sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Vitamina.

- Eu queria te dizer uma coisa simples, que de tão simples eu não sei sequer por onde começar, até porque não existe propriamente um começo. Enquanto olho o retrovisor tento encontrar o momento preciso em que o que foi deixou de ser. Esforço inútil, tão inútil quanto conseguir saber onde começa uma pessoa e termina outra dentro da gente. A distância entre dois pontos é sempre um infinito, de modo que no limite não há limite. Então, reconheço apenas que aconteceu. E se sempre trago comigo esse desejo absurdo, doentio, de tentar reconstituir o inconstituível, por outro lado sei perfeitamente que esse esforço caso fosse possível, ainda assim de nada adiantaria. Os porquês realmente não interessam embora invariavelmente me interessem. Sim, existem muitos porquês que, em última instância, acabam pecando pelo mesmo motivo: não sabem explicar por que. Porque é exatamente isso que me faz, ao começar a lavar a louça do jantar, sem mais nem menos travar dentro de mim monólogos intensos com você em que suprimo qualquer rabisco que possa implicar no menor o risco de entrar na sua cabeça e se transformar em um daqueles ruídos que as pessoas costumam chamar de palavras, quero dizer, desses zunidos que você está escutando agora mas é incapaz de ouvir. Não, infelizmente você nunca vai saber desses monólogos que arrebatam o meu pensamento enquanto as minhas mãos se perdem entre espuma e água. Porque não é dentro de você que os morangos começam a pedir passagem para, em seguida, se transformarem em uma aula, em suco, em uma rodoviária, em uma estrada e em um pescoço displicentemente tombado para, por fim, completarem sua metamorfose em um mousse de maracujá. E pensar que até então eu não gostava de maracujá, nem de sotaque, nem tanta coisa, nem mesmo de. Minto. A metamorfose jamais se completa. Não há borboletas nesse jardim. O que resta é apenas a larva dentro da minha cabeça, um vir a ser contínuo, próprio do que não é coisa alguma. Relaxa, menina. São apenas abstrações, imagens, esse tipo de frescura que não causa nada além de algumas cosquinhas naquela bombinha que enfeita o lado esquerdo do nosso peito. Bobagem. Tudo bobagem, invenção, tudo falso como qualquer sensação que ocorra fora das linhas que separam o que chamamos de ‘eu’ daquilo que convencionamos denominar ‘ele’ – quando ‘ele’ não é ‘vocêu’, claro, pois dois pesos significam duas medidas não é mesmo? Por isso, não caia na tentação de acreditar nesses zumbidos, afinal de contas, que sei eu do que eu sinto, não é mesmo? Oras, um reles aprendiz de amador ocupando essa mísera posição na hierarquia dos bem vividos não tem a menor capacidade de responder sobre qualquer eventual sopro que reverbere dentro das paredes do seu castelo. Afinal, que rei sou eu de mim mesmo quando existem tantos súditos ao meu redor? Talvez o melhor mesmo seja me render e aceitar ser o que eu não sou. Um dia eu ainda aprendo que a tal da sinceridade, quando existe de fato, nunca consegue ser realmente sincera aos olhos de ninguém. Quer melhor maneira de cair em descrédito que ousar falar a verdade? Não que eu saiba mais do que você sobre você mesma ou sobre qualquer coisa que se passe nesse mundo entre a espuma e a água. Realmente não sei! Aliás, quando eu começo a pensar em você eu penso - e como eu penso! - que cada vez que entendo mais, compreendo menos. E tudo sempre parece tão simples, não é?, simples como isso que eu estou aqui mais uma vez tentando lhe dizer. Só que a simplicidade só tem de simples o nome. Do contrário, provavelmente você jamais tentaria conversar comigo para se convencer de algo em que você é incapaz de acreditar. Simples, não? Sim, como todas as dúvidas das quais você diz duvidar existir e que não existindo, portanto, aparecem. E como se esconder de sua própria sombra? Eu rio sozinho um riso nervoso. É que eu achei que fosse capaz de possuir algum controle sobre mim mesmo, pode? Foi quando me peguei mais uma vez preocupado daqui com você que me dei conta de que não. Como quando ouvi a sua voz pela última vez e vi a ficha caindo diante de mim. Como novamente eu cai na mesma armadilha de dizer ‘não...’. Não é realmente não, digo, nega-se a si mesmo a ponto de... se reverter em sim. Sim, sim, sim... Sim. Não existe borracha que seja capaz de apagar totalmente um traço, quanto mais... Isso. Quanto mais isso. E pensando nisso, sua gargalhada... E nessa hora meu riso também gargalha. Culpa dos neurônios espelho, mas não apenas deles, entende? Quem diria: uma culpa gostosa. É dessa culpa que eu tenho tentado lhe dizer. É ela que me faz pensar que as coisas são possíveis, que existe algo apesar de todas as reticências. É essa culpa, menina, que me leva realmente a algo em que eu posso verdadeiramente acreditar e que não se assemelha em nada com a figura de Deus tal como ela costuma ser pintada mundo afora. Algo que se manifesta pelas mãos, que se cristaliza em movimentos imperceptíveis, como uma dança invisível. E tal como Deus, esse algo não existe em si mesmo, mas através. Tão através que costumam equivocadamente a confundi-lo com... Deus, até mesmo por aquela enorme necessidade de se acender velas, de desejar com a unha, de acenar e no final se explicar apenas por meio de uma fé, igualmente cega, igualmente redentora, igualmente traidora. Sim, é o caos, é o choque brutal de todos os contrários - iguais em sua natureza frágil -, de todos os inexplicáveis em busca de explicação. E a gente acha cada explicação idiota de tão convincente para o que não se pode explicar, não é? E aí, volta ao começo da história, procura encontrar o fio da meada, perceber o momento exato, simula as narrativas mais improváveis, toca as mãos do destino, cogita timidamente algum sempre, mesmo consciente da finitude, mesmo consciente das finitudes, mesmo inconsciente. Arrepios, lágrimas, mochilas, trapos, árvores, essas coisas. Haja metafísica. Haja física. Que haja! No fim das contas é isso: que haja, apenas. Como nas aulinhas de português, ‘haver no sentido de existir’. Mas... É que acreditar rima com subverter: sintaxes quebradas, impessoalidade conjugada de todas as maneiras possíveis para além de quaisquer gramáticas do que pode se chamar de certo, de errado, de. Pode, sim, tudo pode. Que seja ilusão, que não seja nada. Há pouco tempo tive um sonho com você. Você sabe como são os sonhos, quero dizer, à medida que os dias transcorrem a nitidez pouco a pouco se perde. Do que ainda ficou, fui parar em um apartamento e para minha grande surpresa você também estava por lá. Não sei te dizer o que você era dentro do sonho que não você mesma. Recordo-me apenas do silêncio, mas não de um silêncio qualquer. Para cada ação minha, havia um correspondente olhar de censura vindo de sua parte. Nenhuma palavra, embora nada escapasse. E você sabe o quanto é insuportável ser julgado sem sequer saber o motivo. As membranas são frágeis até mesmo para quem procura as elevar ao limite de toda a sua resistência. Mas é que simplesmente não dá para agüentar. Basta reparar na eletricidade presente no ar de fim de tarde depois de um dia de sol a pino. Os ventos surgem como prenúncio, o céu timidamente muda de cor quando... Bem, quando num belo momento estava eu deitado em uma cama junto com meu irmão. Eu não conseguia dormir. Você estava na cama ao lado. É irônico pensar nisso porque essa acaba por ser a mesma sensação que tenho em vigília. Apesar da distância e do tempo você encontra alguma maneira de olhar para mim. O nó simplesmente não desata. Há um elo que não permite se criarem duas correntes independentes. Uma espécie de necessidade reciprocamente velada que sustenta a fragilidade disso que existe entre nós dois em face das mais apocalípticas tormentas. Não importa se sapos, se canivetes, se palavras, se silêncios. Os dedos ainda se tocam, por menor que seja a superfície de contato. Isso me intriga. Assim como a série de coincidências – a que um dia eu já jurei de pés juntos serem a própria anunciação – nos relatos das histórias que teimam em acontecer nas nossas vidas. Nesses instantes, por bem pouco eu não volto a me trair. Embora... Bem, onde eu parei? Sim, eu estava no meio do sonho quando fui atropelado por ‘v...’, quer dizer, por mim mesmo. Você estava na cama ao lado, lembra? E eu numa cama com meu irmão, sem conseguir dormir. Num determinado momento eu tentei puxar apenas para mim o lençol que eu dividia com meu irmão quando, num ímpeto, ele acabou por reagir tomando o lençol todo para si. Em seguida, resolvi deitar no chão. Nessa hora você levantou lentamente e desferiu um olhar para que eu voltasse para a cama imediatamente. Mas não só isso. Nessa hora, a água do transbordou. Não havia mais como me sujeitar àquela situação. Eram muitas as forças em jogo, afinal, não se tratava apenas de indiferença e reprovação. Quero dizer, se tratava do que se trata nesse momento em que falo com você. Se trata dessa coisa simples que durante todo esse tempão eu estou tentando te dizer e que não consigo senão tatear vagamente. Menina, eu estou falando que aquele mesmo transbordamento do sonho é exatamente o transbordamento da minha alma, do aqui e agora, do sangue. Eu tô falando da dor de cabeça, das náuseas. Eu to falando de tanta coisa que ficou presa dentro de mim, que eu tentei enjaular a todo custo, que fugiu, que eu recapturei, que eu rompi, lutei, ganhei e depois descobri que já estava perdido desde o início. É que eu fico sem jeito, que é que fico sem ar, é que eu fico sem espaço. É que demonstrar é difícil, é que eu realmente te digo que nunca sei o que deve ser feito, como deve ser feito, sabe? Transborda, sufoca, mata. Eu te vejo, te radiografo, procuro notar todos os seus detalhes, prestar atenção eu absolutamente tudo o que você me diz, estar junto. Não importa se perto, nem se longe. Como que de bar em bar, você vem à tona entre palavras de descrença ou de esperança, mesmo que mentalmente. A história todos já sabem de cor e salteado e eu realmente não entendo a razão disso tudo, quero dizer, eu sou humanamente incapaz de entender como é possível que de repente os morangos se transformem em maracujá, mas não como puramente fotografias. Posso ver a superfície do morango, microscopicamente, com seus pequenos furinhos. Mais do que isso, posso sentir a textura em minhas mãos enquanto se modificam, enquanto se atinge o maracujá, enquanto aquele suco Maguary se transforma em um mousse. Você não faz idéia do que é isso! E são exatamente nessas horas que eu simplesmente não sei o que dizer, que eu travo, que eu paro, que eu temo, que eu caio e fico. Falar com você sobre isso tudo, sobre isso que eu reluto, sobre isso que me invade, sobre isso que eu não sei explicar, que eu não sei o que é, que eu não sei nomear, que se confunde com tanta coisa que eu vivi, pensei, senti e que no entanto não equivale a absolutamente nada disso me... Não sei. Lembra-me um personagem de um filme. Acho que é isso. Donnie Smith, do Magnólia. Mais do que o personagem, me lembra uma cena – e olha que eu nem acho a melhor cena do filme. Se você não assistiu ao filme, por favor, não perca tempo e preste atenção no momento em que, na parte final, este Donnie Smith conversa com o policial, se não estou enganado Jim. Existe algo ali. Algo que me remete a você, algo que me remete a mim, algo que está presente aqui. Fico sem fôlego. Já não sei se tudo isso é real ou não. Há algo para além de. Algo que talvez ninguém seja capaz de enxergar, que tem a ver com solidão, euforia, medo. Um dia você já entendeu isso, apenas de olhar. Não em tom de censura, mas de certeza. É desse entendimento, tácito. Sim, é desse entendimento tácito, ouviu? Preciso agora saber que você está me ouvindo, que esses zunidos estão mexendo com você. Apesar da nossa proximidade eu preciso de alguma garantia de que não estejamos distantes, que não estejamos dando nomes iguais a naturezas distintas. Sim, o que tenho são palavras. São apenas esses zumbidos o que carrego dentro de mim. Zumbidos feitos de carne, feitos de morango, de maracujá e de tanta coisa que eu não sei sequer por onde começar a listar... Quando olho para você, quando me ponho a te escutar, não estou de frente com um rótulo. Um rótulo não seria capaz de me afetar. Um rótulo é um rótulo, apenas. Tautologia. Por outro lado, é essa mesma tautologia a única ferramenta de que disponho para chegar diretamente ao ponto: você é você. Parece não ajudar muito, entende, mas é isso o que me deixa completamente absorto: você é você. É isso que interliga toda a sucessão de mudanças, fases, crises, reações. Apenas isso que explica isso, isso aqui. Por que você faz isso comigo? Eu te amo, sua vaca!
- Sua o quê?
- Não era isso exatamente o que eu queria dizer, me desculpa.
- É que eu nunca pensei que isso pudesse acontecer...
- Nem eu...

...

- Mas você não terminou de contar o seu sonho...
- Isso agora depende de você.

8 comentários:

Anônimo disse...

-- queridão, que belo texto!

(argh!/ soh de pensar que escreva
o que eu escrever, a resposta por aqui, se vier, vai vir nesse tom, já diminui a intensidade do que sei que vou sentir, de qq forma, em te olhar, te ouvir mais um pouquinho, no meio do que não é vc nem sou eu e não sei se um dia será)

mas vamos de novo:

querido Guilherme, bonito
mesmo o q vc escreveu. Espero
que a 'coxete' (não tenho a menor idéia de onde saiu essa palavra e da graça q vc vê nela) te pergunte pelo final do sonho.

eu, daqui de onde tento te
perceber, só consigo sentir q
não preciso ouvir seus monólogos,
pq sei o q vc se pergunta. pq as
mesmas perguntas ficam martelando
na minha cabeça, e por mais q vc
tenha me ajudado concretamente a me movimentar,a sua teimosia, a sua distância,a sua piração me fazem ter medo de travar de uma vez, de me prejudicar, ou de não me controlar e me mover no tempo errado e fazer mal a ti, a mim, a pessoas que eu amo, q de algum jeito ainda dependem de mim. Entre as perguntas q martelam (essa vc não deve se fazer), volta sempre o seguinte: eu te ajudei em alguma coisa nesse tempo todo? eu te fiz algum mal, te deixei pior do q estava antes de te encontrar?
pq eu não quero, nunca, te fazer nenhum mal. nunca.pq o meu olhar pra ti nunca foi de censura e sim de espanto e de intensa ternura.pq quando me viram como uma máscara de raiva e vidro foi pq virei um bicho/uma coisa/um desentendimento vivo qdo tentaram te julgar, te enquadrar, e isso seria uma bobagem enorme, uma presunção de quem não busca se enxergar até o fundo, e teme.mas às vezes sinto que vc, mesmo sem querer ou sem se entender direito, me julgaria, me enquadraria, me executaria.

é isso que dá pra dizer por agora.
bjs/R.

-- ----------------------------
Yo pronuncio tu nombre
en las noches oscuras,
cuando vienen los astros
a beber en la luna
y duermen los ramajes
de las frondas ocultas.
Y yo me siento hueco
de pasión y de música.
Loco reloj que canta
muertas horas antiguas.

Yo pronuncio tu nombre,
en esta noche oscura,
y tu nombre me suena
más lejano que nunca.
Más lejano que todas las estrellas
y más doliente que la mansa lluvia.

¿Te querré como entonces
alguna vez? ¿Qué culpa
tiene mi corazón?
Si la niebla se esfuma,
¿qué otra pasión me espera?
¿Será tranquila y pura?
¡Si mis dedos pudieran
deshojar a la luna!

Anônimo disse...

renata, o texto nem é pra mim.

Anônimo disse...

será?

abs
R.

Where I'm Anymore disse...

Olá Renata!

Pois bem, cá estou eu, afinal, devo-lhe uma resposta referente a sua última mensagem. Ironia do destino ou não, a verdade é que suas palavras ultimamente têm me soado um tanto quanto familiares. Mais do que isso o que eu quero dizer é que em suas últimas aparições você tem feito algumas referencias que casam perfeitamente bem com meu estado de espírito atual, por assim dizer. Por conta dos seus ‘ganchos’ não há como minha resposta não vir em tom de desabafo.

A verdade, menina, é que a sua mensagem ficou martelando em minha cabeça nesses últimos dias. Não tem jeito: eu funciono no ‘idéia puxa idéia’. Ou seja, fiquei cá monologando acerca do que eu daria a você como resposta. Não se trata aqui de absolutamente nenhuma indireta, nem pretendo aqui te machucar ou qualquer coisa do tipo. Trata-se apenas de uma série de ‘reflexões’ que venho fazendo nesses últimos tempos e cujas suas palavras serviram como uma espécie de estopim. Logo, não tome nada direcionado ‘para’ você, afinal, eu realmente não faço idéia de quem você seja.

Chega de introduções. Vou tentar escrever o que vier na minha cabeça a partir de agora, ok?

