Por trás do frenesi da vida cotidiana está sempre a fuga de nós mesmos, a tentativa de nos atordoarmos para não enfrentar as questões verdadeiramente importantes da existência: a inevitabilidade da morte, a miséria e a infelicidade da própria condição. Aquilo que os homens mais desejam é ser distraídos; o que mais temem é ficar sozinhos e quietos em um quarto, sem nada para fazer. O verdadeiro propósito de qualquer tipo de atividade ou compromisso, mesmo eticamente honroso, é chegar inadvertidamente à morte, suprimir a consciência da nossa finitude.
Nada é mais insuportável para o homem do que ficar em descanso absoluto, sem paixões, sem nada para fazer, sem divertimento, sem uma ocupação. É então que ele percebe a sua nulidade, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Logo brotarão do fundo de sua alma o tédio, a melancolia, a tristeza, a aflição, o ressentimento, o desespero. A infelicidade dos homens deriva de uma única coisa, que é não conseguirem ficar sossegados em um quarto.
De todas as condições que se imagine, juntando todos os bens que se possa reunir, a condição de rei é a melhor do mundo, imaginando-se, portanto, um rei cercado de todos os prazeres de que pode desfrutar. Se, porém, o imaginarmos privado de distrações, enquanto reflete e avalia sua existência, felicidade e prazeres não lhe valerão mais, e ele fatalmente sucumbirá diante das ameaças que vê, das revoltas que podem ocorrer e, finalmente, da morte e das doenças que são inevitáveis. E assim, privado do que se denomina distração, eis que está infeliz, mais infeliz ainda que o último dos seus súditos que joga e pode distrair-se.
Isto explica porque o jogo e a busca da companhia feminina, a guerra e os altos cargos são objetivos tão almejados. Não porque encerrem em si a felicidade. O que buscamos não é a suavidade e placidez desta posse, que nos deixa pensar na infelicidade da nossa condição; nem os perigos da guerra, nem as preocupações dos cargos, mas o estrépito que nos impede de pensar a respeito e nos distrai. Motivo pelo qual amamos mais o ato de caçar do que a presa em si. Aquela lebre não nos impediria a visão da morte e das misérias, mas a caça, que nos distrai delas, pode fazê-lo. Todas as atividades mundanas mesmo as mais honradas nascem de uma fuga dos problemas existenciais. O rei está cercado de pessoas que só pensam em fazer com que se divirta e em impedi-lo de pensar em si mesmo. Por que mesmo sendo rei, se pensar, será infeliz. Isso é tudo que os homens puderam inventar para ser felizes.
O modo de enganar a si mesmo é postergar para um eterno futuro o momento da serenidade, para então se dedicar à reflexão sobre a inevitabilidade da morte. E assim transcorre a vida. Busca-se o descanso enfrentando uma série de obstáculos; e, superados estes, o descanso torna-se insuportável porque nos faz pensar nas misérias presentes ou naquelas que nos ameaçam. E mesmo se nos sentíssemos protegidos o bastante por todos os lados, o tédio, com a sua costumeira autoridade, não deixaria de se soltar do fundo do coração, onde, naturalmente se enraizou, e de encher o espírito com o seu veneno.
(Blaise Pascal)
Nada é mais insuportável para o homem do que ficar em descanso absoluto, sem paixões, sem nada para fazer, sem divertimento, sem uma ocupação. É então que ele percebe a sua nulidade, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Logo brotarão do fundo de sua alma o tédio, a melancolia, a tristeza, a aflição, o ressentimento, o desespero. A infelicidade dos homens deriva de uma única coisa, que é não conseguirem ficar sossegados em um quarto.
De todas as condições que se imagine, juntando todos os bens que se possa reunir, a condição de rei é a melhor do mundo, imaginando-se, portanto, um rei cercado de todos os prazeres de que pode desfrutar. Se, porém, o imaginarmos privado de distrações, enquanto reflete e avalia sua existência, felicidade e prazeres não lhe valerão mais, e ele fatalmente sucumbirá diante das ameaças que vê, das revoltas que podem ocorrer e, finalmente, da morte e das doenças que são inevitáveis. E assim, privado do que se denomina distração, eis que está infeliz, mais infeliz ainda que o último dos seus súditos que joga e pode distrair-se.
Isto explica porque o jogo e a busca da companhia feminina, a guerra e os altos cargos são objetivos tão almejados. Não porque encerrem em si a felicidade. O que buscamos não é a suavidade e placidez desta posse, que nos deixa pensar na infelicidade da nossa condição; nem os perigos da guerra, nem as preocupações dos cargos, mas o estrépito que nos impede de pensar a respeito e nos distrai. Motivo pelo qual amamos mais o ato de caçar do que a presa em si. Aquela lebre não nos impediria a visão da morte e das misérias, mas a caça, que nos distrai delas, pode fazê-lo. Todas as atividades mundanas mesmo as mais honradas nascem de uma fuga dos problemas existenciais. O rei está cercado de pessoas que só pensam em fazer com que se divirta e em impedi-lo de pensar em si mesmo. Por que mesmo sendo rei, se pensar, será infeliz. Isso é tudo que os homens puderam inventar para ser felizes.
O modo de enganar a si mesmo é postergar para um eterno futuro o momento da serenidade, para então se dedicar à reflexão sobre a inevitabilidade da morte. E assim transcorre a vida. Busca-se o descanso enfrentando uma série de obstáculos; e, superados estes, o descanso torna-se insuportável porque nos faz pensar nas misérias presentes ou naquelas que nos ameaçam. E mesmo se nos sentíssemos protegidos o bastante por todos os lados, o tédio, com a sua costumeira autoridade, não deixaria de se soltar do fundo do coração, onde, naturalmente se enraizou, e de encher o espírito com o seu veneno.
(Blaise Pascal)
Um comentário:
Se toda a produção escrita da humanidade estivesse na iminência de ser destruída e me fosse dada a incumbência de salvar um escrito - apenas um - este texto do Pascal seria o meu escolhido.
( uma sombra passou por aqui ).
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