1. Das críticas
É demasiadamente frustrante ter de ouvir comentários irrelevantes para a feitura de um trabalho acadêmico, esforço característico de quem tem a missão de procurar piolhos na cabeça de outrem e, sem encontrá-los, chama pelo nome piolho qualquer ponto branco que enxerga – ou que acredita ter enxergado – mesmo que este ponto branco não corresponda a efetivamente nada. “Em verdade, há muitos homens que lêem apenas para não pensar” (Georg Lichtemberg): a obrigação de encontrar problemas leva muitos avaliadores a tecerem críticas, mais do que propriamente inférteis, forçadas.
a) “Ao longo do seu texto aparecem duas perguntas de pesquisa diferentes...”.
Chega a ser curioso a que ponto uma doutora pode incorrer no erro primário de confundir problema de pesquisa com problemática de pesquisa. Ter como problema o conjunto de transformações da modernidade não impede de focalizar o problema propriamente em uma questão específica – os relacionamentos amorosos sob a óptica do cinema de Woody Allen.
b) “Então quer dizer que Woody Allen precisou ler autores como Giddens, Beck e Bauman para escrever os seus filmes?”.
A mesma doutora que tece um comentário infantil destes, parece não ter lido a premissa de que eu assumo, qual seja, a de entender a produção cinematográfica sob a forma de um produto cultural. Se o tivesse feito com a atenção necessária, compreenderia que o cinema, sob esta condição, ajuda a promover uma discussão sobre valores. Portanto, Woody Allen, em seus filmes, promove uma conversação sobre estes referidos valores. Isto não está de modo algum em contradição com o fato de que para compreender melhor a dimensão de tais valores seja necessário utilizar um aporte sociológico que permita enxergar um projeto tácito de modernidade nos filmes de Allen. Um projeto intuitivo, que pode ser discutido na medida em que eu deixo a posição de simples espectador e olho para o filme com o olhar de um analista – prática esta própria da atividade científica. Portanto, é possível de fato vislumbrar um projeto de modernidade no cinema de Allen e isso não implica que ele tenha se preocupado em teorizar – embora talvez até tenha, de fato – para escrever seus filmes. Há de se ressaltar também, a título de curiosidade, que os textos de Giddens, Beck e Bauman são posteriores ao filme de Allen analisado por meu trabalho.
c) “Então tem que saber teoria sociológica para entender os filmes do Woody Allen”?
Sendo você dá área de cinema, eu te faria a mesma pergunta: tem que entender sobre teorias da imagem e do cinema para assistir a algum filme? Porque, de fato, não tem. Sendo assim, se eu não estou legitimado a falar, por outro lado, qualquer estudo empreendido por você, seguindo seu raciocínio, é inútil – para ver o cinema não é preciso saber nada sobre o cinema, necessariamente. Sejamos, portanto, radicais e desconstruamos a própria noção de ciência que legitima uma fala tão idiota quanto a sua.
d) “Você discute Freud na sua análise, mas curiosamente não o faz na parte teórica...”
Talvez assim eu não o faça porque a minha abordagem não trata da questão da psicanálise freudiana, mas do conjunto de transformações que a psicanálise dá a ver na conformação da modernidade. Em outras palavras, meu aporte é a sociologia e não a psicanálise. Portanto, para citar Freud eu não preciso me aprofundar nas teorias psicanalíticas dele, mas antes no impacto que esta ‘ciência’ trouxe às práticas sociais, fato este que está apresentado em mais de uma passagem. Além do mais, a menção a teoria psicanalítica de Freud é pontual, uma nota de rodapé. Assim sendo, como disse uma grande amiga, pelo andar da carruagem, para cada palavra que eu usar eu terei que referenciar o lugar do dicionário Aurélio de onde eu extrai tal vocábulo.
e) “Olha a maneira como você está utilizando o conceito de sociedade. Parece tão durkheimiano...”
Não faça considerações que não foram sequer problematizadas no texto. Dizer da existência de uma determinada sociedade é reconhecer um conjunto de práticas e sentidos partilhados, não que eles sejam homogêneos – na verdade são desiguais. Entretanto, eu sequer problematizei a noção de sociedade no âmbito deste trabalho porque não é meu objeto principal de atenção.
f) “Você fala que utiliza o modelo ‘praxiológico’ mas lê os meios de comunicação de um modo instrumental...”