Dentre tantas constantes nesse blog, há de minha parte uma insistência particular em uma idéia: ‘o eterno retorno’. Eu já expressei em um post antigo que a minha vida pode ser descrita por um gráfico tamanha a previsibilidade das etapas em que meus ‘relacionamentos’ afetivos estão inseridos. Procura, caso você não seja da área, um gráfico chamado de senóide e de alguma forma a senhorita estará diante de um retrato meu, quero dizer, ele descreve a minha trajetória: eu tenho uma fase de ‘mornidão’, conheço alguém, a linha vai subindo, eu vou ficando eufórico, contagiado, chega um dia ‘d’ que coincide com o ponto de máximo da curva e que marca exatamente o fim da minha euforia. Daí em diante é uma jornada incrível, vertiginosa em direção ao ‘fundo do poço’, até que muito tempo depois, de maneira devagar eu vou conseguindo me restabelecer, volto a mornidão e o ciclo prossegue. Tudo pode ser descrito dessa maneira. Essa é a ‘forma’ padrão da minha vida, não importa muito o que eu faça, não importa o quanto eu ouse, o quanto eu tente. Engraçado, afinal, na hora que parece que tudo vai finalmente dar certo, engranar, sempre acontece o oposto. Não existe um ‘prolongamento’ desse ponto de máximo. Ele apenas corta o efeito da subida, imprimindo uma descida brusca. De modo que então, esse desenho sou eu. Fica então aquela pergunta ‘óbvia’: se você sabe que isso vai acontecer, então porque ainda assim insiste? Porque se trata de um ‘saber sem saber’, ou melhor dizendo, de ‘um achar que as coisas podem ser diferentes’. É aquela coisa de se apegar as margens de erro, Renata. Esperança no meu caso é jogar naquele ‘cavalo zebra’ em um páreo. Até porque, do contrário, se não houver aposta, realmente, a vida perde todo o sentido. Então, quando eu conheço alguém que me parece interessante, eu aposto, insisto. Aliás, trata-se de um truque engraçado esse: até os começos são iguais em sua diferença. Aqui que eu quero entrar com suas palavras. Já as pelo menos duas vezes antes. Não digo especificamente essas palavras, mas isso do ‘zelo’. ‘Não vou te machucar, vamos conversar sobre, não vamos deixar as coisas embolarem, vamos evitar mal entendidos, eu me preocupo com você, não quero te fazer nenhum mal’. É muito tentador, entende? Eu costumo brincar quando começo a conversar com alguma pessoa que conheço e por quem eu crio alguma afinidade que ‘no começo tudo são flores’. Aliás, se há uma insistência de minha parte é justamente em acreditar que seja possível um tipo diferente de relacionamento afetivo entre duas pessoas. Quero dizer, um tipo de relacionamento que não se desgaste com as coisas mais triviais. Boa parte das minhas conversas iniciais tem muito desse papo, de querer viver algo que seja realmente singular. De alguma maneira, meu jeito de conduzir as situações em internet é bastante simples: eu falo de mim, ouço o outro e questiono. Mas não se trata disso: eu tento oferecer o máximo de atenção possível, de reparar em cada detalhe do que outrem me diz para estar próximo da vida dele. A gente vai voltar nesse ponto depois. O que eu posso dizer é que esse ‘tratamento’ geralmente dá certo, funciona. Poxa vida, oras, o que mais desejamos que não atenção? Atenção tem muito a ver com carinho. E nesse processo eu também vou me desnudando, faço questão de tratar das minhas experiências passadas, de dizer do que se passa em minha cabeça e mais do que isso: de tentar transmitir uma identidade fiel da minha postura. Desse embate entre concepções – o que implica em concórdias e discórdias – nasce um diálogo. Ou seja, há troca, há reciprocidade, algum esboço de compreensão. E isso é muito legal. Mais do que isso: fascinante. Ainda mais quando existem questionamentos que são comuns, buscas que são comuns. Não tem algo que seja mais gostoso nessa vida do que alguém retirar do seu pensamento uma idéia antes que você a transporte para o papel. O que é bom e ruim: a internet ajuda até o momento em que ela atrapalha. Porque o ponto central é esse: chega um ponto que é preciso da pessoa na sua frente, de ver, de sentir a veracidade daquilo. Esse é exatamente o momento em que aquela minha curva começa a mudar o seu sentido. Mais do que isso: esse é o momento em que tudo muda de sentido, se inverte. Simplesmente porque criam uma imagem de mim maior do que eu posso suportar, corresponder. E não importa o quanto eu me pinta, com quantos detalhes eu me descreva. Chega um momento em que as pessoas começam a querer me enxergar da maneira que elas desejam que eu seja, o que não condiz com quem eu efetivamente sou. Daí nasce a decepção: apontam uma incoerência entre minha postura e as minhas palavras. Desse modo, quando você vem até mim e diz o que me diz, a impressão que fica para mim é a de um ‘deja vu’. Porque eu sei como isso tudo começa e sei exatamente onde irá terminar, embora não queira acreditar. O problema central é esse: as pessoas não me enxergam efetivamente. Ou, dito de outra maneira, elas não me ‘sentem’. Porque de fato, eu realmente não sou o que se pode chamar exatamente de um ‘garoto normal’. Quando eu escrevo, ali está presente o máximo da verdade que se processa dentro de mim. O máximo da verdade que se processa dentro de mim e que eu consigo compartilhar. O problema é que de modo geral as pessoas tendem a comparar ‘o que eu escrevo’ com ‘o que se quer ler’ a meu respeito. E daí muda tudo mesmo: a referencia acaba sendo não a minha, mas sim, uma imagem de mim. Pior: uma imagem inquestionável acerca de quem sou eu. Ou seja, quando as pessoas tem contato com meu ‘jeito’ elas não se conformam que eu possa ser assim, querem me mudar a força. Daí começarem, inclusive, a quererem saber mais do que eu mesmo a respeito do que eu SINTO. Sim: de repente eu começo a ser bombardeado e não tenho sequer direito de me defender. Se antes havia diálogo, depois passa a haver intransigência. Você é ‘isso, isso, isso e isso’. Viro mero objeto de análise simplesmente porque as pessoas se frustram com meu desempenho. E não adianta tentar precaver. Eu poderia ficar pelado na sua frente, abrir todas as minhas entranhas e ainda assim provavelmente você iria preferir acreditar na sua ilusão e não em mim. O mais legal é isso: de maneira geral as pessoas tendem a jogar a frustração delas para as minhas mãos. ‘Você se frustrou comigo e quer negar isso’. Eu acho engraçado, porque não foi uma vez apenas que eu escutei isso, assim como não foi uma vez apenas que eu ouvi que meu jeito é ‘desrespeitoso, ofensivo e amedrontador’. Então, Renata, quando você termina a sua idéia achando que eu no fim das contas iria acabar te julgando e não iria ser capaz de te entender, acho importante que você tenha essas informações a meu respeito, afinal, elas são ‘consenso’. Das três meninas que eu realmente gostei, achei interessante demais e especiais em minha vida eu ouvi de maneira mais ou menos direta esse tipo de coisa justamente no momento em que eu resolvi me declarar. É como se meu ‘amor de verdade’ fosse menor, ofensivo, etc. Por que? Simples: eu travo. As pessoas não acreditam, mas eu travo. Fico totalmente angustiado, não consigo falar o que eu sinto. Por isso, como tenho que comunicar o quanto uma pessoa me marcou, eu acabo escrevendo. E escrever é uma ofensa, cai em descrédito, não é real. O que não quer dizer sob hipótese alguma que eu não sinta nada. Sinto tanto que isso me deixa verdadeiramente doente. Muito mesmo, de ter dor de cabeça, ter tonturas, ficar com náusea, do meu intestino ficar completamente desregulado. O problema é esse: eu percebi que a maioria das pessoas sente com o cérebro. Quando eu estou frente a frente elas não percebem o que se processa em mim. Quero dizer, de sentir mesmo, saca? De olhar e sentir. Elas acham que eu me decepciono quando na verdade fico extasiado. Não há coisa mais gostosa do que estar ao lado de alguém por quem se tenha amor. Eu acho legal que as pessoas não leiam o que eu escrevo, quero dizer, nesses dias eu estive por alto pensando aqui sobre esse espaço: todas as histórias que eu narro e que dizem de mim terminam da mesma maneira que termina na minha vida. Não há aquele desfecho em que termina em beijo, sexo, toque. Simplesmente porque eu não sei nunca quando uma pessoa quer ou não algo comigo, simplesmente porque a minha ‘auto-estima’ é nula, simplesmente porque eu muitas vezes me vejo como um incômodo, e etc. Acho ninguém aqui nunca reparou, por exemplo, que o meu conto preferido do Caio Fernando é o conto da ‘Avenca’, conto este que eu sempre indico a todos que conheço. Não que eu não queira sentir, mas que eu não saiba como sentir. De maneira geral, acham que no meu íntimo há aquela coisa meio ‘macho alfa’: quando me vir ele vai se libertar e vai mostrar o verdadeiro homem que existe dentro dele. Não são capazes de compreender que eu preciso de tempo e mais do que tempo propriamente dito: que eu preciso da ajuda do outro para que as coisas possam fluir. Mas eu sou ‘o homem’ então tenho que me portar enquanto tal. Não, não sou esse homem que as pessoas querem enxergar, infelizmente. Logo, se eu ‘não pego, agarro, jogo na parede e chamo de lagartixa’, então eu não amo; então minhas palavras são falsas; então meu sentimento é falso, sou ‘pseudo-intenso’, etc. Daí pra frente é apenas questão de inversão: tudo que eu fazia que agradava, no momento seguinte é usado contra mim. E eu sou eleito o culpado exclusivo de tudo quando não há exatamente culpados. As pessoas me acham apático, asséptico, etc. E dentro de mim, há uma angústia enorme, um amor enorme que não sabe como vir a tona, que tem medo, que é inseguro. E há medo dos dois lados, embora geralmente só o meu seja importante de escarafunchar. Meus textos falam disso. Às vezes eles parecem todos ‘iguais’ aos meus olhos, porque exploram aspectos distintos de um tema comum. Se você for ver, esse é o meu fio condutor, essas são as minhas questões, os meus traumas. Curiosamente, houve uma vez que eu fui verdadeiramente compreendido. Uma só. Menos pelas palavras do que pela maneira como a pessoa sabia que eu dava sentido para as minhas ações. Ali foi a única vez que eu testemunhei sensibilidade de fato. Mas foi só falar pra ela o quanto eu gostava dela que a receita desandou. E esse é o grande problema da internet: conhecer o discurso antes do jeito. Não querer reconhecer a possibilidade de existirem pessoas que ajam da maneira como ajo. Se ninguém ‘nasce pronto’, eu estou ainda mais longe do pronto. Portanto, as coisas que você me diz, são realmente bacanas e digo que você Renata não me fez mal desde quando começou a freqüentar esse espaço. Falar, dialogar, nunca faz mal. Esclarece. O problema é quando querem me criar, quando deixam a compreensão de lado e passam a querer ver uma alguém que não sou eu. E quando você diz que eu sou ‘teimoso’, eu acho engraçado. Não sou teimoso: o que você disser de mim que eu achar verdadeiro, não importa se me machuque, eu vou dizer que é verdade. Não consigo sustentar uma mentira para mim mesmo, me iludir. No entanto, mais uma vez as pessoas ‘teimam’ em não perceberem que se eu insisto em afirmar algo, é porque talvez eu esteja falando a verdade.

