domingo, 27 de dezembro de 2009

Ciorando (12).

Recorda-se de haver nascido em algum lugar, de haver acreditado nos erros natais, proposto princípios e defendido tolices inflamadas. Envergonha-se... e obstina-se em abjurar seu passado, suas pátrias reais ou sonhadas, as verdades surgidas de sua medula. Só encontrará paz depois de haver aniquilado nele o último reflexo de cidadão e os entusiasmos herdados. Como poderiam acorrentá-lo ainda os costumes do coração, quando quer emancipar-se das genealogias e quando o ideal mesmo do sábio antigo, desprezador de todas as cidades, parece-lhe um compromisso? Quem não pode mais tomar partido, porque todos os homens têm e não têm necessariamente razão, porque tudo está justificado e é insensato ao mesmo tempo, esse deve renunciar a seu próprio nome, pisotear sua identidade e recomeçar uma nova vida na impassibilidade ou na desesperança. Ou, senão, inventar um outro tipo de solidão, expatriar-se no vazio e seguir – ao azar dos exílios – as etapas do desenraizamento. Livre de todos os preconceitos, torna-se o homem inutilizável por excelência, ao qual ninguém recorre e que ninguém tema, porque admite e repudia tudo com o mesmo desapego. Menos perigoso que um inseto distraído, é contudo um flagelo para a Vida, pois ela desapareceu de seu vocabulário, junto com os sete dias da Criação. A e a Vida o perdoaria se ao menos tomasse gosto pelo caos em que ela começou. Mas ele renega as origens febris, começando pela sua, conservando do mundo apenas uma memória fria e um pesar cortês.

(De abjuração em abjuração, sua existência diminui: mais vago e mais irreal que um silogismo de suspiros, como será ainda um ser de carne e osso? Exangue, rivaliza com a Idéia; abstraiu-se de seus antepassados, de seus amigos, de todas as almas e de si mesmo; em suas veias, outrora turbulentas, repousa uma luz de outro mundo. Emancipado do que viveu, desinteressado do que viverá, demore os marcos divisórios de todas as suas estradas, e subtrai-se às referências de todos os tempos. “Nunca voltarei a encontra-me comigo”, se diz, feliz de dirigir seu último ódio contra si mesmo, mais feliz ainda ao aniquilar – com seu perdão os seres e as coisas.)

(Breviário de Decomposição, Emil Cioran)

Um comentário:

Anônimo disse...

"Noite Estrelada.
Quando o monge beneditino Dom Pérignon sorveu o primeiro gole de champagne, exclamou: “É como beber estrelas!”.

Pois é ... ontem bebi várias constelações, Ursa Maior, Ursa Menor, Cassiopeia, Cruzeiro do Sul, Três Marias ... enfim, fui dormir estrelada.
...
De bom tenho a dizer que os seres que dentro de mim habitam puderam guiar-se pelas estrelas. "


bom diálogo pra vcs!
(ainda sonhando com um kintal tranquilo...)
abs