Outro exemplo de precipitação: pegar um pedaço de texto isolado e fazer uma inferência despropositada. Quando se diz que os meios de comunicação fornecem informações, em nenhum momento eu afirmei que estes meios de comunicação operam de maneira unidirecional. Esta sua compreensão se mostra incoerente a partir dos referenciais que eu utilizo sobre o processo de agência, sobretudo quando eu coloco em questão a existência da reflexividade. A disponibilidade maior de informações, inegavelmente, lida a partir do agente reflexivo, compreende o movimento desestruturador próprio da modernização em seu estágio contemporâneo.
2. Do preço
O resultado da qualificação expressa tão somente a ponta de um enorme iceberg escondido sobre a superfície do trabalho apresentado.
Se há uma pergunta que me faço hoje, esta é simples: qual o preço a ser pago para manter um “bom relacionamento” com seu orientador? Por “bom relacionamento”, evidentemente, deve-se entender “bom relacionamento parasitário”, afinal, enquanto cabe ao orientador, além dos subterfúgios, o poder e as eventuais glórias, por outro lado, é o aluno que assume exclusivamente a responsabilidade pelos erros. É interessante observar a sutileza a partir da qual o mecanismo da irresponsabilidade é perpetuado: a ausência de orientação – isto é, de planejamento sobre o problema de pesquisa bem como sobre as escolhas teóricas e metodológicas – é transformada em “incapacidade de comunicar as idéias com clareza” (estamos, ao que parece, de volta à comunicação instrumental, ao modelo representacional). Com este movimento transforma-se em problema de comunicação um problema de orientação, eximindo a omissa orientadora da sua enorme parcela de responsabilidade pelo produto final apresentado. Talvez este seja, de fato, o meu obsucuro “problema de pesquisa”. A propósito, diante das palavras da minha orientadora chega a ser no mínimo irônico ouvir da banca a constatação de que o aluno escreve com clareza...
3. Da política
Na luta desenfreada pelo Lattes o prestígio é medido pelo número de orientações e não pela natureza ou qualidade do trabalho orientado. Num mundo ideal, platônico, para existir maior transparência nos processos de orientação seria necessária não apenas a avaliação dos alunos por parte dos professores, mas canais de mensuração no sentido oposto: a apresentação de relatórios de avaliação feitos pelos alunos contando detalhes sobre o processo de produção do texto científico. Haveria de ser assegurada a liberdade para que o aluno pudesse expor seus pontos de vista sem medo de receber quaisquer futuras sanções ou represálias por parte de seu orientador. Mas professores que adoram versar sobre transparência, deliberação, responsabilidade, democracia, transformação social e processos igualitários de comunicação jamais estariam dispostos a arriscarem suas respectivas peles passando pelo crivo dos alunos... Além disso, o corporativismo jamais permitiria qualquer tipo de punição aos professores que não arcassem com suas responsabilidades.
Viva a vaidade intelectual! Diante dos interesses meramente pessoais, tramas políticas de bastidores relegam a um lugar secundário as decisões mais adequadas a uma determinada circunstância.
4. Do mantra
De repente, solicitar orientação passa a ser um mero gesto de súplica por qualquer segundo de atenção. Para justificar a falta de compromisso apela-se para o discurso da falta de tempo: “você sabe como é, tenho dez orientandos...”. Repetindo o mantra para cada um dos dez orientandos, lembrando-lhes de seu empenho no trabalho dos nove restantes, tem um efeito duplo de grande impacto: não apenas os alunos se sentem compadecidos da cruzada enfrentada pela orientadora como esta cria uma estratégia que a liberta da obrigação de orientar qualquer um de seus alunos.
5. Do constrangimento
Diante de uma relação desigual de poder – o aluno insiste em pedir ajuda enquanto o orientador continua a se faz de surdo – a situação chega a um ponto tal que o elo mais fraco começa a se sentir constrangimento por perturbar a letargia da orientadora. Diante deste quadro restam duas alternativas: ou se assume o risco de efetuar uma queixa para uma instância superior, formada exclusivamente por professores (e quando assim o faz, ainda que tardiamente, encontra como resposta uma cara de paisagem que sequer é capaz de mostrar alguma expressão de vida – seja mediante indignação ou compadecimento diante de tanta picaretagem) ou, em nome da manutenção da boa relação, paga o preço, se desespera, continua no anonimato e simplesmente atira no escuro, “vê o que pode ser feito”. Caso milagrosamente acerte o alvo, o mérito é do orientador. Do contrário...
