segunda-feira, 14 de abril de 2008

Sob efeito da vida...

Talvez seja pelo fato de ser um sonho. Tudo se mistura, todas as falas se interpõem e revestem o silêncio de sentido. Toda a efervescência em um estado bruto, prestes a ser lapidado. O lugar da perfeição. Basta abrir os olhos, sair do transe para tudo cair por terra. É simples: abrir a boca destrói o fluxo. Menos do que isso: pensar desfragmenta a corrente, organiza. E naquele momento tudo o que deve ser pensado é exatamente um não pensamento. A primeira vez, Caeiro, duas lágrimas, o desejo continuamente contido, a extrema deformidade que baliza o momento do sentir, o sentir sem pensar, o pensar sentindo, o medo. Tava tudo exatamente ali no intervalo entre a vida e a vida. E nesse intervalo em que me pus a deixar a consciência de lado, ela se incumbiu de colar quase como um poema dadaísta – surrealisticamente – as pecinhas que não se encaixariam em nenhuma espécie de quebra cabeças. Todas as dimensões de alguma maneira se ligam com a mais bela inexatidão. De repente, eu não sou eu mesmo, ao mesmo tempo em que esse lugar passa a encontrar uma porção de explicações para coisas aparentemente inexplicáveis. A velha mania de perseguir as explicações. Parece alucinação, efeito de uma droga qualquer. Mas é apenas o existir, o ser. A confusão organiza os passos. É como pisar na superfície lunar e tentar se acostumar com a diferença da gravidade, mas em vez de ser o meu corpo é o meu pensamento que está sob efeito dessa mesma gravidade estranha e muitas vezes oscilante. Acordei tendo muito a dizer e de repente, quando me dei conta, não sabia sobre o que exatamente havia para falar. Os mesmos temas recorrentes que ganham relevo naquela segunda leitura da experiência. Li meu coração novamente e foi como se eu conseguisse espremer dele tanta coisa que eu não consegui sentir antes. É assim que as pontes são feitas, eu acho. E é assim também que as pontes são quebradas e as mãos se encontram - sem nem se tocar.

3 comentários:

Anônimo disse...

oi
vc me lembrou com esse texto alguma coisa da floresta do alheamento... um poema-delírio, que não sei se é sonho ou pesadelo.



abs/Renata

Where I'm Anymore disse...

Obrigado pela dica, Renata. Descobri que esse 'Na Floresta do Alheamento' é do semi-heterônimo Bernardo Soares, do meu queridão Fernando Pessoa. Assim que eu tiver um tempinho eu vou ler com calma.

Não some não, menina! Qualquer coisa, vamos manter contatos literários.

Abraços e mais uma vez obrigado!

Anônimo disse...

falou
abs! :)

Renata