Por fim, tem outra coisa que eu fiquei de retomar: a questão do julgamento. Eu fico aqui me questionando quando você diz que eu ‘te julgaria, te enquadraria, te executaria’. Sinceramente, eu não sei o que isso quer dizer. E esse é um ponto interessante: tudo o que as pessoas me falam, eu presto atenção e guardo. Só que não guardo isso pra ficar condenando, julgando ninguém. Não guardo pra acusar, mas pra entender a pessoa, para conversar sobre, para querer saber das motivações. Guardo pelo sentido oposto: para suspender o meu juízo. De modo que as pessoas acham que eu vou cair no velho truque de pegar o calcanhar de Aquiles elas e jogar contra. Não faz sentido isso.

Eu te dou uma dica: não perca tempo comigo. Quero dizer, vive a sua vida, aproveita que você conseguiu ter motivos para sair do lugar, para voltar a acreditar em algo, para querer viver e sentir e busca isso em alguém concreto, que você possa conhecer o jeito e o discurso ao mesmo tempo. Isso não significa de maneira alguma que você deva ‘abandonar’ esse espaço. Pode vir e se expressar da forma como você achar melhor, assim como a senhorita costuma fazer, até porque eu realmente gosto do que você diz aqui, mesmo que, como já disse, nem sempre eu seja capaz de compreender com muita clareza. Só que internet infelizmente não funciona. Não que não haja pessoas bacanas nela – e nesse ponto eu tive o privilégio de conhecer algumas pessoas muito especiais e que contribuíram um bocado em minha vida – mas a possibilidade de se haver uma decepção antes da hora é muito grande. E a verdade é que eu estou muito cansado disso tudo, menina. Tô cansado dessa trajetória do gráfico, de ir, acreditar, me afeiçoar, me apaixonar, quebrar a cara e ficar parado, doente, cair em descrédito sem sequer ter mudado a maneira como eu ajo. Tô cansado de querer entender as pessoas que eu gosto, estar próximo, querer conversar com elas, saber o que elas pensam sobre qualquer coisa e de ser condenado a forca sem sequer saber o porquê. Tô cansado de ter fé nas pessoas. Realmente eu tô muito desiludido com muita coisa, Renata. Eu conheço o final dessa história e não é muito feliz. O que eu espero e te desejo, menina, é que efetivamente você tenha momentos felizes, mas felizes mesmo, de verdade e por isso resolvi abrir aqui um pouco do que se passa em minha cabeça. Eu sou sempre a ilusão de alguém que se quer encontrar, mas que não correspondo concretamente ao que se esperaria de mim. Não quero que você perca seu tempo. E se eu digo isso tudo é porque eu realmente gosto de você de verdade, porque tenho carinho e não quero que você se machuque, se decepcione com quem eu sou de verdade.

É isso o que tenho a lhe dizer por ora.

Um abração,

Guilherme

Anônimo disse...

posso te dar também umas dicas,
Guilherme?

