sábado, 28 de abril de 2012

Sahara, 1987.

Foste embora, foram-se embora as outras visitas desse dia, uma enfermeira veio dar-me um remédio e mudar o frasco de soro, e eu fiquei sozinha, a pensar em ti e na tua visita. Através da janela do quarto, percebi que a tarde estava a acaar e que as luzes da cidade se iam acendento. Lá de fora vinha o ruído do trânsito ao fim do dia, um ruído de gente e automóveis apressados, gente que queria voltar para casa, onde estavam os que amavam ou os que se tinham habituado a amar, sem fazer demasiadas perguntas nem exigir nada mais do que esse amor tranquilo de todos os dias. É verdade que nunca quis ou nunca vivi para querer isso para mim. Queria mais, vê tu! Queria viver no limite todos os dias, queria que as coisas estivessem sempre a correr. Conhecer novaspessoas todo o tempo, sair, ir a discotecas, divertir-me todos os dias, sentir que podia seduzir todos a minha volta e brincar com isso. Mas agora, agora que a noite chegou e que fiquei sozinha, agora que sei que também tu voltaste para uma casa onde tens alguém à tua espera, alguém que te ama, alguém que de dá paz, também a mim, de repente, me apetecia poder ir para casa e ter à minha espera alguém que me amasse. Não, não estou a dizer que queria que fosses tu. Não estou a dizer isso, estou a falar de alguém. Alguém sem nome.

Eu sei que algures, mais adiante na minha vida, hei-de encontrar quem esteja em casa à minha espera quando eu chegar. im, eu sei, está escrito, é sempre assim. Mas era agora que eu queria não sentir este vazio, não te sentir tão distante, tão longe do deserto. Queria só dar um sentido à nossa viagem. Já sei, já sei que nada dura para sempre - só as montanhas e os, os rios meu sábio. Mas o que fomos nós um para o outro: apenas companheiros ocasionais de viagem? Com o tempo contado, com tudo previamente estabelecido e com prazo de validade previsto à partida? Foi só isso, diz-me, foi só isso o nosso encontro? Não ficou mais nada lá atrás, não deixamos nada de nós os dois no deserto que atravessamos?

(No Teu Deserto, Miguel Sousa Tavares)

Nenhum comentário: