quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Mentiras sinceras me interessam.

- O ouro existe... é preciso encontrá-lo, nada mais. Você devia alegrar-se de que tudo esteja se organizando para ir buscá-lo. Ou você acha que esses animais se moverão se não forem puxados pelas mentiras extraordinárias? Ah, o quanto tenho pensando! Nisto se estriba o importante da teoria do Astrólogo: os homens só são sacudidos pelas mentiras. Ele dá ao falso a consistência do verdadeiro; pessoas que jamais teriam caminhado para alcançar algo, gente desfeita por todas as desilusões, ressuscitam na virtude de suas mentiras. Você quer, por acaso, algo maior? Veja que, na realidade, ocorre o mesmo, e ninguém o condena. Sim, todas as coisas são aparências... dê-se conta... não há homem que não admita as pequenas e estúpidas mentiras que regem o funcionamento de nossa sociedade. Qual é o pecado do Astrólogo? Substituir uma mentira insignificante por uma mentira eloqüente, enorme, transcendental. O Astrólogo, com suas falsidades, não parece um homem extraordinário, e não o é... e o é; o é... porque não tira proveito pessoal de suas mentiras, e não é porque ele não faz outra coisa senão aplicar um velho princípio posto em prática por todos os vigaristas e reorganizadores da humanidade. Se algum dia for escrita a história desse homem, os que a lerem e tiverem um pouco de sangue frio dirão: era grande, porque para chegar a concretizar seus ideais utilizava os meios ao alcance de qualquer charlatão. E o que a nós parece novelesco, e inquietante, não é nada mais do que angústia dos espíritos débeis e medíocres, que só crêem no êxito quando os meios para alcançá-lo são complicados, misteriosos, e não simples. E, no entanto, você devia saber que os grandes atos são simples, como o prova o ovo de Colombo.
- A verdade da mentira?
- Isso mesmo. O que há é que nos falta a coragem para grandes empreendimentos, Imaginamos que a administração de um Estado é mais complicada que a de uma casa modesta, e pomos nos fatos um excesso de novelesco, de romanticismo idiota.

(Os Sete Loucos, Roberto Arlt)

Do sétimo andar.

Então, como um desesperado que se joga de um sétimo andar, ele se entregava ao delicioso terror da masturbação, querendo aniquilar seus remorsos em um mundo do qual ninguém podia expulsá-lo, rodenando-se das delícias que estavam distanciadas da sua vida, de todos os corpos mais distintos e formosos, que exigiriam uma soma imensa de existência e dinheiro para serem gozados.

(Os Sete Loucos, Roberto Arlt)

Redes sociais.

Fala demais por não ter nada a dizer.

(Índios,
Legião Urbana)

sábado, 27 de agosto de 2011

Realengo.

Eu mesmo estou descentrado, não sou o que sou, e, no entanto, algo preciso para ter consciência de minha existência, para afirmá-la. Isso mesmo, para afirmá-la. Porque eu sou como um morto. Não existo nem para Barsut. Eles, se quiserem, podem me por na cadei, Barsut pode esbofetear-me mais uma vez, Elsa pode ir-se com outro em minhas barbas, o capitão pode levá-la novamente. Para todos sou a negação da vida. Sou algo assim como o não ser. Um homem que não é ação, logo, não existe. Ou existe apesar de não ser? É e não é. Aí estão esses homens. Certamente têm mulher, filhos, casa. São, talvez, uns miseráveis. Mas se alguém tentasse invadir suas casas, tomar-lhes um centavo ou tocar em suas mulheres, se tornariam feras. E eu, por que não me rebelei? Quem pode responder a essa pergunta? Eu mesmo não posso. Sei que existo assim como negação. E que quando me digo todas essas coisas não estou triste, senão que minha alma fica em silêncio, a cabeça no vácuo. Então, depois deste silêncio e deste vácuo me sobe ao coração a curiosidade do assassinato, curiosidade que deve ser minha última tristeza, a tristeza da curiosidade. Ver como sou através de um crime. Isso, isso mesmo. Ver como se comporta minha consciência e minha sensibilidade na ação de um crime.