jamais achei que internet era um
lugar legal pra uma troca, em qq plano, entre
um homem e uma mulher que se atraem. Suportei esse caminho por conta da última pessoa por quem me apaixonei. Posso hoje dizer tranquilamente que me apaixonei, mas não diria que amei, porque amar é um papo bem diferente
Pois então, nunca tinha tido blog e mal trocava emails com as pessoas. Hoje ainda sou bem lerdinha, não tenho msn, skype, nunca entrei em uma sala de bate papo na internet. Simples assim. Mas logo ao primeiro contato com o tal rapaz de quem gostei entrei em contato tb com essa forma de comunicação: ele tinha um blog legal, falava de coisas que me interessavam, parecia uma pessoa extremamente inteligente e idealista. Logo na primeira troca de palavras que tive com ele levei um baita susto: em vez de me ligar, ou falar pessoalmente comigo (pq nos conhecemos num escritório, trabalhando bem perto um do outro, e não pela tela/janela de um computador), ele mandou um email convidando pra almoçar. Respondi que me ligasse, que ficava muito sem jeito de falar por computador. Ele insistiu num novo email. Eu respondi de novo que me ligasse, mandei o ramal. Sabe o que ele fez, que me pareceu muito estranho e até hoje é emblemático? Disse: "tudo bem, posso ligar. Mas essa sua resposta é um SIM ou um NÂO?". Engraçado. Respondi: OK, aceito SIM seu convite, mas primeiro tenho de ouvir sua voz. Vc veh onde começa a coisa? Tive de dar a ele uma garantia, um tipo de certeza que eu nem mesmo tinha, pq a gente mal havia se dado um 'bom dia' antes disso. E, dizer a verdade, eu nunca consegui me definir previamente em nada na vida, nunca gostei de ter certezas, quanto mais dar certezas aos outros. Pensa bem nessa história, e pondera se essa linguagem, a dos bits e bytes, do um ou zero, preto ou branco, sim ou não, não está mais entranhada em vc, com seus 22 aninhos, no seu modo de se mover, no seu corpo, do que vc pode admitir pra vc mesmo. Claro que não sou simplista, claro que sei que vc é sensível, muito sensível, que conhece o cinza, e a intuição, e a sincronicidade, e a dialética e as contradições da vida e da poesia, claro que não posso reduzir as coisas a isso que estou tentando te mostrar agora mesmo. Mas SENTI isso lá naquele primeiro momento. Claramente. Limpidamente. Por mais de dois anos, a partir daí, tentei estar perto de alguém que me atraía fisicamente, intelectualmente e de uma terceira forma que aqui não vou poder explicar. Mas que, de alguma forma, me impunha movimentos reais mais rápidos do que eu podia fazer sem me violentar, ou então ingressar numa linguagem que simplesmente não era a minha. E acho que só consegui seguir nisso tanto tempo pq sou uma mulher meio diferente, bem pouco 'normal'. Sempre me achei muito mental, racional, em relação às outras mulheres com quem convivi. Mas, ao mesmo tempo, mais propensa à fantasia do que a maioria. Jamais deixei de dar enorme valor ao que eu sinto, ao que se passa no meu corpo, às minhas emoções, às emoções dos outros -- e as minhas, às vezes, chegam a um ponto tão agudo (vc falou em êxtase, não?) que desconcerto quem está em volta. Vc não ia achar bonito ver o que me acontece quando chego ao ponto de perder o controle. Tem um lado bonito muitas vezes. Mas também tem, às vezes, um lado feio, que constrange, que amedronta, sabe. QQ coisa parecida com alguém tendo sintomas que, de algum modo, podem lembrar morte por sufocamento ou epilepsia. Fantástico estar dizendo essas coisas íntimas aqui;) E infelizmente já sem um pingo de emoção, o que provavelmente quer dizer sem já me importar comigo mesma, e então sem me importar com vc, ou em parecer bonita pra você. E olha que eu geralmente não faço tipo, não tento quase nunca parecer ser o que não sou. Dou mais valor á autenticidade do que a boa parte das coisas pelas quais muitas pessoas lutam a vida toda. Mas querer parecer/ser bonita para um homem de quem a gente gosta é algo especial. Acho que é quase uma arte, e aí não tem como não mentir, pelo menos um pouquinho, de alguma forma. Bom, isso é outro papo, pra outros tempos. O fato (e olha que engraçado, percebo nesse meu texto seu jeito de falar, de pensar, e esse jeito não é o meu, é puro mimetismo). O fato é que vc talvez seja muito mais intransigente do que imagina ser. Mas fui descobrindo que o mesmo acontece comigo, fui descobrindo isso, ironicamente, com as trocas que fizemos, eu e vc, pois como vc deve ter notado, eu tb presto imensa atenção às pessoas, aos seus gestos, ao seu sotaque, ao seu jeito de gostar do trabalho que fazem ou ao modo que cada um briga, ou fala de seus ideais, de seus amores. Me interesso por pessoas. Por me comunicar, de algum modo, com o maior número de pessoas que eu puder. Já cheguei a gastar um tempo enorme com gente que pouco tinha a ver comigo; uma vez de pileque (e sei o quanto isso é estúpido, imbecil, na boa) tive contato físico bem próximo com um mendigo, no meio da avenida São Luiz; outra vez deixei que alguém que à época eu mal conhecia me abraçasse de uma forma quase íntima, para que ele pudesse tentar me mostrar uma idéia do que para ele era troca de energias. E não me arrependi nenhum pouco, pq embora muita gente me dissesse depois que era uma cantada barata, tive certeza de que comigo não era. Não era uma investida sexual, pq o cara era 'grande' (não sei se conheci outras pessoas do mesmo tamanho), estava triste e cansado, mas ainda buscava novas formas de se comunicar. Não desistia. Não entregava os pontos. Não deitava todo dia no sofá com a família pra ver televisão enquanto o resto do mundo que se danasse. Então era uma tentativa de alguém parecido comigo, de me mostrar alguma coisa que talvez mais tarde, se eu conseguisse me desenvolver mais espiritualemente, eu poderia dividir com outras pessoas. Às vezes ainda espero que isso me aconteça, embora não entre numas de meditar (hoje tem Davi Linchy, não vou perder!), de fazer ioga, de alimentação 100% natural. Meu exercício é, o quanto posso e o mais que posso, conviver. Amar. Falar. Ouvir. Trocar. Outras vezes entro nessa sua idéia da senóide, dos acontecimentos cíclicos, de pensar que determinadas coisas se repetem e jamais acontecerão de uma forma diferente e de que teria mesmo é de jogar a sorte no azarão. Mas isso me acontece muito pouco, gosto mesmo é de ter essa coisa que se parece com esperança. Sei lá, meu amigo, é tanta coisa que falaria contigo dias sem parar. E isso, que em algum momento me pareceu a verdadeira maravilha, porque não consigo fazer nessa intensidade com mais ninguém, exposto assim, aqui, é pouco mais que nada. Poeria de estrelas.
Tinha pensado em responder a este seu texto com algum diálogo curto e espirituoso, mas achei que seria sacanagem, bobagem, frivolidade, porque afinal gosto demais de ti. E se vc for honesto consigo mesmo, vai lembrar que por um longo tempo foi frívolo, fútil, grosseiro, bobo mesmo ao tentar falar comigo. E vai perceber que ainda assim não desisti de te olhar, de tentar te ver embaixo das máscaras. Talvez eu ainda tente por um tempo, talvez estejamos esgotando o que ainda nos atraía aqui, com essas palavras. Pq as palavras, pra nos dois, são quase todo o mundo, são quase toda a realidade. Quase.Mas, de novo, devo dizer que no encontro com aquele rapaz que eu conheci, aconteceu algo especial, diferente, que até agora fico tentando compreender. Algo nele redespertou em mim os sonhos. Abriu um canal novo, que não existiu com nenhum homem antes, pelo menos não de forma tão forte e constante. Não as ilusões, pq essas acho que eu já venho aprendendo a não comprar faz muito tempo. Não ilusões, mas sonhos. Que me falam de mim e dele e da realidade à nossa volta. Que ainda insistem em prometer novidades, algum tanto de alegria (e de tristeza, claro), vida, transformação. Que reavivam a idéia (como alguém esquematizou pra mim outro dia) de que para se criar vida, comunicação, linguagem, movimento, tudo isso junto, é preciso pensar nos planos do 'ser', da 'coisa' e do 'símbolo'. Mas essa história fica para uma outra vez, né?

Se tivesse optado pela
resposta espirituosa, talvez te perguntasse:
'Mas e aí? Vc se apaixonou ou não? E hoje, ficou tão ruim que não dá nem pra atender um telefonema??'
Mas eu acho que já sei essas respostas. Talvez preferisse não saber. De qq forma, se precisar ou quiser falar estou ás ordens, não é difícil achar alguém que te deh meu email ou telefone.