Às vezes, em alguma parte da trajetória, pode-se ter a sorte de contar com algum voluntário que se preocupe com seu problema e tente ajudá-lo a resolver da melhor maneira possível. Contudo, é no mínimo estranho quando você se encontra durante o semestre mais vezes com voluntários do que com seu própria orientadora para discutir sobre seu trabalho e quando estes mesmos voluntários estão mais interessados no seu produto do que aquele que oficialmente deveria estar.
6. Do subterfúgio
Para bailar na teia sem ter medo de ser pego uma perversa ousadia entra em ação: para composição das bancas são escolhidas pessoas que potencialmente não sejam capazes de comprometer a atuação da orientadora, isto é, que não deflagrem a responsabilidade do orientador incidida sobre o produto final. Contudo, esta ousadia só funciona por conta da sutileza que é plantada durante os reles contatos com o aluno. Cria-se a expectativa de que alguns dos supramencionados voluntários farão parte da mesa até a véspera da liberação oficial do nome da banca quando a farsa é finalmente revelada. Nesta hora, frases como “não entrará nenhuma pessoa da perspectiva de cinema porque elas trabalham com instrumental completamente diferente do seu” dão lugar a lacônicas e irritadas justificativas – porque nessa hora a frustração é tão grande que o mais coxa dos coxas requer uma justificativa para tamanha quebra de expectativa - “a fulana trabalha com cinema, mas tem sensibilidade”. Sob estas circunstâncias a orientadora se livra da existência de um crivo adicional exterior de alguém que efetivamente acompanhou o processo de realização do produto apresentado e conhece as limitações características do que foi mostrado – bem como as responsabilidades advindas das escolhas efetuadas na composição.
7. Da desconfiança (ou da cara de pau)
Depois de perder todos os prazos fixados, solicitar todos os prorrogamentos possíveis e desrespeitar os prazos dos prorrogamentos, finalmente quando sua orientadora resolve ler o seu texto, ela descobre que simplesmente não vai com a cara dos autores que você utiliza nem da pergunta de pesquisa que ela mesmo havia aprovado meses antes – isto porque você começa a mandar material para ela em 31 de janeiro, em 31 de agosto termina o prazo da prorrogação do tempo pré-qualificação e ela te dá um retorno apenas no dia 6 de setembro. Fica no ar, após a solicitação de justificativa sobre os componentes da banca, que a qualificação servirá para mostrar que ela está certa (?!, quer dizer, como uma pessoa que não propôs absolutamente nada ao trabalho, que não contribuiu em momento algum nem com idéias construtivas muito menos como bibliografia apropriada pode ousar dizer que está certa?), que o aporte teórico utilizado é inadequado e, além disso, que a apropriação dos autores feita pelo aluno é frágil – expectativa essa da orientadora que não se confirma pois durante a qualificação ninguém questiona nem a legitimidade do aporte, tampouco a interpretação conferida pelo aluno. Entretanto, durante a qualificação há uma queixa central acerca da metodologia empregada – um tema cuja formulação depende centralmente da capacidade do orientador em ajudar o aluno a encontrar uma forma de exploração mais adequada ao objeto empírico em questão e que, não obstante, o aluno solicitou inúmeras vezes ajuda para dar o acabamento mais apropriado, mas que não a obteve.
Curiosamente, depois de findado o texto para a qualificação a orientadora indicou um livro efetivamente importante para a discussão que estava sendo empreendida. Entretanto, o fez sem saber e por um motivo inusitado: a picuinha. Sob o pretexto de que a autora Eva Illouz sim era uma grande socióloga, diferentemente de Anthony Giddens, que não fazia pesquisa sociológica em sentido estrito, a orientadora, apenas para me provocar (?!), indicou o livro recém-lançado “O Amor nos Tempos do Capitalismo”. Entretanto, chama o fato de que ela mesma indicou um livro sensacional de uma autora ainda mais magistral que ela sequer leu na vida! Isso porque quando remeti ao livro durante a qualificação, ela sequer sabia o nome da autora – de tão genial que esta era...
Além disso, é interessante que uma pessoa tão culta e cheia de “discernimento”, tenha preferido apoiar algumas das conclusões precipitadas das componentes da banca a admitir que várias das intervenções destas, conforme apontadas no início deste texto, eram apenas expressões de afetação pseudo-intelectual – o que reforça a tese de que mais do que preocupada em me ajudar, em contribuir para o meu trabalho a orientadora em questão desejava a qualquer preço, mesmo que legitimando a estupidez, me ferrar a troco de absolutamente nada.
