É tão difícil se convencer disso? Eu olhava e não havia nada. É isso: não tem absolutamente nada ali, depois da linha! Para de pensar nisso! Vou ver televisão. E quando eu ligo a televisão, parece que tudo o que se apresenta aos meus olhos não passam de linhas. De diversas cores que se interceptam e se limitam. Linhas, linhas, linhas. O mundo não passava de linhas. E eu estava preso dentro de linhas. O que haveria para além daquela linha branca? Não acredito em monstros...
E toda vez que eu voltava até aquele local, chegava mais e mais perto da linha. E me deparava com a mesma paisagem árida, vazia. Eu me esforçava, mas não conseguia cruza-la: meus pés, no máximo, estacionavam sobre ela. Sobre a linha. Entre. Eu andava em cima da linha como quem se equilibrava sobre uma corda bamba e temia cair para o lado errado – mesmo que não soubesse qual era o lado errado, ou se de fato havia um lado errado. Mas ultrapassá-la, jamais. E quando eu estava completamente angustiado, voltava para a casa e me enrolava nas linhas do meu caminho.
Até que um dia - e sempre esse dia chega, porque se não chegasse não haveria porque se contar uma história, por mais que ela de fato sequer exista mesmo existindo -, bem, um dia aconteceu algo inacreditável: eu enxerguei uma menina do outro lado da linha. Beeeeeeeeeeem distante, mas que aos poucos, lentamente, parecia vir em minha direção. Fiquei parado, do lado de cá, apenas observando. E ela foi crescendo em meu campo de visão. Acho que não era uma miragem. As miragens são um tipo de recurso muito clichê. Mas em todo caso, eu não tinha certeza do que ela realmente era. Pelo corte de cabelo, parecia se tratar de uma menina. Além do mais, acho que miragens são algo estático, e ela, ainda que muito vagarosamente, se movimentava – ou talvez, aos meus olhos, se apresentava numa velocidade baixa, quanto na verdade, pela distância, estivesse vindo de maneira mais acelerada, o que de fato pouco importa. Ou não: porque quando se está esperando por um estalo a velocidade sempre importa.
A nitidez aumentava e eu realmente não estava ficando louco. Ok, talvez só um pouquinho, mas nada que fosse motivo para preocupação. Às vezes, apenas para tentar disfarçar minha ansiedade eu olhava para trás e enxergava as primeiras (ou as últimas, dependendo do referencial) construções da minha cidade. E assim me sentia seguro perto daquele abismo plano que se desenhava para além daquela linha.
Foi quando ela chegou. O encontro aconteceu: nossos olhares se estudavam calmamente. Havia certo estranhamento diferente de uma timidez. Pelo contrário: apesar do desconhecimento havia realmente algo entre a gente – afora a linha, obviamente – que fazia com que nos reconhecêssemos, que estivéssemos, dadas as devidas limitações, cada um também do outro lado da divisória. Nos olhos da menina, certa velhice, talvez algum tipo de desencantamento impronunciável, que eu não consegui deixar de reter em meus pensamentos. Eu, por minha vez, deixava escapar uma euforia que há muito de tão escondida, eu nem mais dava por existente. E meus olhos falavam. E os olhos dela respondiam. E por alguns instantes, estáticos, conversávamos em meio a um silêncio, trocando confidencias sobre nossos passados sem passado. Até que numa dessas palavras que não eram palavras, ela sorriu. Não um sorriso qualquer. Eu já disse que não era. Finalmente seus lábios sussurraram alguma coisa:
- Venha comigo.
Aquilo reverberou dentro de mim como um verdadeiro tiro, embora milagrosamente eu permanecesse imóvel. O que fazer? O que a linha significava? Era apenas uma linha, feita de medo, que não guardava distinção entre o aqui e ali? De que tipo de material era aquela linha intransponivelmente transponível? Afinal, do outro lado estava ela, uma velha desconhecida. Ao constatar minha indecisão, a menina simplesmente estendeu suas mãos. E a segurança do calor, da direção era justamente tudo o que eu precisava naquele momento. Acho que nem cheguei a completar a sinapse, foi como um ato-reflexo: peguei a mão dela com a fraqueza de quem há muito tem fome. Talvez mais do que fraqueza, uma verdadeira força. E assim que nossa carne se tocou ela me puxou para o outro lado. Num solavanco, apenas. Como era de se esperar, me assustei com o tranco e acabei soltando minha mão. Ainda de costas, dei um passo para trás, cuja distância era a mesma segundos antes avançada. Olhei para baixo e fiquei surpreso ao perceber que a linha que até então nos separava não existia mais. Não acreditei e olhei para trás: nada. Nenhum vestígio das construções. Apenas uma paisagem deserta, árida, vazia, assim como aquela que, estava a minha frente. Quando dei por mim e fui novamente tocar a mão daquela menina, descobri sem querer que tocava justamente a minha outra mão. Não havia mais nada além de mim naquela paisagem. Nada além de mim e de um caminho a se construir, repleto de apavorantes possibilidades incalculáveis. Nada além de mim, do caminho e da imagem daquela menina, que, não estando lá, ensinava a inventar a direção que por me ater unicamente à linha, tive medo de seguir.
Eu ando. Sigo em frente. Às vezes corro, volto, penso, prossigo, respiro. E ando novamente. E chego sempre ao mesmo lugar. Foi assim que sempre aconteceu. Até que um dia, um dia diante dos meus olhos encontrei nada mais nada menos do que uma linha branca. Seria o fim da linha? O mistério se misturou ao medo. E o medo me despertou a curiosidade, como era de se esperar. Mas a minha curiosidade se revertia novamente em medo. Que belo ciclo! Afinal de contas, o que haveria do outro lado da linha? A verdade é que não parecia haver nada além de um árido deserto. Mas não, eu não me atreveria a atravessar aquela linha. Aprender a viver tem a ver com conhecer limites, não é mesmo? Ou os limites seriam apenas maneiras de nos privar do contato com aquilo que nos é mais íntimo? Não sei. Mas é melhor não pensar sobre isso.