Me despeço então com uma frase do Breton, dizendo a mim mesma que gostaria ainda de estar mais perto de ti, fosse como fosse, que vc me ajudasse e eu te ajudasse. Mas como vc diz, essa história tb me confunde, me cansa, me esgota. E eu não quero, mesmo, ser pra ti uma 'nadja' paulistana. Talvez vc descubra uma mais intensa em Roma, num dos pólos, em Paris. Talvez reveja aquela de dentinhos estufados. Ou encontre de novo os tais olhos esverdeados bem ao teu lado, no escritório. Mulheres que te encantem, na realidade cotidiana, humana e compartilhada, ou na realidade sempre e sempre reconstruída da tua ficção.

'Te deseo que seas locamente amado'

bjs
R

Where I'm Anymore disse...

Olá Renata!

Devo admitir que a sua resposta foi muito diferente da que eu esperava encontrar nesse espaço. Gosto quando você fala as coisas de maneira mais clara. Aliás, realmente adorei o que você escreveu, quero dizer, de se ter aberto ao diálogo de maneira mais direta, de ter contado episódios sobre você mesma. Porque é exatamente esse o ponto que me atrai nas pessoas: ‘gosto de quem se desnuda’. Gosto disso, porque como eu gosto de dizer, o gostar, Renata, diz de um gostar de tudo, inclusive do que não se gosta. Quando você fala do ‘querer parecer bonita’ eu digo: quero te ver sem maquiagem. Sempre esse foi o meu ‘ideal’ de relacionamento. Eu gosto das pessoas me falando sobre elas, enquanto aos poucos eu vou me soltando e entrando no ritmo. A minha experiência mais marcante até hoje, em suma, se tratava exatamente disso. Não por acaso eu insisto sempre nessa idéia do ‘nada que é tudo’. Não havia nada de mais. Nunca houve. Nem contato. E no entanto, para mim era uma experiência quase ‘mística’. Foi a única vez que eu me arrisco a dizer que amei alguém. E amei sem saber, sem cobranças, sem muitas expectativas, sem pensar. Basicamente eu gostava de ouvir o que ela tinha para me dizer sobre o que pensava do mundo. Foi a única vez que eu me senti realmente compreendido, e era engraçado, porque realmente ela sabia quem eu era apenas de olhar para mim. Foi a única experiência ‘realmente real’ que eu tive. Completamente marcante, divisor de águas em minha vida. Porque foi o primeiro momento em que eu encontrava a mim mesmo fora de mim e de verdade, em carne e osso. E o que eu sempre procurei em alguma medida foram pessoas que se parecessem comigo. Eu busquei sempre essa compreensão, mas uma compreensão verdadeira dessa, que, inclusive eu tento – aos trancos e barrancos – colocar em prática. Uma compreensão que procura pelo menor detalhe, pela atenção, pelo conhecimento do outro sem a necessidade de julgar. O meu objetivo maior sempre foi a companhia. Nunca escondi isso de ninguém. O que eu procurei nesse tempo todo foram pessoas capazes de me fazer sentir menos solitários. Quando havia a possibilidade de troca era uma dádiva. Digo, no sentido de haver reciprocidade mesmo. De haver freqüência nos contatos, uma preocupação e um carinho equivalentes. E no início geralmente é isso o que acontece: ‘compra-se’ a idéia de tentar manter nivelado o amor, as expectativas, os desejos. Para ser sincero, isso aconteceu virtualmente apenas duas vezes. E nunca – e vale a pena enfatizar – eu tive o objetivo de ter um relacionamento que fosse virtual com ninguém. Foram duas circunstâncias casuais: uma mais, outra menos, é verdade. Mas é dessa ‘promessa’ insaciável de reconhecimento de que lhe falei em minha última aparição que acabou nascendo um sentimento que me ligava a pessoas que eu realmente não sabia como eram realmente. Foram as palavras que me permitiram a ponte. Eram pessoas que de alguma maneira eu não consegui encontrar no meu entorno aqui em Belo Horizonte. Eu sempre repito o ‘grande paradoxo’: as expectativas atrapalham, mas é humanamente impossível não criar alguma expectativa quando se vai conhecer alguém que ‘já conhece tanto’ de você. E o gozado é que nas duas vezes, embora eu tivesse expectativa, ela era pequena. Eu tinha muita convicção dentro de mim em relação a quem eu iria encontrar. As duas pessoas são realmente fantásticas. E quando falo isso, digo, ‘pessoas’, eu falo delas fisicamente, de maneira encarnada. O problema nunca foi o que eu acharia da outra pessoa, mas sim, o que elas achariam do meu jeito. Nas duas vezes o resultado foi o mesmo: não entenderam o que havia em mim. Não entenderam que eu pouco sei me expressar fisicamente e tomaram isso por ‘rejeição’. E queriam porque queriam que eu me confessasse frustrado, quando não: eu realmente fiquei apaixonado. Não me peça para ‘definir’ apaixonado, afinal, eu realmente pouco sei dos limites entre amor e paixão, para te ser franco. Mas essas duas meninas eram pessoas cuja companhia me permitiria ter momentos de felicidade. Elas me fariam ter perspectivas, planos, querer um futuro, achar um sentido. Aliás, no momento em que as conheci foi exatamente isso que se passou pela minha cabeça. Um turbilhão de coisas. E ambas me fizeram repensar os próprios rumos da minha vida. Quero dizer, elas me despertaram a vontade de querer ‘mudar’. Mudar por vontade e não por imposição. Só que depois do encontro, o que prevaleceu foi essa frustração velada que se coroava em desinteresse. Isso que eu achei estranho: pessoas cuja sensibilidade se mostrava até então tão aguçada, de repente, alterarem a postura de maneira tão drástica, tão radical em tão pouco tempo. Não havia uma explicação para. E realmente, de tudo que foi me informado, não houve nada plausível. Tentei a todo custo me fazer entender, me desnudar ainda mais. Mas tudo foi em vão. De fato, eu sou tímido, inseguro, não sei sentir. E as pessoas parecem não querer acreditar nisso. Porque como você mesma colocou, as palavras não tem materialidade, dimensão. É fácil aqui dizer as coisas que eu sinto. Por outro lado, quando estou em companhia, não é tão fácil. Eu não sei fazer sozinho. Eu realmente não conheço absolutamente nada de afetividade, de contato. Há o meu jeito filtrando as minhas idéias. Eu fico num estado de graça interno enorme. Mas não sei traduzir isso que não por ‘palavras escritas’. Tenho medo de errar, de fazer errado, de ser inconveniente, de machucar, etc. Mas não sei por em ação, a menos que haja algum estimulo concreto e muito especifico. Aconteceu uma vez, apenas. Esse sou eu, verdadeiramente falando. Não sei ‘jogar o jogo da sedução, do amor’, ou qualquer coisa do gênero. Não sei demonstrar, a não ser de maneira bastante sutil o que existe dentro de mim, o afeto que existe, a angústia que me habita. E isso não significa que eu não goste de ser tocado, ou qualquer coisa. Não significa que eu não goste efetivamente de sentir, mas sim que eu nunca tenho confiança suficiente para me permitir algo muito ousado, em certa medida. Quando eu estou com uma pessoa e desejo que ocorra algo, esse é o tipo de coisa fica passando pela minha cabeça enquanto eu presto atenção no que ela diz. Eu nunca soube o que quiseram de mim. E nunca me coloquei no papel do homem que obrigatoriamente tudo faz, que deve sempre tomar a iniciativa. E o curioso é que mesmo a ausência completa de contato não me machuca. Eu acho que me machuca mais o que essa ausência pode representar para a pessoa que eu gosto. O que mais me machuca é simplesmente não conseguir expressar claramente que a pessoa ao meu lado é especial para mim. Simplesmente eu travo, e as pessoas não entendem isso. Por isso eu recorro ‘as palavras escritas’. Não se trata, portanto, de ser fruto especificamente do computador, dos bits e bytes, como você coloca. Na verdade se trata das palavras, mesmo. Palavras, cartas de papel. De querer fazer com que o outro saiba o que existe dentro de mim e que eu simplesmente não consigo comunicar de outra forma, de um jeito mais prático, mais incisivo. Não há, então, um lado do Guilherme que viva numa ficção e outro que viva na realidade. Tudo o que eu quis foi realmente aprender a me portar na realidade. Não por acaso eu sempre me revolto com a sensação que tenho de ser um avatar, de não ter vida uma concreta. Sou um Álvaro de Campos que gostaria de aprender a ser um Alberto Caeiro, para ficar num campo mais literário. Sempre foi assim. Nunca neguei a possibilidade do sentir. Muito pelo contrário. Apesar dos meus medos, sempre insisti em ao menos tentar. Por isso encontrei com essas duas meninas. Porque elas pareciam que teriam um cuidado maior com relação as minhas limitações. Eu sempre enfatizava todas as minhas dificuldades. Meu objetivo nunca foi o de ser escritor, o de construir ficções, narrativas, etc. Eu sempre quis viver. Verdadeiramente viver, mas ao lado de alguém que pudesse me entender, ajudar a me desenvolver, a me libertar de mim mesmo. Por isso eu sempre falei para você: os meus textos não são literatice. Quisera eu não precisar escreve-los. Nunca me importei em ter um blog. Nunca quis obrigatoriamente ter um público para ler meus escritos. O blog tinha um objetivo de ser, que com o tempo se transformou. O blog sempre foi mais um canal de desabafo do que qualquer outra coisa. Desabafo com tudo, com as minhas fragilidades, com a minha postura, com meus medos, com meus traumas, minhas limitações, meus desejos, etc. Nada além. Palavras são a forma que eu sei manejar. Basicamente é isso.

