quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Da Vaidade.

Como dizia, eu me chamo Juan Pablo Castel. Poderão perguntar o que me move a escrever a história de meu crime (não sei se já disse que vou relatar o meu crime) e, sobretudo, a procurar um editor. Conheço bem a alma humana para prever que hão de pensar que seja por vaidade. Pensem o que quiserem – pouco me importa; faz tempo que pouco me importam a opinião e a justiça dos homens. Admita-se pois, que publico esta história por vaidade. Afinal de contas sou feito de carne, osso cabelos e unhas, como qualquer outro homem, e me pareceria muito injusto que exigissem de mim, precisamente de mim, qualidades especiais; às vezes alguém se considera um super-homem, até o momento em que chega a conclusão de que também é mesquinho, desonesto e pérfido. Da vaidade não digo mais nada: creio que ninguém é desprovido desse notável motor do progresso humano. Fazem-me rir esses senhores que surgem com a modéstia de Einstein ou outro semelhante; resposta: é fácil ser modesto quando se e célebre; quero dizer, parecer modesto. Mesmo quando se imagina que não existe em absoluto, logo ela é descoberta, na sua forma mais sutil: a vaidade da modéstia! Até um homem, real ou simbólico, como Cisto, o ser diante do qual senti, e ainda hoje sinto, o respeito mais profundo, pronunciou palavras sugeridas pela vaidade, ou ao menos pela soberba. Que dizer de León Bloy, que se defendia da acusação de soberba argumentando haver passado a vida a servir indivíduos que nem sequer lhe chegavam aos joelhos? A vaidade se encontra nos lugares mais imprevistos: ao lado da bondade, da abnegação, da generosidade. Quando eu era menino e me desesperava ante a idéia de que minha mãe haveria de morrer um dia (com os anos chega-se a saber que a morte não somente é suportável, mas também até reconfortante), não concebia que minha mãe pudesse ter defeitos. Agora que ela não mais existe, devo dizer que foi tão boa como qualquer outro ser humano pode vir a ser. Porém recordo, em seus últimos anos, quando eu já era um homem, o quanto, no princípio, me doía descobrir, debaixo de suas melhores ações, um sutilíssimo ingrediente de vaidade e de orgulho. Algo de muito mais demonstrativo sucedeu a mim próprio, quando a operaram de câncer. Para chegar a tempo, tive de viajar dias inteiros sem dormir. Ao abeirar-me da cama, seu rosto cadavérico pôde ainda sorrir-me levemente, com ternura, e ela murmurou umas palavras de compadecimento (condoia-se do meu cansaço!). E eu senti no íntimo, obscuramente, o vaidoso orgulho de haver chegado tão rápido. Confesso esse segredo para que vejam até que ponto não me considero melhor do que os outros.

No entanto, não conto esta história por vaidade. Poderia talvez admitir que exista algo de orgulho ou de soberba. Mas, por que essa mania de querer encontrar explicação para todos os atos de minha vida? Quando iniciei esse relato, estava firmemente decidido a não dar explicações de nenhuma espécie. Tinha ímpetos de contar a história do meu crime, e pronto: quem não gostasse, não a lesse. Se bem que não o creia, pois precisamente essa gente que anda sempre atrás de explicações é a mais curiosa, e acho que nenhuma delas perderá a oportunidade de ler a história de um crime até o fim.

(O Túnel, Ernesto Sábato)

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