Já perdi a conta das vezes em que utilizei a expressão ‘é engraçado’. Mas não vai ser dessa vez que eu finalmente poderei abrir mão da mesma, afinal, realmente se trata de uma situação que pode ser definida por este rótulo. Logo, eu acho realmente engraçado de perceber como a vida é totalmente imprevisível. E, para variar, esse engraçado não exatamente tem graça e, talvez, este seja o grande charme do emprego palavra. Há cerca de sete meses um furacão passou por mim, conforme já relatei em outro momento. Fiquei, como era de se esperar, desalojado – e nesse caso, desalojado tem realmente o significado oposto àquele que comumente se costuma esperar. E não tem jeito: um furacão sempre consome algo que existia dentro da gente, agride, transforma. Não há jamais como sair intacto. A brisa nunca tem o mesmo sabor depois do turbilhão de sensações provocado pela passagem de um furacão. Só que quando finalmente se esperaria que do furacão pudesse brotar uma rosa perdida, aquela por tanto tempo procurada, acontece. Simplesmente acontece o inimaginável. A maior de todas as ofensas possíveis e inexplicáveis: ‘eu estou apaixonado por você, furacão’. Pronto. O furacão se trancou na sua torre de marfim. Logo ele que se supunha tão avassalador e, portanto, compreensivo, se dissipou. Se dissipou diante da fraqueza de um simples homem. Fraqueza completa de não saber controlar o que se sente, de não saber comunicar o que o atravessa. A brutalidade do vento entrou em colapso ao querer encontrar mais do que havia naquelas palavras. Confundiu libertação com salvação. Vê se pode! Sim, há rima, é fato, mas o significado diverge significativamente. E no meio dessa confusão, a existência do homem passou a ser motivo de ofensa para o furacão – que a essa altura já não era mais furacão, já não era vento, já não era nada. O furacão que pedia pela fúria, que clamava pelas chamas que existiam no homem, no primeiro degrau temeu a fúria, temeu as chamas. O homem soprou com toda a força que pôde, querendo reerguer o furacão. Querendo o calor do furacão. Nada. O furacão, que provocava deslocamentos, rupturas, quando foi dar alguma notícia tinha se tornado gelo. Sólido. E vocês sabem, os sólidos assim o são por conta de suas estruturas rígidas – compreensão se tornara repreensão. O sólido não faz barulho, não nos comunica absolutamente nada, não fala ao ouvido. Não sai da sua forma, não tolera outra possibilidade que não aquela que lhe convém. As tentativas do homem derreter o sólido, de tentar fazer ele novamente voar foram vãs. Orgulho bobo, como todo orgulho que se preza. Orgulho que condena, que se coloca num patamar elevado, afinal, havia de se conservar aquela pretensa solidez para não se desmanchar. Se transformar em vento seria se reconhecer incompleto, seria perder o estatuto da verdade que havia dentro e que não podia ser modificada sob o risco de. O homem passou a ser condenado por um crime de que nem tinha consciência. Não adiantava calor. Hipocrisia, dizia o sólido. ‘Eu tenho convicções, eu sei! Você não sabe’. Convicções sólidas, como toda burrice. E o sólido diz que sente. E realmente sente, assim como uma pedra sente. Mas uma pedra talvez seja mais quente. E sente tanto que sequer sabe o que é sentir: diz que sente. E quando diz não sente mais: pensa. Interessante: critica os sofismas sofismando, não se percebendo portadora das mesmas ações que critica. Não reconhece. O que sente – verdadeiramente – não reconhece.
