Mas continha-se a tempo, porque sabia que fazê-lo era pesar um pouco mais sobre sua vida e (pensava), portanto, afastá-la ainda mais: da mesma forma que o náufrago desesperado pela sede sobre seu bote deve resistir à tentação de tomar água salgada, porque sabe que isso unicamente lhe dará uma sede ainda mais insaciável. Não, claro que não a chamaria. Talvez o que ocorresse era que já havia cortado demasiadamente sua liberdade, havia pesado excessivamente sobre ela; porque ele se havia lançado, se havia precipitado sobre Alejandra, impelido por sua solidão. E talvez se lhe concedesse toda a liberdade fosse possível que voltassem os primeiros tempos.
Mas uma convicção mais profunda, embora tácita, inclinava-o a pensar que o tempo dos seres humanos não volta jamais atrás, que nada volta a ser o que era antes e que quando os sentimentos se deterioram ou se transformam não há milagre que os possa restaurar em sua qualidade inicial: como uma bandeira que vai se sujando e gastando (como dissera Bruno). Mas sua esperança lutava, pois, como pensava Bruno, a esperança não deixa de lutar embora a luta esteja condenada ao fracasso, já que, precisamente, a esperança só surge em meio ao infortúnio e em razão dele. Por acaso poderia alguém depois dar a ela o que ele já lhe dera? Sua ternura, sua compreensão, seu limitado amor? Mas em seguida a palavra "depois" aumentava sua tristeza, porque fazia-o imaginar um futuro em que ela não mais estaria a seu lado, um futuro em que um outro, outro! Lhe diria palavras semelhantes às que ele lhe havia dito e que ela havia escutado com olhos fervorosos em momentos que já lhe pareciam inverossímeis; olhos e momentos que ele havia julgado que seriam eternamente para ele, que permaneceriam para sempre em sua absoluta e comovedora perfeição, como a beleza de uma estátua. E ela e esse Outro cujo rosto não podia imaginar andariam juntos pelas mesmas ruas e lugares que havia percorrido com Martin; enquanto ele já não existiria para Alejandra, ou seria apenas uma lembrança decrescente de pena e ternura, ou talvez de fastídio ou comicidade. E logo se empenhava em imaginá-la em momentos de paixão, pronunciando as palavras secretas que se dizem nesses momentos, quando o mundo inteiro e também e sobretudo ele, Martin, ficam horrorosamente excluídos, fora do quarto em que estão seus corpos desnudos e seus gemidos; então Martin corria a um telefone, dizendo-se que afinal bastava discar seis números para ouvir sua voz. Mas mesmo antes de completar a ligação já a interrompia, pois tinha a suficiente experiência para compreender que se pode estar ao lado de outro ser, ouvi-lo e tocá-lo, e não obstante estar dele separado por muralhas intransponíveis; assim como, uma vez mortos, nossos espíritos podem estar próximos daquele que um dia quisemos e, no entanto, separados angustiosamente pela muralha invisível mas intransponível que para sempre impede aos mortos ter comunhão com o mundo dos vivos.
(Sobre Heróis e Tumbas, Ernesto Sábato)
Mas uma convicção mais profunda, embora tácita, inclinava-o a pensar que o tempo dos seres humanos não volta jamais atrás, que nada volta a ser o que era antes e que quando os sentimentos se deterioram ou se transformam não há milagre que os possa restaurar em sua qualidade inicial: como uma bandeira que vai se sujando e gastando (como dissera Bruno). Mas sua esperança lutava, pois, como pensava Bruno, a esperança não deixa de lutar embora a luta esteja condenada ao fracasso, já que, precisamente, a esperança só surge em meio ao infortúnio e em razão dele. Por acaso poderia alguém depois dar a ela o que ele já lhe dera? Sua ternura, sua compreensão, seu limitado amor? Mas em seguida a palavra "depois" aumentava sua tristeza, porque fazia-o imaginar um futuro em que ela não mais estaria a seu lado, um futuro em que um outro, outro! Lhe diria palavras semelhantes às que ele lhe havia dito e que ela havia escutado com olhos fervorosos em momentos que já lhe pareciam inverossímeis; olhos e momentos que ele havia julgado que seriam eternamente para ele, que permaneceriam para sempre em sua absoluta e comovedora perfeição, como a beleza de uma estátua. E ela e esse Outro cujo rosto não podia imaginar andariam juntos pelas mesmas ruas e lugares que havia percorrido com Martin; enquanto ele já não existiria para Alejandra, ou seria apenas uma lembrança decrescente de pena e ternura, ou talvez de fastídio ou comicidade. E logo se empenhava em imaginá-la em momentos de paixão, pronunciando as palavras secretas que se dizem nesses momentos, quando o mundo inteiro e também e sobretudo ele, Martin, ficam horrorosamente excluídos, fora do quarto em que estão seus corpos desnudos e seus gemidos; então Martin corria a um telefone, dizendo-se que afinal bastava discar seis números para ouvir sua voz. Mas mesmo antes de completar a ligação já a interrompia, pois tinha a suficiente experiência para compreender que se pode estar ao lado de outro ser, ouvi-lo e tocá-lo, e não obstante estar dele separado por muralhas intransponíveis; assim como, uma vez mortos, nossos espíritos podem estar próximos daquele que um dia quisemos e, no entanto, separados angustiosamente pela muralha invisível mas intransponível que para sempre impede aos mortos ter comunhão com o mundo dos vivos.
(Sobre Heróis e Tumbas, Ernesto Sábato)
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