quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Fichamento.

O burguês cuja vida se divide entre o negócio e a vida privada, cuja vida provada se divide entre a esfera da representação e a intimidade, cuja intimidade se divide entre a comunidade mal humorada do casamento e o amargo consolo de estar completamente sozinho, rompido consigo e com todos, já é virtualmente o nazista que ao mesmo tempo se deixa entusiasmar e se põe a praguejar, ou o habitante das grandes cidades de hoje, que só pode conceber a amizade como ‘social contact’, como o contato social de pessoas que não se tocam intimamente. Nos rostos dos heróis do cinema ou das pessoas privadas, confeccionadas segundo o modelo das capas de revista, dissipa-se uma aparência na qual, de resto, ninguém mais acredita, e o amor por esses modelos de heróis nutre-se da secreta satisfação de estar afinal dispensado do esforço da individuação (mais penoso, é verdade) da imitação.

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Mas a liberdade de escolha da ideologia, que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa. A maneira pela qual o jovem aceita e se desincumbe do ‘date’ obrigatório, a entonação no telefone e na mais familiar situação, a escolha das palavras na conversa, e até mesmo a vida interior organizada segundo os conceitos classificatórios da psicologia profunda vulgarizada, tudo isso atesta a tentativa de fazer de si mesmo um aparelho eficiente e que corresponda, mesmo nos mais profundos impulsos instintivos, ao modelo representado pela indústria cultural. Mas mais íntimas reações das pessoas estão tão completamente reificadas para elas próprias que a idéia de algo peculiar a elas só perdura na mais extrema abstração: personalidade significa para elas pouco mais do que possuir dentes deslumbrantemente brancos e estar livres do suor nas axilas e das emoções.

(A Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer)

Um comentário:

Anônimo disse...

Roubei seu texto pra mandar pra minha lista ...

(Uma sombra passo por aqui ...)