Um belo dia, aquela pedra de gelo, portanto ainda sólida, dá as caras. E insiste em ‘sofismar’: fala, fala, fala e simplesmente não diz absolutamente nada. Fala de rancor, fala de ódio, parece tão solícita. O homem machucado, se machuca um pouco mais e se espanta. E se machucou, porque quando o furacão se dissipou ele sofreu pelos dois: a culpa e a rejeição. Mas o sólido é egoísta demais para reconhecer que existe algo no mundo além das suas moléculas rígidas, dos seus átomos verdadeiramente reais: inverte a equação. Não se lembra que um dia foi também furacão, muito menos de que também já foi outro ser humano. Não se lembra de nada do que disse, não se lembra que já foi feita de sal, não se lembra que brincou com o homem. Já o homem padece do problema contrário: não esquece o furacão, não esquece a mulher, não esquece o sal. Não esquece o ballet fundamental que o fez correr ao encontro do olho do furacão. Olha o sólido não com ódio, mas com tristeza e, sobretudo, pena de ver uma vida tão bonita sendo desperdiçada, se conformando em um espaço tão pequeno onde – em outras condições - haveria de nascer tanta beleza, tanta riqueza. Mas não nasce nada em um lugar tão frio - a não ser rancor e frustração, o que, como não poderia deixar de ser, o sólido tentou atribuir ao coração do homem. Também pudera: o gelo vive em frente ao espelho e se preocupa mais com a imagem projetada, exterior, do que com o que existe de mais íntimo dentro de si mesmo. Para isso sempre utiliza espelhos esféricos achando que todos ao seu redor o vêem de maneira deturpada, quando por vezes é justamente o gelo quem deturpa sua imagem, enxerga o que quer – e o que não quer. E nisso o mesmo gelo deixa de se dar conta que bem no fundo ainda existe movimento, ainda existe beleza. Ainda está tudo lá – apesar da rigidez. O homem – idiota – sabe disso, ou pelo menos quer acreditar que existe algo para além do frio. Mas este é apenas um homem qualquer, com defeitos, medos, fraquezas, paixões e angústias e não o Super Homem de Nietzsche, esse sim o par adequado para toda a perfeição reticular do gelo. Talvez se esse Super Homem existisse, o gelo pudesse finalmente viver seu insípido conto de fadas – mas provavelmente tudo terminaria no exato momento em que o Super Homem resolvesse abrir a boca e se opusesse ao juízo excepcional do meritíssimo sólido. Pena que o gelo não percebe que sua intransigência o torna mais gelado, mais morto. Um gelo que sente, mas não tem olhos, nem ouvidos, nem língua, nem nariz, nem pele. Apenas sente, o que significa que nada sente. Pois se o gelo sentisse de verdade, com todos os sentidos, em vez de ofensas ele talvez conseguisse enxergar o que existe dentro das palavras, olhando nos olhos das palavras. Se ele sentisse de verdade, ele poderia sentir as palavras em vez de as denegrir. Mas quando vê o homem, o gelo sente: pensa e julga sem sequer se preocupar em olhar nos olhos. E tudo que verá mais uma vez é uma grande ofensa, num mundo em que tudo que não é gelo o ofende – quando não se dá conta que a ofensa de verdade está exatamente presente na maneira como ele olha para si mesmo, refletido. É engraçado, mas não tem graça nenhuma.
Um belo dia, aquela pedra de gelo, portanto ainda sólida, dá as caras. E insiste em ‘sofismar’: fala, fala, fala e simplesmente não diz absolutamente nada. Fala de rancor, fala de ódio, parece tão solícita. O homem machucado, se machuca um pouco mais e se espanta. E se machucou, porque quando o furacão se dissipou ele sofreu pelos dois: a culpa e a rejeição. Mas o sólido é egoísta demais para reconhecer que existe algo no mundo além das suas moléculas rígidas, dos seus átomos verdadeiramente reais: inverte a equação. Não se lembra que um dia foi também furacão, muito menos de que também já foi outro ser humano. Não se lembra de nada do que disse, não se lembra que já foi feita de sal, não se lembra que brincou com o homem. Já o homem padece do problema contrário: não esquece o