domingo, 27 de dezembro de 2009

O Apocalipse Segundo Cioran.

- Como pode ajudar um trabalho que pede a futilidade, a falta de sentido?
- Ajuda porque formula coisas que os outros sentem. Dá-lhes consciência para se encontrarem.
- Para consertar o desespero, não é esse um caminho para fazer as coisas trabalharem de modo mais coerente?
- Tudo que é formulado se torna mais tolerável. Você entende? A expressão, esse é o remédio. Qual é o definitivo propósito de confessar a um padre que você fez isso ou aquilo? O crente busca com isso liberar-se. Tudo o que é formulado tem sua intensidade diminuida. Isso é terapeutico e o propósito da terapia. De fato, as depressões que tive em minha vida poderiam ter me levado à loucura ou ao fracasso total. O fato de que eu as formulei teve uma eficiência extraordinária. Se eu nunca tivesse escrito, estou plenamente convencido de que tudo teria acabado mal. Eu escrevi cinco livros em romeno e oito ou nove em francês.
- E agora?
- Parei de escrever porque algo mudou em mim. É uma diminuição em relação a um sentimento - a intensidade de uma emoção. E eu comecei a observar uma espécie de fadiga em mim mesmo, um nojo da expressão. Eu parei de acreditar nas palavras. Sem falar no espetáculo literário em Paris, onde todos escrevem de manhã até à noite sem parar. Eu neguei - como fiz minha vida inteira -, eu neguei, mas essa negatividade militante já não mais me interessa. Como se meu aspecto guerreiro servisse a negação como um meio para a libertação. Foi a partir disso que parei de me importar. Não preciso mais disso. É um simples fenômeno; para falar a verdade, fadiga.
- Essa fadiga não traz consigo algum tipo de reconciliação?
- Não, não, mas diminui. Eu tive por toda a minha vida esta extraordinária aspiração de ser o mais lúcido homem que já conheci. Uma forma de megalomania. É verdade que durante toda a minha vida tive o sentimento de que todos viviam em ilusão - exceto eu. E de fato, tive essa profunda convicção. Embora não seja uma forma de desdém. O sentimento de que eu tinha de que tudo está errado, de que todos são ingênuos, me fez dar a mim mesmo a chance de não estar errado. É como não participar de nada e apenas encenar em uma espécie de comédia para outros sem participar dessa comédia.
- Portanto, no fim você estava certo...
- Absolutamente.

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