É demasiadamente frustrante ter de ouvir comentários irrelevantes para a feitura de um trabalho acadêmico, esforço característico de quem tem a missão de procurar piolhos na cabeça de outrem e, sem encontrá-los, chama pelo nome piolho qualquer ponto branco que enxerga – ou que acredita ter enxergado – mesmo que este ponto branco não corresponda a efetivamente nada. “Em verdade, há muitos homens que lêem apenas para não pensar” (Georg Lichtemberg): a obrigação de encontrar problemas leva muitos avaliadores a tecerem críticas, mais do que propriamente inférteis, forçadas.
a) “Ao longo do seu texto aparecem duas perguntas de pesquisa diferentes...”.
Chega a ser curioso a que ponto uma doutora pode incorrer no erro primário de confundir problema de pesquisa com problemática de pesquisa. Ter como problema o conjunto de transformações da modernidade não impede de focalizar o problema propriamente em uma questão específica – os relacionamentos amorosos sob a óptica do cinema de Woody Allen.
b) “Então quer dizer que Woody Allen precisou ler autores como Giddens, Beck e Bauman para escrever os seus filmes?”.
A mesma doutora que tece um comentário infantil destes, parece não ter lido a premissa de que eu assumo, qual seja, a de entender a produção cinematográfica sob a forma de um produto cultural. Se o tivesse feito com a atenção necessária, compreenderia que o cinema, sob esta condição, ajuda a promover uma discussão sobre valores. Portanto, Woody Allen, em seus filmes, promove uma conversação sobre estes referidos valores. Isto não está de modo algum em contradição com o fato de que para compreender melhor a dimensão de tais valores seja necessário utilizar um aporte sociológico que permita enxergar um projeto tácito de modernidade nos filmes de Allen. Um projeto intuitivo, que pode ser discutido na medida em que eu deixo a posição de simples espectador e olho para o filme com o olhar de um analista – prática esta própria da atividade científica. Portanto, é possível de fato vislumbrar um projeto de modernidade no cinema de Allen e isso não implica que ele tenha se preocupado em teorizar – embora talvez até tenha, de fato – para escrever seus filmes. Há de se ressaltar também, a título de curiosidade, que os textos de Giddens, Beck e Bauman são posteriores ao filme de Allen analisado por meu trabalho.
c) “Então tem que saber teoria sociológica para entender os filmes do Woody Allen”?
Sendo você dá área de cinema, eu te faria a mesma pergunta: tem que entender sobre teorias da imagem e do cinema para assistir a algum filme? Porque, de fato, não tem. Sendo assim, se eu não estou legitimado a falar, por outro lado, qualquer estudo empreendido por você, seguindo seu raciocínio, é inútil – para ver o cinema não é preciso saber nada sobre o cinema, necessariamente. Sejamos, portanto, radicais e desconstruamos a própria noção de ciência que legitima uma fala tão idiota quanto a sua.
d) “Você discute Freud na sua análise, mas curiosamente não o faz na parte teórica...”
Talvez assim eu não o faça porque a minha abordagem não trata da questão da psicanálise freudiana, mas do conjunto de transformações que a psicanálise dá a ver na conformação da modernidade. Em outras palavras, meu aporte é a sociologia e não a psicanálise. Portanto, para citar Freud eu não preciso me aprofundar nas teorias psicanalíticas dele, mas antes no impacto que esta ‘ciência’ trouxe às práticas sociais, fato este que está apresentado em mais de uma passagem. Além do mais, a menção a teoria psicanalítica de Freud é pontual, uma nota de rodapé. Assim sendo, como disse uma grande amiga, pelo andar da carruagem, para cada palavra que eu usar eu terei que referenciar o lugar do dicionário Aurélio de onde eu extrai tal vocábulo.
e) “Olha a maneira como você está utilizando o conceito de sociedade. Parece tão durkheimiano...”
Não faça considerações que não foram sequer problematizadas no texto. Dizer da existência de uma determinada sociedade é reconhecer um conjunto de práticas e sentidos partilhados, não que eles sejam homogêneos – na verdade são desiguais. Entretanto, eu sequer problematizei a noção de sociedade no âmbito deste trabalho porque não é meu objeto principal de atenção.
f) “Você fala que utiliza o modelo ‘praxiológico’ mas lê os meios de comunicação de um modo instrumental...”