furacão, não esquece a mulher, não esquece o sal. Não esquece o ballet fundamental que o fez correr ao encontro do olho do furacão. Olha o sólido não com ódio, mas com tristeza e, sobretudo, pena de ver uma vida tão bonita sendo desperdiçada, se conformando em um espaço tão pequeno onde – em outras condições - haveria de nascer tanta beleza, tanta riqueza. Mas não nasce nada em um lugar tão frio - a não ser rancor e frustração, o que, como não poderia deixar de ser, o sólido tentou atribuir ao coração do homem. Também pudera: o gelo vive em frente ao espelho e se preocupa mais com a imagem projetada, exterior, do que com o que existe de mais íntimo dentro de si mesmo. Para isso sempre utiliza espelhos esféricos achando que todos ao seu redor o vêem de maneira deturpada, quando por vezes é justamente o gelo quem deturpa sua imagem, enxerga o que quer – e o que não quer. E nisso o mesmo gelo deixa de se dar conta que bem no fundo ainda existe movimento, ainda existe beleza. Ainda está tudo lá – apesar da rigidez. O homem – idiota – sabe disso, ou pelo menos quer acreditar que existe algo para além do frio. Mas este é apenas um homem qualquer, com defeitos, medos, fraquezas, paixões e angústias e não o Super Homem de Nietzsche, esse sim o par adequado para toda a perfeição reticular do gelo. Talvez se esse Super Homem existisse, o gelo pudesse finalmente viver seu insípido conto de fadas – mas provavelmente tudo terminaria no exato momento em que o Super Homem resolvesse abrir a boca e se opusesse ao juízo excepcional do meritíssimo sólido. Pena que o gelo não percebe que sua intransigência o torna mais gelado, mais morto. Um gelo que sente, mas não tem olhos, nem ouvidos, nem língua, nem nariz, nem pele. Apenas sente, o que significa que nada sente. Pois se o gelo sentisse de verdade, com todos os sentidos, em vez de ofensas ele talvez conseguisse enxergar o que existe dentro das palavras, olhando nos olhos das palavras. Se ele sentisse de verdade, ele poderia sentir as palavras em vez de as denegrir. Mas quando vê o homem, o gelo sente: pensa e julga sem sequer se preocupar em olhar nos olhos. E tudo que verá mais uma vez é uma grande ofensa, num mundo em que tudo que não é gelo o ofende – quando não se dá conta que a ofensa de verdade está exatamente presente na maneira como ele olha para si mesmo, refletido. É engraçado, mas não tem graça nenhuma.
5 comentários:
é realmente espantoso como você consegue dançar com as palavras e colocar sentimentos e pensações vis que não existem dentro de mim.
tudo bem.
é a sua maneira de provocar.
mas não é a minha.
não há gelo. há uma outra vida. uma vida que fez escolhas. nunca fui de explicar todos os meus passos, mas não é por não explicar que eles não existem. eu te fiz sofrer. você me fez sofrer. não deveria ser assim - ou deveria? o fato é que eu não vou furar teus olhos, nem te jogar no chão, nem te condenar. eu só acho desnecessário me tratar dessa forma - e os outros ao redor - e dizer que é carinho. eu não consigo entender toda a tua lógica que você pressupõe infalível como carinho. vai que é problema meu, mas eu não vejo carinho em ferroar o próximo até que ele ceda e se abra. é, eu devo ter problemas mesmo.
não tô trancada em nada... a vida segue, continuo a fim de entender as pessoas, a mim, aquela bobajada toda na qual não deixo de acreditar. você tem uma agressividade que me assusta, soa falta de respeito, me força a te olhar, te tocar, invadir o te mundo quando eu não sou exatamente disso, essa violência não me atravessa. nem furacão nem cobra, guilherme. absolutamente nunca tive essa força destruidora que você gosta de me atribuir. não tô condenando, só não é a minha. e antes sair de cena que tentar te catequizar pra ser do meu modo. longe de mim isso.
desculpa, mas não vou responder emails, prefiro uma coisa mais pública. pra evitar aquilo de "ah, mas a Cintia disse no email que... e depois apareceu falando outra coisa". não há outra coisa.
