Por que me escolheu? Talvez porque no início pensasse que eu encontraria as respostas, e ele então saberia?
você vai achar, Hillé, seja o que for que você procura.
como é que você sabe?
porque nada nem ninguém agüenta ser assim perseguido
o que é Derrelição, Ehud?
vem, vamos procurar juntos, Derrelição Derrelição, está aqui: do latim derelictione, Abandono, é isso, Desamparo, Abandono. Por quê?
porque li essa palavra e fiquei triste
triste? Mesmo não sabendo o que queria dizer?
DERRELIÇÃO. não, não parece triste, talvez porque as duas primeiras sílabas lembram derrota, e lição é sempre muito chato. não, não é triste, é até bonita. Desamparo, Abandono, assim que nos deixaste. Porco-Menino, menino-porco, tu alhures algures acolá lá longe no alto aliors, no fundo cavucando, inventando sofisticando maquinarias de carne, gozando o teu lazer: que o homem tenha um cérebro sim, mas que nunca alcance, que sinta amor sim mas que nunca fique pleno, que intua sim meu existir mas que jamais conheça a raiz do meu mais ínfimo gesto, que sinta paroxismo de ódio e de pavor a tal ponto que se consuma e assim me liberte, que aos poucos deseje nunca mais procriar e coma o cu do outro, que rasteje faminto de todos os sentidos, que apodreça, homem, que apodreças, e decomposto, corpo vivo de vermes, depois urna de cinza, que os teus pares te esqueçam, que eu mesma me esqueça e focinhe a eternidade à procura de uma melhor idéia, de uma nova desengonçada geometria, mais êxtase para a minha plenitude de matéria, licores e ostras
vem depressa, Hillé, olha um bichinho tão delicado engolindo o outro
tira, Ehud, não deixa, pára pára
não grita, imagine, quem sou eu para decidir da vida e da fome de um outro
(A Obscena Senhora D, Hilda Hilst)
você vai achar, Hillé, seja o que for que você procura.
como é que você sabe?
porque nada nem ninguém agüenta ser assim perseguido
o que é Derrelição, Ehud?
vem, vamos procurar juntos, Derrelição Derrelição, está aqui: do latim derelictione, Abandono, é isso, Desamparo, Abandono. Por quê?
porque li essa palavra e fiquei triste
triste? Mesmo não sabendo o que queria dizer?
DERRELIÇÃO. não, não parece triste, talvez porque as duas primeiras sílabas lembram derrota, e lição é sempre muito chato. não, não é triste, é até bonita. Desamparo, Abandono, assim que nos deixaste. Porco-Menino, menino-porco, tu alhures algures acolá lá longe no alto aliors, no fundo cavucando, inventando sofisticando maquinarias de carne, gozando o teu lazer: que o homem tenha um cérebro sim, mas que nunca alcance, que sinta amor sim mas que nunca fique pleno, que intua sim meu existir mas que jamais conheça a raiz do meu mais ínfimo gesto, que sinta paroxismo de ódio e de pavor a tal ponto que se consuma e assim me liberte, que aos poucos deseje nunca mais procriar e coma o cu do outro, que rasteje faminto de todos os sentidos, que apodreça, homem, que apodreças, e decomposto, corpo vivo de vermes, depois urna de cinza, que os teus pares te esqueçam, que eu mesma me esqueça e focinhe a eternidade à procura de uma melhor idéia, de uma nova desengonçada geometria, mais êxtase para a minha plenitude de matéria, licores e ostras
vem depressa, Hillé, olha um bichinho tão delicado engolindo o outro
tira, Ehud, não deixa, pára pára
não grita, imagine, quem sou eu para decidir da vida e da fome de um outro
(A Obscena Senhora D, Hilda Hilst)
2 comentários:
A grande tragédia do "amar" ...
Aquela que mais amaremos.
Aquela que mais nos amará.
Duas pessoas que nunca se coincidirão em uma só e muitas vezes só a primeira conheceremos, por que só da primeira podemos ter a plena certeza da existência.
( outro fio desencapado - e de alta voltagem )
Li de novo esse trecho da senhora D ontem, antes de dormir, e tb o poema do A. Campos, que ainda não conhecia. Como, segundo o teu olhar, precisaria de algum tônico q me fizesse crescer as idéias e os cabelos sobre a estúpida cabeça de mulher, convoquei a imaginação e ela convidou os sonhos.
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no poema q vc escolheu do AC,
gosto mais ainda do seguinte trecho:
Quanto do que me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!
À esquerda o casebre - sim, o casebre - à beira da estrada
À direita o campo aberto, com a lua ao longe.
O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade,
É agora uma coisa onde estou fechado
Que só posso conduzir se nele estiver fechado,
Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.
-- não te lembra alguma coisa?
Sonhei com a mãe dos filhos q
vc nunca teve, Guilherme. Falou-me
de belos objetos e pequenas traições.
De manhã me sobrava muito pouco desse sonho.
Mas me lembro bastante bem de gritos reais de um homem, lancinantes,entre cheiro de álcool e baratas (foi ainda outro dia...)
-- gritaste comigo e talvez quisesses gritar com ela?
Eram gritos de alguém livre ou encurralado?
Do que era/é feita a nossa prisão?
bjs
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