De qualquer forma, toda vez que eu retornava para minha casa, aquela linha entrava em minha cabeça e começava a enrolar meus pensamentos. Uma linha tão extensa que parecia não separar absolutamente nada. Não havia nada para além. Poxa vida, não havia nada! É tão difícil se convencer disso? Eu olhava e não havia nada. É isso: não tem absolutamente nada ali, depois da linha! Para de pensar nisso! Vou ver televisão. E quando eu ligo a televisão, parece que tudo o que se apresenta aos meus olhos não passam de linhas. De diversas cores que se interceptam e se limitam. Linhas, linhas, linhas. O mundo não passava de linhas. E eu estava preso dentro de linhas. O que haveria para além daquela linha branca? Não acredito em monstros...
E toda vez que eu voltava até aquele local, chegava mais e mais perto da linha. E me deparava com a mesma paisagem árida, vazia. Eu me esforçava, mas não conseguia cruza-la: meus pés, no máximo, estacionavam sobre ela. Sobre a linha. Entre. Eu andava em cima da linha como quem se equilibrava sobre uma corda bamba e temia cair para o lado errado – mesmo que não soubesse qual era o lado errado, ou se de fato havia um lado errado. Mas ultrapassá-la, jamais. E quando eu estava completamente angustiado, voltava para a casa e me enrolava nas linhas do meu caminho.
Até que um dia - e sempre esse dia chega, porque se não chegasse não haveria porque se contar uma história, por mais que ela de fato sequer exista mesmo existindo -, bem, um dia aconteceu algo inacreditável: eu enxerguei uma menina do outro lado da linha. Beeeeeeeeeeem distante, mas que aos poucos, lentamente, parecia vir em minha direção. Fiquei parado, do lado de cá, apenas observando. E ela foi crescendo em meu campo de visão. Acho que não era uma miragem. As miragens são um tipo de recurso muito clichê. Mas em todo caso, eu não tinha certeza do que ela realmente era. Pelo corte de cabelo, parecia se tratar de uma menina. Além do mais, acho que miragens são algo estático, e ela, ainda que muito vagarosamente, se movimentava – ou talvez, aos meus olhos, se apresentava numa velocidade baixa, quanto na verdade, pela distância, estivesse vindo de maneira mais acelerada, o que de fato pouco importa. Ou não: porque quando se está esperando por um estalo a velocidade sempre importa.
A nitidez aumentava e eu realmente não estava ficando louco. Ok, talvez só um pouquinho, mas nada que fosse motivo para preocupação. Às vezes, apenas para tentar disfarçar minha ansiedade eu olhava para trás e enxergava as primeiras (ou as últimas, dependendo do referencial) construções da minha cidade. E assim me sentia seguro perto daquele abismo plano que se desenhava para além daquela linha.
Foi quando ela chegou. O encontro aconteceu: nossos olhares se estudavam calmamente. Havia certo estranhamento diferente de uma timidez. Pelo contrário: apesar do desconhecimento havia realmente algo entre a gente – afora a linha, obviamente – que fazia com que nos reconhecêssemos, que estivéssemos, dadas as devidas limitações, cada um também do outro lado da divisória. Nos olhos da menina, certa velhice, talvez algum tipo de desencantamento impronunciável, que eu não consegui deixar de reter em meus pensamentos. Eu, por minha vez, deixava escapar uma euforia que há muito de tão escondida, eu nem mais dava por existente. E meus olhos falavam. E os olhos dela respondiam. E por alguns instantes, estáticos, conversávamos em meio a um silêncio, trocando confidencias sobre nossos passados sem passado. Até que numa dessas palavras que não eram palavras, ela sorriu. Não um sorriso qualquer. Eu já disse que não era. Finalmente seus lábios sussurraram alguma coisa:
- Venha comigo.
Aquilo reverberou dentro de mim como um verdadeiro tiro, embora milagrosamente eu permanecesse imóvel. O que fazer? O que a linha significava? Era apenas uma linha, feita de medo, que não guardava distinção entre o aqui e ali? De que tipo de material era aquela linha intransponivelmente transponível? Afinal, do outro lado estava ela, uma velha desconhecida. Ao constatar minha indecisão, a menina simplesmente estendeu suas mãos. E a segurança do calor, da direção era justamente tudo o que eu precisava naquele momento. Acho que nem cheguei a completar a sinapse, foi como um ato-reflexo: peguei a mão dela com a fraqueza de quem há muito tem fome. Talvez mais do que fraqueza, uma verdadeira força. E assim que nossa carne se tocou ela me puxou para o outro lado. Num solavanco, apenas. Como era de se esperar, me assustei com o tranco e acabei soltando minha mão. Ainda de costas, dei um passo para trás, cuja distância era a mesma segundos antes avançada. Olhei para baixo e fiquei surpreso ao perceber que a linha que até então nos separava não existia mais. Não acreditei e olhei para trás: nada. Nenhum vestígio das construções. Apenas uma paisagem deserta, árida, vazia, assim como aquela que, estava a minha frente. Quando dei por mim e fui novamente tocar a mão daquela menina, descobri sem querer que tocava justamente a minha outra mão. Não havia mais nada além de mim naquela paisagem. Nada além de mim e de um caminho a se construir, repleto de apavorantes possibilidades incalculáveis. Nada além de mim, do caminho e da imagem daquela menina, que, não estando lá, ensinava a inventar a direção que por me ater unicamente à linha, tive medo de seguir.
Um comentário:
achei bonito!
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