No entanto, estas palavras não me dão a sensação do crime do mesmo modo que o telegrama de uma catástrofe na China não me dá a sensação da catástrofe. É como se eu não fosse o que pensa o assassinato, mas outro. Outro que seria como eu um homem ingênuo, uma sombra de homem, à maneira do cinema. Tem relevo, se move, parece que existe, que sofre, e, no entanto, não é nada mais que uma sombra. Falta-lhe vida. Diga, Deus, se isto não está bem raciocinado. Pois bem: o que faria o homem-sombra? O homem-sombra perceberia o fato, mas não sentiria seu peso, porque lhe falta volume para conter um peso. É sombra. Eu também vejo o acontecido, mas não o contenho. Esta deve ser uma teoria nova. Que diria um juiz criminal ao conhecê-la? Dar-se-ia conta de quanto sou sincero? Mas essa gente acredita na sinceridade? Fora de mim, dos limites do meu corpo, existe o movimento, mas para eles a minha vida deve ser tão inconcebível como viver ao mesmo tempo na Terra e na Lua. Eu sou o nada para todos. E, no entanto, se amanhã atiro uma bomba, ou assassino Barsut, me converto no todo, no homem que existe, no homem para o qual infinitas gerações de jurisconsultos preparam castigos, cárceres e teorias. Eu, que sou o nada, de repente porei em movimento esse terrível mecanismo e policiais, secretários, jornalistas, advogados, fiscais, guardiães de cárceres, camburões, e ninguém verá em mim um infeliz, mas o homem anti-social, o inimigo que é preciso separar da sociedade. Isso sim que é curioso! E, no entanto, só o crime pode afirmar a minha existência, como só o mal afirma a presença do homem na Terra. E eu seria o Erdosain, previsto, temido, caracterizado pelo código, e entre os milhares de Erdosains anônimos que infectam o mundo, seria o outro Erdosain, o autêntico, o que é e será. Realmente, é curioso tudo isso. No entanto, apesar de tudo existem as trevas, e a alma do homem é triste. Infinitamente triste. Mas a vida não pode ser assim. Um sentimento interno me diz que a vida não deve ser assim. Se eu descobrisse a particularidade de por que a vida não pode ser assim, me furaria e, como um balão, me desinflaria de todo este vendo te mentira e sobraria de minha aparência atual um homem novo, forte como um dos primeiros deuses de animaram a criação. Com tudo isto perdi o fio da meada. Vejo ou não vejo o Astrólogo? Quem dirá quando me vir chegar outra vez? Talvez me espere. Ele é, como eu, um mistério para si mesmo. Essa é a verdade.

(Os Sete Loucos, Roberto Arlt)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Semiologia.

A persistência do significante cria um abismo diante do novo significado.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Furando os balões.

- O senhor se apaixonou por alguma delas?
- Oh, não, mas tive pequenos casos que vieram provar-me que as mais inteligentes são de uma espantosa estreiteza mental. Veja, por exemplo: um dia conheço uma mocinha, meio literata e meio tuberculosa. Vamos tomar um café juntos; dalia a cinco minutos ela já estava falando de seus pijamas coloridos, de suas mãos "ebúrneas e pálidas", do tabaco suave e da música de Debussy.. Sabe o que eu fiz? Interrompi suas confidências sobre arte transcendental, perguntando se ela menstruava com regularidade e se evacuava todos os dias.

(Uma Tarde de Domingo, Roberto Arlt)

Das profundezas.

Quando não há jogo, os queixos descansam engastados nas palmas das mãos. O cigarro se consome lentamente no canto dos lábios... e então... quando menos se espera surge o sofrimento surdo, algo como uma nostalgia das entranhas que ignoram o que querem, enruga as testas, ah! como explicar este desespero, corremos para a rua, vamos até os apartamentos onde nunca falta uma vagabunda com quem se deitar e desafogar babando num mau sonho esta dor que não sabemos de onde vem nem para quê.

E é que todos trazemos dentro de nós um tédio horrível, um palavrão contido, um golpe que não sabe onde cair, e se o Relojoeiro desanca sua mulher a pontapés é porque na noite suja do quarto sua alma empoça uma dor que é como a aflição do nervo de um dente podre.

(As Feras, Roberto Arlt)

domingo, 21 de agosto de 2011

Obras.

- Para que perder o sono com lutas estéreis, se no fim da estrada temos como único prêmio uma profunda sepultura e um nada infinito?

(Escritor Fracassado, Roberto Arlt)