quinta-feira, 28 de junho de 2012

Um Sem Noção...

... que deixou escapar uma idéia sensata:

"Eu preciso da palavra gnóstica, da palavra maniqueu e eu preciso dela não porque eu não saiba falar as palavras do mundo; eu sei imitá-las muito bem, eu sei imitar a palavra-correta, a palavra “nossa-que-cara-culto!”, a palavra “olha-como-ele-é-articulado”, eu sei, eu falo de cabeça cheia, eu tirei dez, a chamada nota máxima em quase todos os trabalhos que escrevi numa famosa instituição universitária e ali, naquele centro de excelência, naquela fábrica de inseminação de bons alunos, naquele exército do saber bem e do dizer bem, eu não emudeci e eu não me saí de todo mal, e eu convivi com muitos filhotes-de-papai que se tornaram filhotes-de-orientador, isto é, gente que seguiu sem gemer, sem o menor conflito, essa monstruosidade chamada homem-de-carreira, chamada homem-de-sucesso e que trocou o papá-gosta-menino-eu pelo cabeça-professor-ama-texto-eu. Eu conheci a violência intrínseca dessas pequenas criaturas culturais, criaturas que riscavam do convívio quem dissesse errado a coisa-Descartes e a coisa-Freud, e que, embora não tivessem os bens materiais como a coisa-Mercedes e a namorada-coisa-gostosa-que-vai-vernissage, tinham muitos bens culturais dentro da cabeça e adoravam a coisa-Kant, a coisa-Fitche e as belezas da literatura assimilada na bolsa de Paris. Agora eu me lembro de tudo, a assim chamada Madeleine está inteirinha atravessando a minha boca, e é necessário que eu diga absolutamente tudo, pois isso, como já disse, não é mais uma questão minha".

(Juliano Pessanha)

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