domingo, 5 de outubro de 2008

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Existe. Eu não sei o que é, mas eu posso dizer que existe. Tento descobrir seu nome, mas não encontro no dicionário essa coisa que não se sabe quente ou fria, que não se sabe aonde, que resolve atravessar meu sono e impregnar meus sonhos. Travesseiro, luz apagada, luz acesa, um livro e nada. Porque existe. E existindo, de nada adianta. Esboça uma fuga, chega na garganta e para. Para de pirraça, volta, dissimula, mente. Não para mim. Porque existe. Brinca de formar lágrimas, cai na pele, volta novamente. Brinca de formar palavras, brinca de ganhar sentidos que não se fazem verdadeiramente sentidos a não ser por ele mesmo. Uma criança galhofeira que gosta de brincar, mas não sabe como; que quer, que deseja, almeja, se mostra mas não se revela. Sim, se revela, mas... Todos perguntam: mas...? Dizem que é lenda. Carrego uma lenda viva, morta, que mortifica, que de todas as maneiras possíveis procura por uma manifestação, por um gesto, por água. Existe, insiste, mas erra quando se insere. É menos do que esperam, porque esperam dele sempre algo além da própria espera. Existe, porque só existindo para procurar por colo no meio da noite em meio a uma tempestade que não existe, mas igualmente existe. Existe porque quer ser partilhado, modificado, vivenciado e por isso cospe uma porção de letrinhas que tentam criar algum tipo de ponte com o que sequer se sabe se existe. Existe porque se não existisse não sufocaria, jamais faria olhar para o passado, dançar no presente e escorregar no futuro. Existe porque tem a coragem de ter medo, de se esconder para olhar, para tentar se preencher. Mas não forma, escolhe caminhos tortos, não sabe apenas existir. Tem pressa, desloca os pés do chão, pede pelo céu, cria asas e se afoga. E existe mesmo querendo não existir, sumir, toma todas as soluções possíveis, faz o que não se espera, dá a cara pelo pão. E isso, que existe, quer pouco, só um pouquinho, pode ser alguma folha, apenas, amarelada, perdida no meio de alguma terra encharcada. Não precisa ser uma mão, bastaria um dedo disposto a tocar suavemente o que envolve. Talvez. Talvez um vento para levá-lo para bem longe, além do existir. Mas hoje não, hoje existe. Existe e reclama, pede, carece, implora, inflama. Cega como a luz forte no rosto. Machuca como uma lâmpada que pisca intermitente. Entra, sai, volta, revolta, se aquieta, me engana. Dissolve-se em linhas, transborda-se em nós. Apertados. Tenciona. Afrouxa. Algum alívio, alguma chance. Sobe as escadas, chega no topo, olha de cima, se acha pequeno, tropeça, cai, olha pra estrelas. Pisca, pisca, pisca, pisca, imita o movimento, cansa. Cansa de existir mas não desiste. Talvez... Mas não. Resiste, é primo do urubu pintado de verde. Almeja encontrar um brilho nas duas azeitonas pretas que dizem ser a entrada da casa, de alguma casa, de algum labirinto ou álbum abismo. Não se importa. Machuca quando atravessa o corredor e pede passagem. Não sabe, cria outras formas, burla sistemas, se esconde no papel à procura de. Fica lá, quietinho quietinho, na dele. imóvel. Anunciam sua morte quando tudo o que isso, que existe, quer mostrar é vida. Um pingo de vida. Aperta o próprio peito, tenta esquecer de si mesmo: lembra que existe. Atordoa, destrói, paraliza, quebra a bolsa dos valores. De todos, questiona tudo, não acha pilares. Caminha entre os escombros de suas vítimas. Encontra uma flor e tenta a sorte grande às custas das frágeis pétalas. Sentado, existe e espera - em pé, andando de um lado para o outro enquanto as luzes acordam.

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