Outro exemplo de precipitação: pegar um pedaço de texto isolado e fazer uma inferência despropositada. Quando se diz que os meios de comunicação fornecem informações, em nenhum momento eu afirmei que estes meios de comunicação operam de maneira unidirecional. Esta sua compreensão se mostra incoerente a partir dos referenciais que eu utilizo sobre o processo de agência, sobretudo quando eu coloco em questão a existência da reflexividade. A disponibilidade maior de informações, inegavelmente, lida a partir do agente reflexivo, compreende o movimento desestruturador próprio da modernização em seu estágio contemporâneo.
2. Do preço
O resultado da qualificação expressa tão somente a ponta de um enorme iceberg escondido sobre a superfície do trabalho apresentado.
Se há uma pergunta que me faço hoje, esta é simples: qual o preço a ser pago para manter um “bom relacionamento” com seu orientador? Por “bom relacionamento”, evidentemente, deve-se entender “bom relacionamento parasitário”, afinal, enquanto cabe ao orientador, além dos subterfúgios, o poder e as eventuais glórias, por outro lado, é o aluno que assume exclusivamente a responsabilidade pelos erros. É interessante observar a sutileza a partir da qual o mecanismo da irresponsabilidade é perpetuado: a ausência de orientação – isto é, de planejamento sobre o problema de pesquisa bem como sobre as escolhas teóricas e metodológicas – é transformada em “incapacidade de comunicar as idéias com clareza” (estamos, ao que parece, de volta à comunicação instrumental, ao modelo representacional). Com este movimento transforma-se em problema de comunicação um problema de orientação, eximindo a omissa orientadora da sua enorme parcela de responsabilidade pelo produto final apresentado. Talvez este seja, de fato, o meu obsucuro “problema de pesquisa”. A propósito, diante das palavras da minha orientadora chega a ser no mínimo irônico ouvir da banca a constatação de que o aluno escreve com clareza...
3. Da política
Na luta desenfreada pelo Lattes o prestígio é medido pelo número de orientações e não pela natureza ou qualidade do trabalho orientado. Num mundo ideal, platônico, para existir maior transparência nos processos de orientação seria necessária não apenas a avaliação dos alunos por parte dos professores, mas canais de mensuração no sentido oposto: a apresentação de relatórios de avaliação feitos pelos alunos contando detalhes sobre o processo de produção do texto científico. Haveria de ser assegurada a liberdade para que o aluno pudesse expor seus pontos de vista sem medo de receber quaisquer futuras sanções ou represálias por parte de seu orientador. Mas professores que adoram versar sobre transparência, deliberação, responsabilidade, democracia, transformação social e processos igualitários de comunicação jamais estariam dispostos a arriscarem suas respectivas peles passando pelo crivo dos alunos... Além disso, o corporativismo jamais permitiria qualquer tipo de punição aos professores que não arcassem com suas responsabilidades.
Viva a vaidade intelectual! Diante dos interesses meramente pessoais, tramas políticas de bastidores relegam a um lugar secundário as decisões mais adequadas a uma determinada circunstância.
4. Do mantra
De repente, solicitar orientação passa a ser um mero gesto de súplica por qualquer segundo de atenção. Para justificar a falta de compromisso apela-se para o discurso da falta de tempo: “você sabe como é, tenho dez orientandos...”. Repetindo o mantra para cada um dos dez orientandos, lembrando-lhes de seu empenho no trabalho dos nove restantes, tem um efeito duplo de grande impacto: não apenas os alunos se sentem compadecidos da cruzada enfrentada pela orientadora como esta cria uma estratégia que a liberta da obrigação de orientar qualquer um de seus alunos.
5. Do constrangimento
Diante de uma relação desigual de poder – o aluno insiste em pedir ajuda enquanto o orientador continua a se faz de surdo – a situação chega a um ponto tal que o elo mais fraco começa a se sentir constrangimento por perturbar a letargia da orientadora. Diante deste quadro restam duas alternativas: ou se assume o risco de efetuar uma queixa para uma instância superior, formada exclusivamente por professores (e quando assim o faz, ainda que tardiamente, encontra como resposta uma cara de paisagem que sequer é capaz de mostrar alguma expressão de vida – seja mediante indignação ou compadecimento diante de tanta picaretagem) ou, em nome da manutenção da boa relação, paga o preço, se desespera, continua no anonimato e simplesmente atira no escuro, “vê o que pode ser feito”. Caso milagrosamente acerte o alvo, o mérito é do orientador. Do contrário...
