quinta-feira, 19 de junho de 2008

Um diálogo.

Tenho toda certeza do mundo que se fosse uma fotografia o Barthes diria certamente que ali estaria o punctum. E de certa forma meu olhar não deixa de ser uma fotografia. E por isso mesmo seus sapatinhos azuis – ou mais precisamente o que eles envolvem - não deixam de ser o famigerado punctum. Eu não conseguia desgrudar deles por um segundo sequer. O em torno não passava de em torno. Parecia até que todo o momento transcorria única e exclusivamente por conta daquele movimento. Pintura viva, às vezes bossa nova, às vezes samba, às vezes o tal do bom e velho (?!) rock’n’roll, bem nervoso. E claro que se o punctum estava ali em baixo isto tinha uma razão: o que ele apontava, para cima. Tudo é uma simples questão de foco. E se eu foquei seus sapatinhos azuis, se eu foquei seus pés é porque eu queria focar você. Foi apenas um jeito sem jeito de dizer – porque olhar é dizer - que você de alguma maneira me deixava desconcertado. E que para mim não importava o que estava acontecendo para além de você. Mas esqueça isso que eu acabei de escrever. Esqueça o sapatinho, que em algumas horas foi posto de lado. Esqueça também a nudez provocante dos seus pés. Para ser bem franco, esqueça um pouco até de você mesma. Porque quando eu vi seus pés – portanto, enquanto eu te vi -, esqueci de mim. Esqueci do mundo. Não sabia se fazia calor ou frio, se aquela aula estava tão chata como de costume. Verdade seja dita, foi você quem me deu um motivo mais do que justo não apenas para freqüentar aquela aula entediante mas para, principalmente, esperar avidamente por cada uma das terças-feiras desse semestre. E quando eu digo você, eu digo tudo, tudo mesmo: dos pés à cabeça, passando pelas entranhas e pela massinha cinzenta que fica dentro da sua caixa craniana. Tudinho. Tudinho que minha câmera fotográfica móvel podia captar e, sobretudo, aquilo que ela não conseguia.

E o que dizer do incômodo? Antes: o que dizer daquela gostosa ansiedade? Porque a verdade é que te ter ao meu lado, mesmo que naquele intervalo curto de uma viagem, me deixava extremamente incomodado. Não me entenda mal: o incômodo é tudo que alguém procura para se sentir vivo. E você me incomodava demais quando rasgava o ar. Aqueles gestos tão incisivos, cortantes para, no momento segundo, retornar ao repouso. Silêncio absoluto. Um sinal? Não sei. Não sou bom com sinais. Na verdade sou péssimo. E então outro corte e aquele jeito encabulado de falar. Suas espinhas em erupção. Que cena bonita de se ver. Todo o gestual pungente, abrupto, robótico. E a risada. Onde já se viu um filme para crianças se chamar os ‘Porra-louquinhas’? Poxa, isso não me sai da cabeça. Isso não: tudo. Tudo não: você. Mas acho que você não faz idéia disso. Aliás, você não faz idéia de tudo. Poxa, você não faz idéia de você! Ou faz? Ou faz idéia de como é bom aquele momento em que nossas pernas se encontram e ficam lá, em contato, apoiando-se, conversando em total reciprocidade? Não sei. Me diz! Assim mesmo, começando a frase com um pronome obliquo átono, contrariando todas essas regras tão quadradas que embalam o chamado português padrão, formal! Não me diga, simplesmente me diz: você faz idéia do quanto me custa os momentos em que estou ao seu lado – mesmo que as vezes distante? Não é dinheiro. Não se trata disso, obviamente. Mas que tem um custo tem. E não sei se você tem idéia do quanto você me custa, do quanto você pesa. E a verdade é que eu mesmo não sei mensurar nada disso, apesar de sentir e isso por si só comprova tudo e me basta. Isso tudo você! Mas agora me diz.

Um comentário:

Anônimo disse...

não é a primeira vez que você fala dessa personagem hein! hehe