quinta-feira, 24 de abril de 2008

2:45 am

- Alô?
- Alô, sou eu. Posso falar agora?
- Sim.
- Você acha que suas palavras não me cortam? Aliás, tudo que eu queria entender de verdade é o que você acha de mim. Quando eu disse cortar, eu não disse ferir, embora às vezes realmente elas me firam. Mas eu sei que amar tem a ver com ferir e que na grande maioria das vezes que isso ocorre é algo totalmente involuntário. Até agora estou com seu último telefonema em minha cabeça. Não falei nada na hora por um motivo apenas: não tenho timing. Parece que a minha vida é sempre em relação a um passado. A minha vida passa por mim e quando eu pego nela já é tarde demais: simplesmente acabou. Como da última vez que estive com você diante de mim. É tanta ânsia que eu simplesmente travo. Isso não quer dizer que eu não te ame muito menos que não te deseje. Pelo contrário: acho que é excesso de amor e desejo.
- Você supõe demais as coisas que eu sinto.
- Sim, você sabe muito bem que eu suponho. Mas acho que acerto em muito do que digo. Sinto isso pela forma que você se comporta em relação a mim. Se eu não dissesse nada que fosse realmente adequado, você simplesmente não me daria ‘trela’ e isso não te deixaria transtornada, como em alguns momentos. Eu sei que eu te machuco. E isso dói em mim. Mas de certa maneira acho que nós dois procuramos essa dor para nos sentirmos vivos. Pode realmente parecer absurdo, mas eu não consigo parar de pensar em você, de querer conversar com você, de querer saber como você está. Ainda hoje estava pensando comigo, enquanto andava de ônibus, que você já faz parte da minha vida. Não consigo mais me imaginar sem você.
- (...)
- Ouviu o silêncio?
- Ouvi.
- Ele me perfura. Gosto do silêncio. Mas sei que ele me perfura. E que te perfura. Mas às vezes ele é importante para que a gente entenda algumas coisas. Não, eu não te ignoro e não tenho sequer motivo para isso. Já tive medo do que eu sinto por você. Muito. Medo de estar sendo falso e de estar te iludindo. Quis cortar o mal pela raiz e me afastar de você. Só que foi tarde demais: você já estava em mim. E você sabe: quando isso acontece não adianta lutar contra porque se trata de uma luta vã. Você fica cercado. E se eu não consegui me concentrar ontem quando estava estudando e voltei para falar com você foi porque eu sei que perdi a luta – o que não se trata exatamente de uma derrota, mas talvez de uma vitória. Ou não. Pouco me importa a essa altura do campeonato saber o que é e o que não é com exatidão.
- Mas você não...
- Você que não entende. Gosto quando você grita, quando esperneia e dá ataque. É preciso saber dar vazão ao que se sente, sem medo. Mas você só se revolta por dentro, o que é um começo. Só que é preciso que você termine. Já pensou na quantidade de revoluções que acabaram antes mesmo de começar? Você é revolucionária. Não digo no sentido estritamente político ou de mobilização armada. Não se trata disso. É mais: sua arma é a sua vida; suas idéias; seu talento. Queria que fosse simples você enxergar isso tudo, que um espelho lhe bastasse. Mas o espelho só mostra a superfície, não deixa escapar a lava que te habita. Um turbilhão por natureza.
- É difícil modificar a ordem das coisas.
- Eu não disse que é fácil, menina. Mas me diga: o que é a vida? Por não acreditar em nada depois dela, eu acho que ela é a nossa única chance. E para se tornar imortal é preciso se fazer imortal em vida. Você tem mãos. É com elas que você pode mobilizar os seus instrumentos. Você tem pernas, pés. É preciso andar. E no percurso o seu rastro se torna algo posterior, imortal. Sem se dar conta os seus rastros são a sua revolução: marcam a vida depois da morte, ainda em vida. E você tem talento. Um talento que não pode ser desperdiçado.
- Você diz isso para me bajular...
- Não tenho porquê te bajular até porque durante todo esse tempo eu sempre procurei ser franco com você. Que eu te amo, você sabe há muito e acho que não preciso te dizer isso, embora materializar o nosso sentimento seja algo importante. Se eu me permito ser sincero com você é porque eu quero te ver maior. Mas quero deixar claro que a escolha é sempre sua e nem sempre ela deve coincidir com o que eu digo, porque eu vejo a sua vida pela janela. E é exatamente dessa janela que eu vejo um brilho que você insiste em esconder mas que até uma pessoa cega com sensibilidade seria capaz de enxergar. Não precisa ficar enrubescida. Não tem porquê. Tudo bem: eu gosto de te ver tímida, mas porque acho que você fica mais bonita. Pena que o telefone não me permita te enxergar agora...
- O que você quer que eu faça? Porque do jeito que tu diz até parece que as coisas são simples.
- Eu quero simplesmente que você viva, menina. Infelizmente não há fórmulas de conduta. Nem sempre o que a gente acha que seria bom se mostra bom na prática. Eu erro, sou imperfeito, sofro e tenho medo também. Tanto ou mais do que você. A gente está aprendendo junto, um com o outro a cada dia que passa. E você sabe muito bem que, apesar de todos os meus carinhosos puxões de orelha, você está no caminho certo.
- Tem certeza?
- Sim. Certeza absoluta. E se eu te liguei a essa hora da manhã mesmo sabendo que você detesta falar ao telefone – por mais que você não admita que na verdade ame falar ao telefone e tenha uma voz absolutamente deliciosa – não foi para te dar sermão nenhum, porque você não precisa de nenhum tipo de sermão.
- Foi por que, então?
- Para dizer que eu estou com muitas saudades de você, seja quem você for. Ah: quando eu disse que você foi um erro e um engano em minha vida, simplesmente omiti o fato que você foi meu melhor erro e o meu melhor engano – porque nada teve de errôneo ou enganoso.

Um comentário:

Anônimo disse...

limdo!