Às vezes, em alguma parte da trajetória, pode-se ter a sorte de contar com algum voluntário que se preocupe com seu problema e tente ajudá-lo a resolver da melhor maneira possível. Contudo, é no mínimo estranho quando você se encontra durante o semestre mais vezes com voluntários do que com seu própria orientadora para discutir sobre seu trabalho e quando estes mesmos voluntários estão mais interessados no seu produto do que aquele que oficialmente deveria estar.
6. Do subterfúgio
Para bailar na teia sem ter medo de ser pego uma perversa ousadia entra em ação: para composição das bancas são escolhidas pessoas que potencialmente não sejam capazes de comprometer a atuação da orientadora, isto é, que não deflagrem a responsabilidade do orientador incidida sobre o produto final. Contudo, esta ousadia só funciona por conta da sutileza que é plantada durante os reles contatos com o aluno. Cria-se a expectativa de que alguns dos supramencionados voluntários farão parte da mesa até a véspera da liberação oficial do nome da banca quando a farsa é finalmente revelada. Nesta hora, frases como “não entrará nenhuma pessoa da perspectiva de cinema porque elas trabalham com instrumental completamente diferente do seu” dão lugar a lacônicas e irritadas justificativas – porque nessa hora a frustração é tão grande que o mais coxa dos coxas requer uma justificativa para tamanha quebra de expectativa - “a fulana trabalha com cinema, mas tem sensibilidade”. Sob estas circunstâncias a orientadora se livra da existência de um crivo adicional exterior de alguém que efetivamente acompanhou o processo de realização do produto apresentado e conhece as limitações características do que foi mostrado – bem como as responsabilidades advindas das escolhas efetuadas na composição.
7. Da desconfiança (ou da cara de pau)
Depois de perder todos os prazos fixados, solicitar todos os prorrogamentos possíveis e desrespeitar os prazos dos prorrogamentos, finalmente quando sua orientadora resolve ler o seu texto, ela descobre que simplesmente não vai com a cara dos autores que você utiliza nem da pergunta de pesquisa que ela mesmo havia aprovado meses antes – isto porque você começa a mandar material para ela em 31 de janeiro, em 31 de agosto termina o prazo da prorrogação do tempo pré-qualificação e ela te dá um retorno apenas no dia 6 de setembro. Fica no ar, após a solicitação de justificativa sobre os componentes da banca, que a qualificação servirá para mostrar que ela está certa (?!, quer dizer, como uma pessoa que não propôs absolutamente nada ao trabalho, que não contribuiu em momento algum nem com idéias construtivas muito menos como bibliografia apropriada pode ousar dizer que está certa?), que o aporte teórico utilizado é inadequado e, além disso, que a apropriação dos autores feita pelo aluno é frágil – expectativa essa da orientadora que não se confirma pois durante a qualificação ninguém questiona nem a legitimidade do aporte, tampouco a interpretação conferida pelo aluno. Entretanto, durante a qualificação há uma queixa central acerca da metodologia empregada – um tema cuja formulação depende centralmente da capacidade do orientador em ajudar o aluno a encontrar uma forma de exploração mais adequada ao objeto empírico em questão e que, não obstante, o aluno solicitou inúmeras vezes ajuda para dar o acabamento mais apropriado, mas que não a obteve.
Curiosamente, depois de findado o texto para a qualificação a orientadora indicou um livro efetivamente importante para a discussão que estava sendo empreendida. Entretanto, o fez sem saber e por um motivo inusitado: a picuinha. Sob o pretexto de que a autora Eva Illouz sim era uma grande socióloga, diferentemente de Anthony Giddens, que não fazia pesquisa sociológica em sentido estrito, a orientadora, apenas para me provocar (?!), indicou o livro recém-lançado “O Amor nos Tempos do Capitalismo”. Entretanto, chama o fato de que ela mesma indicou um livro sensacional de uma autora ainda mais magistral que ela sequer leu na vida! Isso porque quando remeti ao livro durante a qualificação, ela sequer sabia o nome da autora – de tão genial que esta era...
Além disso, é interessante que uma pessoa tão culta e cheia de “discernimento”, tenha preferido apoiar algumas das conclusões precipitadas das componentes da banca a admitir que várias das intervenções destas, conforme apontadas no início deste texto, eram apenas expressões de afetação pseudo-intelectual – o que reforça a tese de que mais do que preocupada em me ajudar, em contribuir para o meu trabalho a orientadora em questão desejava a qualquer preço, mesmo que legitimando a estupidez, me ferrar a troco de absolutamente nada.
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