muito do que você diz que eu te causei foi involuntário da minha parte. eu fiz brincadeiras intencionais, como você também fez, mas arrasar uma vida nunca foi plano meu. essa tua interpretação do furacão eu fiquei sabendo bem antes e também me assustei. até queria me ver como uma louca que planeja cada passo pra fazer um troço desses, mas nunca foi. então ler um texto desse não faz sentido pra mim, porque eu não queria que fosse assim. pra mim, não foi. pode ser bonito sem que doa, sem que revire, sem que fira, e realmente não deve doer. amor não pode ser desespero, porque senão não dá paz, não faz sossegar, não funciona. incendeia e queima. e destrói. é preciso cuidado com isso.
mas essas são as minhas verdades, completamente relativas.
o jeito como você vê e sente, só você pode saber. não acho interessante te decifrar e você sabe, e me decifrar também só vai dar nisso: equívoco e dor. e aí você chegar e me culpar vai ser normal, como eu já acho normal. tão normal que não me choca mais.
mesmo que as tuas palavras me atravessem, a certeza do caminho que tomei e de tudo o que fiz é muito grande. e não é preciso me justificar publicamente quando a consciência tá limpa.
sem mais delongas.
Cintia.
feliz aniversário pro M.
o C. ganhou uma cachorrinha,
só agora, qdo já vai completar 12 anos, mas antes tarde
do q nunca. me disse q vai conversar sempre com ela, dizer das coisas q gosta, reclamar qdo eu for chata com ele. e os desenhos do M., continuam bonitos?? o C. está começando a gostar mais de música, começando a ouvir rock. quero q ele ouça muito rock, por que eu não ouvi muito, só mais as músicas tipo balada, as menos pesadonas, e muita música brasielria. anteontem ele sentou do meu lado e ficou me mostrando o que conheceu de rock, o que gosta, já tá falando das bandas, do comportamento dos caras, do que acha 'cuzão', do q acha legal e tal. eu disse pra ele: legal, C., assim vc pára de ouvir soh esssa músicas japa, que podem ser legais, mas eu não entendo nada (rs). mas peguei as musicas q ele tava ouvindo (uma era uma porrada, outra era uma baladinha), catei as letras, li junto com ele. 'pra que isso, mae, eu quero saber mesmo é de ouvir o som'. eu disse, lógico, nem sempre vai ficar sacando as letras, o teu inglês tb já é melhorzinho que o meu. mas das músicas japa vc não vai olhar a letra? 'vou, pq é muito difenrente. mas inglês, não, é muito mais próximo'. tá, eu sei. mas soh quero mostrar nessas duas, as primeiras q vc tá me mostrando q gosta... e queria te dizer isso, tenta sacar o q diz tudo q stá lá, o som, as palavras. tá tudo junto, misturado, e se vc separar um pouquinho... sei lá, fica mais fácil sacar o que diz o som e o que dizem as palavras. o rock tem coisas, C., que vc agora vai começar a sentir mais do q nunca. as músicas vão mexer com o teu corpo de um jeito q vc nem imagina. vão te fazer vibar, mas tanto, q vc pode até achar q vai enlouquecer... isso é do caralho, pq agora vc t[á entrando num momento em que vai querer mudar o mundo. e eu kero star por perto, ainda q provavlemente vc não me queira por perto, q vc comece a sentir q eu te encho mutio, começar a sentir at´raiva de mim. na boa, eh isso mesmo q tem q rolar... mas eu quero q vc saiba q eu queri te sacar, eu não vou nunca estar longe, alta, desligada.... olha só, a cachorra vc quis chamar de Lisa... é lindo. vou por pra vc uma música q eu gosto, do cat stevens, um velhão bem doidinho, q mudou bastante de opinião na vida, mas eu sempre gostei demais das músicas. a sua Lisa não tem uma cara triste, não foi o q vc disse? então ouve sad lisa. depois a gente fala disso, ou se vc preferir, soh ouve a música, nós dois, bem juntinhos. vc vai me ensinar rock. queri q um amigo meu ajudasse, mas ele agora não tá por aki... quem sabe nunca outra hora, C.
bom, Guilherme, eu toh
por aui. desculpe se falei
bobagens.
bjs
'numa' outra hora
ia dizer q esse tipo de
lapso, como trocar essas
duas palavras, é 'engraçado'.
mas não é.
Renata, não precisa pedir desculpas!
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