Ainda tenho algumas outras observações a fazer sobre seu e-mail. Quando eu digo que gostei de você, não menti. Aliás, nunca tive a pretensão de te ferir, de te magoar, ou qualquer coisa desse tipo. Nunca quis ser cínico em relação a você, Renata. O problema é esse: você não pode captar a minha intenção. Houve um engano, quando sem querer usei o ‘Renatão’. E dali em diante você achou que eu queria tirar sarro de você, quando não foi isso. Tanto tenho consideração por você que volta e meia acato suas sugestões, como, por exemplo a Hilda Hilst. Foi o que eu te falei: gosto do que você escreve, gosto da sua presença. Mas não posso te obrigar a freqüentar esse espaço, caso você não deseje, caso te faça mal, como você já disse que iria fazer. A questão central que me intrigava desde o começo era uma, apenas: quem é você? Porque você parecia me conhecer, parecia me confundir com alguém, parecia não me conhecer. Hoje eu acho que realmente você ‘não me conhece’, do ponto de vista da ‘referencialidade’, ao passo que me conhece no que se refere a maneira como eu penso, as criticas que você faz em relação a minha postura. E você tem o direito de criticar, assim como eu posso te dizer se, a meu ver, as criticas procedem ou não. Quando diz, por exemplo, que as vezes eu sou meio intransigente, eu concordo, ao menos em parte. Não sei explicar bem, mas mesmo o meu jeito de tentar não ser intransigente, por vezes pode ser confundido com uma atitude intransigente, professoral. Até o jeito que eu escrevo, sério demais, quadrado demais, contribui para esse ar pedante que me envolve. Pedantismo esse que eu detesto e do qual sempre tento de todas as maneiras me esquivar. Mas muitas vezes fica essa impressão. O importante é haver a possibilidade de se discordar, entende? Diálogo mesmo e não intransigência.

Gostei da ‘imagem’ da televisão. Ela me lembra algumas coisas como ‘TV’s de 29 polegadas’. E gostei mais ainda da imagem da ‘nadja’ paulistana. Gosto de ‘mulheres-cobra’, por assim dizer, no sentido bonito do termo: elas deixam você a vontade para se expor.

Não é difícil achar alguém que te dê seu e-mail ou telefone? Não conheço ninguém que te conheça. A única referencia que tenho de você é seu nome e a sua cidade.

Bem, menina. Obrigado pelas suas palavras. Acho que fazia um bom tempo em que eu não me sentia verdadeiramente bem.

Se cuida!

Beijos!

Anônimo disse...

se cuida vc tb!
bjs
R.

Where I'm Anymore disse...

Sim, Renata, você tem razão. Admito que com você eu cometi não apenas um erro, mas um erro muito grave a meu ver: em determinado momento deixei de responder aos seus comentários. Posso até ter sido seco com você em algum momento, como fui, mas pior do que isso é ter lhe deixado falando sozinha.

Falo isso, Renata, porque realmente não desejo perder este contato que existe com você. Por isso mesmo que eu queria conseguir o seu e-mail, intenção esta que foi a minha desde que você apareceu por aqui. Sei que e-mail é apenas um paliativo, como já disse há pouco. Mas, estando você em São Paulo e eu em Belo Horizonte, me parece a única solução mais viável.

Enfim. Espero não ter falado nesses últimos comentários nenhuma bobagem que possa ter te ofendido. Porque no fim das contas a impressão sempre é essa: eu falo algo que para mim parece normal, ok, e de repente o efeito acaba sendo o oposto. Por isso sempre reitero o perigo das palavras. O meu e-mail, como você já sabe é 'gugasantlegas@yahoo.com.br'.

Mais uma vez peço desculpas pelo silêncio e agradeço pelo carinho de sempre.

Beijão,

Guilherme.